Sakuna: Of Rice and Ruin – Review

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Games de simulação de cultivo e colheita não são uma novidade no mercado recente e alguns dos maiores fenômenos recentes se aproveitam da temática de forma criativa e engajadora. Dos games casuais de redes sociais ao mobile, dos jogos menores ao Farming Simulator, passando ainda por expoentes como Harvest Moon e o mais recente Animal Crossing, há indubitavelmente um charme que consegue atrair todo tipo de jogador. Ainda que esse não seja o único ponto central em Sakuna: Of Rice and Ruin, certamente é um dos seus diferenciais mais intrigantes.

Cultivo é só parte da experiência do game, porém. Na outra metade, por assim dizer, temos um típico slash ‘em up de progressão lateral com alguns elementos pontuais de RPG no que tange a a evolução de equipamentos e habilidades. O jogo é bastante centrado em uma narrativa clássica de redenção, onde a heroína que dá nome ao game precisa se reerguer e alcançar novamente seu status divino a partir da compreensão do que isso realmente significa. Uma história que você já deve ter visto em outros lugares com outra roupagem, mas que aqui ganha alguns contornos bem interessantes ao nos conectar realmente com ela e com os personagens que a cercam.

Em resumo, Sakuna é uma divindade poderosa que mais parece uma criança tanto em termos do aspecto físico quanto em seu comportamento mimado e superficial. Ao se envolver em uma confusão em seu palácio celestial, acaba ultrapassando alguns limites – mesmo para os seus padrões – e é condenada a acompanhar uma família de pessoas simples e compreender o valor das coisas. Ao lado destas companhias improváveis, pessoas que ela até então ignorava ou de quem desdenhava, ela passará por provações que a transformarão para sempre.

Já vivendo em uma fazenda bem diferente de todo o luxo do qual dispunha, ela precisará aprender a se virar para conseguir sobreviver. E é nesse ponto que o jogo realmente começa: Sakuna precisa se dividir nas tarefas cotidianas, como aprender a cultivar arroz – algo que passa pela separação das sementes, pela preparação das mudas, pela adubação do solo, o arado, o plantio em si, o cuidado com as ervas daninhas, o controle da umidade, a colheita, a secagem e o refino até, finalmente, resultar no arroz que vai para a alimentação da família e para um estoque especial. E sim, cada um desses momentos é tratado com respeito e carinho pelo jogo, e apresentado com bastante serenidade. Sakuna: Of Rice and Ruin não tem pressa para nos conduzir por esse caminho.

Quando não está cuidando desses afazeres, é necessário buscar outros recursos, como carne, ervas, metais e tantos outros, e nesse momento é que temos a outra parte do jogo. É necessário sair pelo mundo enfrentando fases repletas de inimigos, uma série de criaturas da natureza tomadas por um estranho sentimento violento. Coelhos, corujas, javalis, ostras, peixes voadores, cervos e tantos outros estão espalhados pelos belos cenários com influência oriental tanto na paisagem e no tratamento das cores como no traço e na trilha musical.

O game transpira orientalidade do começo ao fim, seja em termos da narrativa que se aproveita bem de mitos e lendas ancestrais, seja no visual que abusa do traço do anime estilizado para modelos em três dimensões, seja ainda no andamento da jornada, ou mesmo na forma como trata o gênero de simulação de cultivo de uma forma especial, que ainda que valorize a produtividade, não a coloca nos termos comerciais industrialistas de outras produções. Melhor do que fazer muito é fazer bem, diriam os mentores improvisados de Sakuna.

O andamento da narrativa, isto posto, pode parecer um tanto quanto arrastado para alguns. Pautado em ciclos de dia e noite, não é recomendado – as vezes, nem é possível – passar dias seguidos longe de casa se aventurando pelos caminhos das lutas intensas e das batalhas cansativas. A noite pode chegar no meio de uma investida e, via de regra, as criaturas adversárias se tornam mais perigosas. Retornar para casa depois de um dia cansativo de trabalho, dar aquela conferida se está certo com a plantação, fazer uma refeição generosa junto à família contando causos e ter uma boa noite de sono para aí então retomar a aventura é a escolha mais recomendada.

Essa rotina, que não só perpassa dias, mas também as estações do ano (cada qual dura três dias dentro do universo do game), funciona muito bem e se beneficia de um sistema climático bastante dinâmico. Chuva, neve, sol escaldante ou aquele fim de tarde fresquinho são algumas das possibilidades que nos acompanham em praticamente todas as regiões que visitamos e, claro, em nossa própria casa. Além do visual, essas intempéries também vão influenciar diretamente, e a cada nova iteração, de forma mais detalhada e específica, na qualidade e na quantidade arroz produzido, e até no gosto final. Ah, e não se pode esquecer de pegar dejetos na fossa para fertilizar bem o solo. Sim, quando se falou em uma vida simples para uma deusa, o papo foi realmente sério.

Este ciclo, porém, também pode se tornar um incômodo em alguns momentos. Como o anoitecer é realmente dinâmico e pode acontecer em qualquer ponto da aventura, é bastante comum estar no meio de uma fase, ou até perto de concluí-la, e o anoitecer nos impedir de continuar. Em certas passagens, é até frustrante: em dado momento, o noite caiu quando eu já estava muito perto de vencer um chefão depois de uma batalha bem longa. É possível continuar, claro, mas dependendo do seu nível, seus golpes podem fazer um efeito mínimo, quase irrelevante, então lá se vai todo o trabalho embora. Ao dormir, é necessário voltar e começar tudo de novo.

Quando todo o contexto dá lugar ao gameplay mais puro ao longo das fases, tudo é bastante fluido, com comandos bastante reconhecíveis por fãs do gênero, ainda que com suas peculiaridades. Há o ataque rápido e o ataque forte, construção de alguns combos, e um movimento providencial que arremessa o adversário, bem como outras habilidades especiais que vamos aprendendo ao longo da jornada. O movimento mais peculiar, contudo, está no uso de uma espécie da echarpe que pode ser utilizada tanto para alcançar pontos mais altos do cenário – e aí o elemento de plataforma se torna bastante presente no game – como para o combate em si, ajudando na esquiva e na movimentação mais livre.

Não há tantos segredos nisso: continue seguindo adiante, ultrapasse alguns obstáculos na geografia das fases, vença algumas hordas e, as vezes, certos chefões, e consiga limpar a área. Outras atividades e habilidades surgirão, como poder se mover por bolhas d’água, ou ainda destruir barreiras jogando inimigos contra elas, mas nada que seja tão diferente do que já estamos acostumados. As fases são estruturadas de uma forma bastante tradicional e fãs de jogos de ação com elementos de RPG vão se sentir bastante confortáveis nesse ponto.

Algumas fases são rápidas e é possível vencer duas, até três delas antes de anoitecer, mas outras, dependendo da exploração e dos caminhos possíveis, podem ser mais longas que toda a passagem da luz do sol. Ainda que poucas tenham checkpoints para os quais podemos retornar sem precisar atravessá-la desde o começo, é bastante incômodo precisar interromper uma caminhada por conta desse fator do tempo. Conforme evoluímos nossos equipamentos – também eles ferramentas da roça – as batalhas noturnas se tornam possíveis e até desejáveis, mas até lá, já se foram muitas – muitas mesmo – idas e voltas.

Como dito, há aqui um ritmo muito particular que impede aquele avanço rápido, aquele speedrun mesmo para quem está preparado para isso. O tempo precisa ser respeitado. Você só consegue melhorar os atributos pessoais de Sakuna a cada nova colheita, por exemplo. Quanto mais bem sucedida é a empreitada, melhores ficam atributos como força, HP, energia, magia e sorte. Antes disso, não adianta tentar queimar etapas. O jogo tem uma dificuldade moderada, mas que se torna bastante cruel quando avançamos rápido demais, e em trechos contra chefes as vezes parece desproporcional ao que apresentava até ali.

Outro aspecto que pode parecer bem distinto do que estamos acostumados é a cadência dos diálogos. Uma refeição, por exemplo, pode significar 10 minutos de bate-papo descompromissado entre Sakuna e os demais integrantes da família. Ora estão contando o que aconteceu durante o dia, ora o que pensam das aventuras que estão vivendo e tantas outros assuntos que, se não tem lá grande relevância para o andamento narrativo, fazem toda a diferença para o desenvolvimento dos personagens e das relações entre eles. Tudo roteirizado e linear, claro, mas que influencia na percepção do jogador quanto à evolução mental e emocional de cada um deles.

Essa família, por sua vez, consegue manter essa narrativa interessante com personagens carismáticos, todos exercendo arquétipos clássicos. O pai bonachão, porém sábio (a seu modo), a mãe acolhedora e gentil, a filha meiga (que em dado momento será quem poderá criar novas vestimentas para a nossa protagonista), o filho rebelde (que não tarda a exercer o papel clássico do ferreiro da trupe), o bebê fofo que, bem, tem a função de ser fofo, e assim por diante. Todos exercendo ali funções narrativas bastante claras, sem tanto aprofundamento ou nuances mais complexas, mas que funcionam bem para o propósito, com doses generosas de humor.

Um fator que traz bastante equilíbrio a essa cadência narrativa é, como já adiantado, a construção audiovisual da produção. Sakuna: Of Rice and Ruin é um deleite para olhos e ouvidos. Claro, não esperemos aqui a virtuose de produções de altíssimo investimento, mas dentro do escopo da produção, o estilo artístico do exagero quase cartunesco dos personagens principais e também de inimigos e outros NPCs é muito agradável. Os cenários, por sua vez, carregam em si um deslumbre que só fica melhor com as mudanças climáticas. O design das fases também funciona bem, e mesmo nas passagens mais intrincadas há um cuidado especial para não se tornar só um labirinto de formigas sem identidade. Tipografia, menus e outros elementos artísticos complementares também são muito bem sucedidos em compor um visual impressionante.

Sonoramente, o jogo também agrada muito. Com aquela trilha musical tranquila e cheia de instrumentos tradicionais japoneses, o jogo nos localiza em uma época medieval oriental sem necessariamente nos oferecer referenciais mais objetivos. A dublagem também é ótima e é uma pena que nem todos os diálogos sejam falados, com várias passagens longas disponíveis só por texto. Os efeitos e ruídos complementares e a ambiência mais sutil também conseguem fazer bem sua função e o conjunto é todo harmonioso. O problema é quando essas passagens deixam de ser encantadoras e se tornam só parte de um ciclo de repetitividade para além do que estamos acostumados. Talvez seja um costume ruim esperarmos tudo ser mais ágil, dinâmico e acelerado, e pode até ser que estejamos também nós em processo de aprender a dar um passo atrás, de repensar nossas verdades. Mas nem sempre essa será a percepção profunda para nós, como jogadores.

Tudo isso junto, obviamente, significa que os mais afoitos poderão perder a paciência ao longo da jornada. É possível ficar irritado em vários momentos onde só se queira entrar em modo combate e vencer um chefão difícil e, ao invés disso, a tarefa for plantar, muda por muda, a nova remessa de arroz. É possível ainda que chegue um momento onde se queira pular os diálogos diários com a família para terminar de vez o intervalo para descanso e refeições e retornar à ação. E tudo isso depende da forma como se encara o formato proposto pelo jogo. Em tese, há um equilíbrio evidente entre os momentos de maior intensidade e movimento e outros mais contemplativos, e compreender que estamos em uma rotina de transformação é essencial para que essas passagens não sejam um elemento negativo.

Há, contudo, alguns exageros. As ações de repetição mecânica entre a coleta do arroz seco e o processo para torná-lo arroz branco é, sem dúvidas, maçante. Lá se vão preciosos (e longos) momentos mexendo o direcional para cima e para baixo no pilão, ou para direita e esquerda para tirar o arroz do talo. Outros diálogos perdidos que são disparados após certos eventos também tem por função marcar um passo adiante na campanha, mas repetem alguns conceitos já compreendidos em outros momentos. O tom didático e professoral de algumas falas chega a ser entediante. Não ter uma versão em português acaba piorando a situação, e só quem tem mais familiaridade com idiomas gringos consegue acompanhar tudo com mais fluidez. E mesmo assim, as vezes cansa.

A repetitividade necessária também nas fases de combate pode ser desgastante. Afinal, além de ter que retornar quando foi necessário o abandono pelo anoitecer, há tarefas e sub-metas só possíveis depois de uma certa experiência e as fases novas precisam de um certo nível de cumprimento dessas missões secundárias para serem disponibilizadas. Então pode ser que você avance rapidamente até uma fase difícil demais para você, mas pode ser também que não consiga seguir adiante porque não achou alguns colecionáveis nas fases já vencidas. Paciência talvez seja o maior aprendizado necessário para Sakuna, e também para o jogador.

No geral, Sakuna: Of Rice and Ruin é sobre passagem, sobre aprender a desacelerar, a perceber o detalhe, o simples, a se importar com as coisas que deixamos a correria do dia-a-dia esconder. Traz um ritmo cadenciado na construção narrativa, na abundância de diálogos e na rotina de cuidar de uma plantação de arroz enquanto se combate feras assassinas e consegue, diante tudo isso, ser encantador e gratificante.

Se alguns exageros na construção dos ciclos de dia e noite e no tempo que se dedica para ações mecanizadas é um problema, isso depende de cada jogador. Na minha experiência, ainda que tenha me incomodado em ter que parar algumas lutas no meio por conta do anoitecer, ou ainda em ter que debulhar dezenas de talos de arroz, consegui me divertir muito com a proposta do jogo, me deliciar com uma mitologia toda própria e com o estilo artístico que o game oferece. E, como saldo, aproveitei muito bem cada momento aprendendo com Sakuna.

Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela XSEED Games.

Veredito

Sakuna: Of Rice and Ruin é um jogo dividido em duas partes muito bem desenhadas e distintas, mas que ao mesmo tempo conseguem se relacionar em um todo bastante coeso e funcional. Peca, por vezes, por um preciosismo na cadência narrativa, mas apresenta ótimas mecânicas tanto de combate como de cultivo, uma história charmosa e um visual de altíssimo nível.

85

Sakuna: Of Rice and Ruin

Fabricante: Edelweiss

Plataforma: PS4

Gênero: Ação / Aventura / Simulador

Distribuidora: XSEED Games

Lançamento: 10/11/2020

Dublado: Não

Legendado: Não

Troféus: Sim (inclusive Platina)

Comprar na

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Sakuna: Of Rice and Ruin is a game divided into two very well designed and distinct parts, but which at the same time are able to relate in a very cohesive and functional whole. Sometimes, it has a preciosity in the narrative cadence, but it has great mechanics both in combat and cultivation, a charming story and very good visuals.

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Sakuna: Of Rice and Ruin is a game divided into two very well designed and distinct parts, but which at the same time are able to relate in a very cohesive and functional whole. Sometimes, it has a preciosity in the narrative cadence, but it has great mechanics both in combat and cultivation, a charming story and very good visuals.

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