SpongeBob SquarePants, mais conhecido aqui no Brasil como Bob Esponja Calça-Quadrada é um dos personagens mais icônicos das cultura pop dos últimos 20 anos, e certamente é parte da infância e da adolescência de muitos de nós. Uma série de TV bastante inovadora, com um humor que mescla muito bem uma inocência de “desenho de manhã” com o sarcasmo e formas mais sutis de tratar questões cotidianas com uma leveza que sim, também consegue entreter um público mais maduro. Claro, esse sucesso mundial ganharia rapidamente outras telas, outros meios, e o game SpongeBob SquarePants: Battle For Bikini Bottom, lançado em 2003 (4 anos após o debute da série animada na TV) para diferentes plataformas é um dos grandes êxitos da franquia, sabendo traduzir bem todo o clima da animação para os videogames.
A versão reidratada, que se mostra uma grande mistura entre remake e remaster, tal como havia sido feito em a trilogia Crash Bandicoot e Spyro The Dragon, é daqueles lançamentos que não se sabia o quanto era necessária até ser anunciada. Trazendo uma releitura muito fiel ao original, a produção ganha contornos estéticos bastante bonitos, trechos e adições pontuais, mas importantíssimas e um modo multiplayer novo que, apesar de bastante simples, traz a mais pura diversão compartilhada que se poderia esperar. SpongeBob SquarePants: Battle for Bikini Bottom Rehydrated é, portanto, a versão obviamente mais bonita e polida, e também a experiência mais completa do game.
A trama, para quem acompanha a marca desde sempre, ou mesmo para quem já viu episódios aleatórios, não é nenhuma grande revolução. Temos a Fenda do Biquíni (ou Bikini Bottom), lar do nosso protagonista, infestado por máquinas e criaturas robóticas, e mais uma vez cabe ao herói e seus amigos salvar o dia. Para quem não conheceu a versão original, é uma ótima oportunidade para reconhecer ali toda a dimensão do universo criado por Stephen Hillenburg, com o mapa cheio de referências aos detalhes vistos na série. A cada novo prédio, novo personagem encontrado, uma tonelada de easter eggs são muito bem entregues, como por exemplo a saga para que Bob Esponja tire sua carteira de motorista, a sua paixão em caçar águas-vivas ou um peixe narrador em batalhas contra chefes. Um deleite para os fãs de longa data.
Contudo, mesmo que se retroalimente de tudo o que já havia sido construído até então – e a versão de 2020 tem mais 17 anos de sedimentação da propriedade intelectual – o game consegue funcionar muito bem por si só, não exigindo necessariamente conhecimentos prévios sobre locais, personagens ou eventos específicos. Por mais que fãs de longa data tenham uma conexão emocional com o game, aqueles que por ventura nunca assistiram a um episódio sequer podem encontrar uma ótima diversão descompromissada no jogo, que traz para os dias atuais uma simplicidade rara no mercado atual.
O jogo tem uma organização estrutural bastante objetiva: iniciamos a jornada literalmente em casa, e logo em sua sala de estar Bob recebe as primeiras orientações do que está acontecendo na trama e dos aspectos de jogabilidade. Vamos explorar o mundo do game, uma reimaginação muito fiel do que já vimos na animação 2D, coletar itens, enfrentar inimigos e superar obstáculos. Cada amigo ou conhecido tem algo a dizer sobre esse universo, situando o jogador antes da ação em si começar para valer. O bairro de Bob Esponja funciona como um Hub, de onde ele parte e para onde ele sempre volta depois de cada área explorada e, mais tarde, a cidade toda é ponto de convergência.
Há missões em lugares específicos no fundo do mar, e cada portão requer um número mínimo de espátulas douradas para se abrir. Uma vez que se recolhe a quantidade de pré-requisito, é possível chamar um táxi e partir para a aventura. Para coletá-las, há várias possibilidades. Certas missões obrigatórias concedem esse item quando completadas, mas há também outras escondidas pelos cenários comuns ou ainda como prêmio para missões secundárias e optativas. Em um dado momento, é meio que necessário correr atrás de todas as formas de consegui-las, já que só as conquistadas naturalmente não serão suficientes para abrir novas missões, então vale a pena investir na exploração e no cumprimento de metas que forem surgindo, principalmente no início do game, quando estão mais fáceis de se encontrar.
Assim, o jogo tem sua estrutura linear – compreendendo que a quantidade de itens exigida por cada portão é crescente – mas esse formato pode ser subvertido, e é importante que o seja, porque em certos locais há novos pontos do mapa a serem acessados que dependem de habilidades que vão sendo adquiridas ao longo da campanha. Então, voltar a ambientes já superados não é só uma possibilidade, mas uma necessidade, principalmente para quem busca a completude e, óbvio, para os caçadores de troféus. É possível ainda comprar espátulas com objetos brilhantes (a moeda comum do jogo) ou meias sujas do Patrick, algo que pode ser um atalho para seguir rapidamente ou complementar a coleção, mas, acredite, vale muito mais a pena realmente conquistar cada nova espátula, ainda que essas tarefas complementares possam ser, muitas vezes, muito mais trabalhosas que as principais.
Como um jogo de plataforma, não há segredos e a estrutura de movimentação é muito familiar, principalmente para quem já conhece games que derivam de alguns preceitos estabelecidos lá com Mario 64 e que foram refinados ao longo dos anos em produções como os já citados Crash Bandicoot, Spyro, dentre outros. Há inimigos espalhados por áreas ora mais abertas, ora mais baseadas em corredores, e elementos verticais são bastante comuns. O nível de dificuldade é bastante mediano (as vezes, destoante para mais ou para menos), e são poucos os momentos que exigem um pouco mais de precisão, concentração ou reação rápida. Com um ritmo muito tranquilo e coeso com a própria natureza do personagem, a tal batalha pela Fenda do Biquini do título tem a mesma vibe de tudo o que já conhecemos da franquia.
Ao longo dessa jornada, além do próprio Bob Esponja, também estaremos na pele de Patrick Estrela e Sandy, cada qual com alguns movimentos diferentes e pertinentes em vários momentos. Se no começo, somos guiados a encarar os desafios específicos que precisam dessas capacidades (como poder carregar e arremessar itens com o Patrick e usar o laço da Sandy para flutuar e combates a distância), logo é possível alternar entre os heróis, as vezes até revisitando locais para explorar novamente sob uma nova perspectiva. Para isso, basta encontrar um dos vários pontos de ônibus espalhados em cada mapa e está feita a troca.
A experiência com outros personagens aumenta no modo multiplayer, novidade desta versão, onde podemos escolher dois dentre vários dos personagens para o bom e velho jeito de enfrentar hordas de inimigos em ondas. Nada muito original, e um tanto quanto repetitivo, mas que não deixa de ser um belo complemento ao modo principal. Jogar a campanha com um amigo seria ainda mais espetacular, sobretudo pela possibilidade de vencer obstáculos sem precisar necessariamente estar com um ou outro, mas certamente seria uma alteração estrutural e conceitual do design dos níveis muito mais aprofundado do que se esperaria de uma versão atualizada.
O aspecto audiovisual, como não poderia deixar de ser, é um dos grandes destaques de SpongeBob SquarePants: Battle for Bikini Bottom – Rehydrated, não só porque são duas gerações entre uma versão e outra, e a alta definição faz um bem danado para esse universo, mas pela riqueza de detalhes e profusão de cores que encontramos em 2020. Os cenários tem lá suas limitações em termos de complexidade e de preenchimento do mundo, mas é notório que há uma repaginada na diversidade de tons e texturas e nos detalhes de cada objeto que compõem a direção artística do jogo. Sim, ainda temos muitos descampados que poderiam ser preenchidos com vegetação e corais, buscando as mesmas inspirações das demais mídias, mas tudo funciona bem, sobretudo pelo alcance da palheta de cores e das texturas cartunescas.
O fundo do mar da franquia nunca foi tão cheio de vivacidade. Tudo é intenso e não há economia, e o tom azulado adotado pela produção televisiva muitas vezes dá espaço para um ambiente com tons mais quentes, a se destacarem o laranja, o amarelo e o vermelho mais vivos. Esqueça, de uma vez por todas, qualquer lógica de se estar dentro da água. As mecânicas básicas lembram qualquer jogo baseado na superfície, com direito a morte instantânea quando se cai na água – ou o fluído azul localizado entre uma ilha ou outra, uma plataforma e outra.
É um tanto quanto bizarro, portanto, enfrentar fases “na praia” onde a pior coisa que se faz é cair entre um ponto e outro. A morte, aliás, assim como as transições entre algumas áreas e outras, é uma das heranças que vieram da versão original que envelheceram mal. A imersão se perde um pouco quando se passa de uma sala para outra e há uma tela de carregamento no meio, ou quando se erra o último degrau de uma sequência mais longa e lá se vão 15 segundos para retomar do checkpoint. Claro, nada que de fato atrapalhe tanto assim, e é parte da proposta compreender que é uma nova versão de um jogo mais velho que muitas das pessoas que vão jogá-lo agora, mas não deixa de ser um aspecto que poderia ser retrabalhado para que fosse mais dinâmico transitar entre uma área e outra.
Soma-se a isso o belo trabalho de sonorização, com aquela batida animada que se apropria com muita transparência de músicas instrumentais das ilhas do pacífico, sobretudo do Hawaii, que deriva muito da trilha sonora original da TV. Os efeitos e ruídos são limitados e não aproveitam tanto assim o conceito de profundidade, mesmo que de forma menos natural. Atuação e vozes mantém um nível acima da média para produções dessa natureza, principalmente ao manter os dubladores originais. Não há dúvidas que para nós, brasileiros, seria incrível ouvir a nossa versão, liderada pelo Wendel Bezerra que já é tão indissociável do personagem como é do Goku (de Dragon Ball), mas o game já surpreende ao trazer os textos todos em português, com uma tradução muito digna, algo que não era esperado. Quem sabe em uma próxima vez.
Outro aspecto que as vezes acaba atrapalhando um pouco é a câmera, que funciona muito bem sendo controlada livremente pelo analógico direito, mas que sofre um bocado em áreas fechadas ou espaços mais apertados por construções e pela geografia. Enfrentar inimigos mais parrudos e, sem querer, entrar entre paredes requer uma dose a mais de paciência e as vezes dá mais trabalho ajustar a posição da câmera do que executar um movimento mais preciso. Pior ainda quando ela se posiciona automaticamente no pior lugar possível. Felizmente, espaços apertados assim são minoria e esses problemas são, felizmente, bem pontuais.
Um pouco mais grave é o design de fases as vezes confuso, e a funcionalidade de se teleportar usando caixas de papelão pode trazer muito mais desorientação do que praticidade. Recursos e artifícios para direcionamento ou indicação objetiva são muito utilizados e, nem sempre, bem-vindos. Contudo, aqui há vários elementos que trabalham na contramão disso, normalmente forçando o erro para se descobrir que um lugar não está ainda disponível, ou seja só um pano de fundo. Não é raro visualizar um barranco de altura alcançável, mas que na verdade, está fora dos limites e só vai te fazer cair e voltar ao ponto de controle (com direito a uma animação de morte bem tosca). É algo para se acostumar, mas que frustra com mais frequência do que deveria.
Com uma campanha que pode durar entre 10 e 15 horas – um pouco mais para os mais afoitos por pegar todas as meias e coletáveis – é um jogo que não tem vergonha da idade que tem e, pra ser sincero, consegue guardar todo o charme da sua geração. É bastante divertido, oferece um desafio brando e uma estrutura que mistura conceitos que são atuais até hoje, como um Hub centralizando idas e voltas a ambientes relativamente amplos, com o tradicional “avance por uma área, aprenda coisas novas e aplique o que aprendeu numa batalha contra um chefe de fase com movimentos padronizados”. Para ser apreciado, precisa ser compreendido como um produto de sua época de quase duas décadas, com um ritmo diferenciado do que estamos acostumados nos dias atuais, já que mesmo que esteja reidratado, ainda é o mesmo oceano sem água que já vimos antes.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela THQ Nordic.
Veredito
SpongeBob SquarePants: Battle For Bikini Bottom – Rehydrated é uma releitura bem-vinda de um clássico, com belos gráficos e uma simplicidade há tempos esquecida. Seus problemas podem desagradar uns mais do que outros, mas certamente fãs da esponja amarela ou de games de plataforma mais leves encontrarão bons motivos para se aventurar pela Fenda do Biquini mais uma vez.
SpongeBob SquarePants: Battle For Bikini Bottom – Rehydrated is a welcome retelling of a classic, with beautiful graphics and a long-forgotten simplicity. Its problems may displease some more than others, but fans of the yellow sponge or lighter platform games will certainly find good reason to venture into Bikini Bottom again.
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