PSO #06 – O incomparável legado de Final Fantasy VII
É estranho pensar que estamos há pouco menos de um mês do lançamento oficial de Final Fantasy VII Remake. Algo que durante tanto tempo pareceu uma mera ilusão que fãs desencantados com os rumos que a série tomou ao longo das últimas gerações (e que ganhou força com o histórico trailer de revelação do PS3) finalmente vai se tornar realidade e estará em nossas mãos no dia 10 de abril de 2020.
Ou pelo menos a primeira parte desse remake. Como a Square Enix parece incapaz de tomar alguma decisão sem tropeçar em polêmicas (algo sobre o que nós conversamos no último PSX+), o jogo que chega as nossas mãos promete ser uma versão bastante extendida de um trecho que corresponde a no máximo um quarto do jogo original, se tudo isso. Naturalmente, muita confusão em torno de como isso vai funcionar e ainda mais piadas sobre quanto tempo vai demorar para toda a história do jogo original ser recontada vieram.
E, por mais que a gente não tenha certeza ainda do que nos aguarda no futuro, além da confirmação de que a equipe já está trabalhando no segundo episódio do Remake, há motivos suficientes para se empolgar com o fato de que muito, muito em breve teremos esse jogo tão aguardado em nossas mãos.
Parte da empolgação vem, é claro, de tudo que foi mostrado do jogo em si pelo que ele é. A demo disponibilizada na semana passada é absolutamente fantástica e parece ter impulsionado ainda mais as pré-vendas do jogo, um prazer de se jogar, com sistemas intuitivos (por mais que certos jornalistas digam o contrário) e que modernizam de forma bem surpreendente o sistema de ATB tradicional da franquia e o tornam um RPG de Ação que realmente sabe a direção na qual ele quer levar o gênero.
Se isso não fosse motivo suficiente para se empolgar com o jogo colocando as suas próprias mãos nele, tem a série de previews divulgados pela imprensa americana na semana passada, a incrível abertura do jogo, tanto o Tesuya Nomura, diretor do jogo, quanto o produtor Yoshinori Kitase falando bastante sobre o jogo e, é claro, o fato de que o desenvolvimento foi concluído dão um ar palpável de hype em torno dele (e você pode fazer a pré-compra do jogo aqui).
Mas não é só isso que torna Final Fantasy VII Remake um dos jogos mais aguardados do ano pelo público geral e ainda mais pelos fãs da série. Estamos falando, no final das contas, da reimaginação/relançamento do jogo mais vendido da mais famosa franquia de JRPGs em todo o mundo. E com todo o sucesso que o jogo original encontrou no mercado, talvez a sua influência supere esses números de forma inimaginável.
23 anos se passaram desde o lançamento original de Final Fantasy VII. Mais de uma geração de jogadores se criou depois disso e talvez nunca tenha tido contado com o jogo, mesmo com os seus inúmeros relançamentos para outras plataformas. Aliás, é possível que muita gente que nunca jogou algum jogo da série esteja interessada nele ou que tenha tido em Final Fantasy XIII ou Final Fantasy XV o seu primeiro contato com ela.
E, além de toda a influência sobre jogadores, ele também o teve sobre mais de uma geração de desenvolvedores que se formou desde lá, sem contar os desenvolvedores já ativos à época que foram fortemente influenciados pelo jogo. FFVII mudou completamente a indústria e seu legado deverá reverberar por ela por décadas por vir, mesmo que não fique tão explícito assim para todos.
Mesmo que ele não tenha sido o primeiro jogo de sucesso da plataforma, afinal, ele saiu três anos após o PS1 chegar ao mercado, foi um dos maiores e uma das suas mais importantes demonstrações técnicas e deixou bem claro o porque a Square decidiu abandonar o Nintendo 64 e se valer da capacidade técnica e de armazenamento que só o PS1 e a adoção dos CDs lhe permitiam fazer.
Havia outros jogos da série que contavam com importantes e longas cenas, diálogos bem-escritos e um poder e impacto emocional no seu roteiro capazes de mexer com o jogador de todas as formas possíveis a cada nova virada na história. Final Fantasy VI talvez faça isso até melhor do que FFVII, mas o poder visual do jogo elevou isso a outro nível.
Usar cutscenes animadas não era uma técnica completamente nova quando FFVII, nem mesmo para consoles, já que o Sega CD havia sido lançado em 1992, FMVs já eram algo comum e toda a polêmica em torno de Night Trap ocorreu antes mesmo do PS1 chegar ao mercado. Foram essas longas cenas pré-renderizadas que só poderiam ser armazenadas com o uso do CD que tornaram o jogo um completo absurdo visual e estabeleceria um padrão a ser seguido dali pra frente, muito pelo esmero com que elas foram feitas e acabaram moldando grande parte do legado da série.
Sem a bela abertura ou o Cloud fugindo de moto pelas ruas de Midgar (e tantas outras que é melhor não citar por spoilers), não teríamos Galbadia contra o Balamb Garden em FFVIII. Não teríamos em FFX o ritual das almas com a Yuna em Kilika ou o casamento da Ashe em Final Fantasy XII. E a Square nunca teria se arriscado com Final Fantasy: The Spirits Within, Final Fantasy VII: Advent Children ou Kingsglaive Final Fantasy XV.
FFVII foi o primeiro passo para mostrar o quão incríveis os avanços tecnológicos do uso do 3D poderiam proporcionar para se contar uma história, mesmo que ele não alcance o mesmo nível de espetáculo visual dos outros dois jogos da série lançados na mesma geração. E é inegável que o seu sucesso foi um dos fatores que ajudaram a impulsionar o sucesso do primeiro console da Sony.
Considerando o quão forte era o relacionamento da Square com a Nintendo antes do lançamento de FFVII, é bem fácil imaginar um universo em que o Nintendo PlayStation existiu e a parceria entre as duas gigantes de tecnologia japonesas abriria espaço para que o mais icônico JRPG de todos os tempos fosse um exclusivo da Big N até hoje e você nem estivesse lendo essa matéria neste site.
Mas pelo rumo em que as coisas tomaram na nossa linha do tempo, a exclusividade dele foi um dos grandes trunfos do PS1 e junto com uma biblioteca de outros grandes exclusivos, como o outro showcase técnico incrível que foram os dois primeiros Gran Turismo, o avassalador sucesso das trilogias Crash e Spyro e do seminal Metal Gear Solid e tantos outros jogos ajudaram a consolidar a Sony como uma força no mercado no qual ela acabaria, eventualmente, se tornando o maior produtor de hardware, algo impensável na época.
E então… Temos os personagens. A cultura pop no geral tem o hábito de criar (e esquecer) novos “ícones” a todo tempo, algo especialmente notório na nossa cultura hoje em dia e que não deixa de afetar a nossa indústria. E é por essa tendência de trocar de “sabor do mês” com uma velocidade quase vertiginosa que a constante relevância dos principais personagens de FFVII que o tornam ainda mais emblemático.
De Mario a Nathan Drake, passando por Link, Master Chief, Lara Croft, Samus, Ezio, Solid Snake e um incontável número de outros personagens que poderíamos citar, personagens que transcenderam determinados nichos da indústria e se tornaram reconhecíveis por pessoas que nem sequer tiveram contato com o jogo do qual aqueles personagens emanaram. E esse é um fenômeno do qual FFVII toma parte.
A história do Cloud, o seu relacionamento com a Aerith e Tifa, um dos mais lembrados triângulos amorosos da história dos jogos, e a aventura da equipe como um todo se mantiveram relevantes ao longo dos anos como poucos jogos conseguiram fazer. Isso vai do fato de que a moral da história e o seu plot geral talvez sejam MAIS atuais hoje do que já eram em 1997, considerando o quanto mega-corporações realizando ações que talvez não sejam em melhor interesse do planeta e da sua população ainda é algo que se vê em nossa sociedade moderna.
É quase impossível ver qualquer evento de cosplay no mundo e não encontrar alguém fazendo cosplay de Cloud ou Tifa. Até mesmo designs um pouco mais complexos como os da Yuffie, Vincent ou do Sephiroth, um dos vilões mais icônicos de todos os tempos, costumam ser vistos sendo reproduzidos por aí, mesmo mais de 20 anos após o lançamento do jogo original.
Melissa Donovan, uma escritora americana especializada em estudar as técnicas por trás do ato de escrever e que conta com uma miríade de livros publicados sobre o assunto (e que também mantém um ótimo site sobre isso chamado Writing Forward), escreveu em uma das suas obras que personagens icônicos e memoráveis costumam quebrar o tradicional molde de “personagens extraordinários em situações ordinárias ou personagens ordinários em situações extraordinárias”.
Eles costumam ser personagens extraordinários em situações extraordinárias e isso os personagens de FFVII tem de sobra. Eles fogem das normas sociais comuns e das expectativas que se teria para esses personagens, além de possuírem personalidades distintas.
Mesmo com seus visuais mais sóbrios e até mesmo simples em comparação as vestimentas absurdas que a série viria a ter em seus próximos jogos, eles possuem um visual e acessórios distintos (a Buster Sword do Cloud, o braço do Barret, o combo de jaqueta e vestido da Aerith, a Masamune, cabelo e sobretudo do Sephiroth, o conjunto completo da Tifa…).
E, acima de tudo, eles passam por momentos de forte impacto emocional, com uma jornada com vários eventos memoráveis e com diversas bifurcações no caminho que vão a cada passo prendendo o jogador mais e mais forte na sua trama, tal qual uma jibóia com sua presa e só o larga quando o devora por completo ao final da história, tudo sempre sustentado por um ótimo gameplay que, surpreendentemente, é justamente onde ele acaba não inovando muito, mesmo em comparação com os seus predecessores.
Esse sucesso com suas inovações, seus personagens, sua trama e o seu bom gameplay (algo que, felizmente, é um ponto onde o Remake resolveu inovar e revolucionar a estrutura do jogo que o inspira) foram os pontos que acabaram levando FFVII em direção do absoluto sucesso que o jogo se tornou, um sucesso que mudou irremediavelmente o rumo da franquia.
É inegável que a franquia já tinha um nome importante no Japão, sendo o único RPG de impacto cultural comparável ao enorme sucesso de Dragon Quest (que ainda estava há alguns anos de entrar para o portfólio da Square durante a incorporação com a Enix), mas isso não se refletia no Ocidente.
A localização da série era, no mínimo, “inconsistente” (FFVI era conhecido como Final Fantasy 3 até então) e nada indicava que esse era um nome que eventualmente figuraria entre as 20 franquias mais vendidas da história e uma das 16 que superaram a marca de 100 milhões de unidades vendidas no mundo todo e uma que continua a crescer, por maiores que sejam as críticas feitas aos seus jogos mais recentes, ainda mais quando se olha para o iminente estrondoso sucesso de FFVIIR.
Destrinchar os números de vendas da série seria possível aqui, mas tornaria essa coluna ainda mais longa do que ela já é (e vocês deveriam assistir ao vídeo do canal Final Fantasy Union sobre a “anatomia de uma franquia de 10 bilhões de dólares”), mas é inegável que Final Fantasy VII marcou uma virada para cima da série e serviria como uma importante catapulta para a reversão dos números de venda, com a série se tornando cada vez mais popular em todo o mundo e menos dependente do seu sucesso no Japão.
Isso acabaria influenciando a direção e visual de todos os jogos seguintes da série, com o design dos personagens sendo cada vez mais pensados para harmonizar o estilo japonês com os desejos do mercado ocidental, com FFX sendo o único ponto fora dessa curva, sendo talvez o mais “nipônico” dentre os jogos que lançados para plataformas PlayStation, algo que é ainda mais corroborado pelos recentes números da pesquisa da NHK sobre a franquia, que claramente mostra a preferência dos fãs japoneses por jogos com ambientação mais medieval e similar ao início da franquia, direção que a Square não tem seguido.
Ainda que a preferência do público japonês seja diferente do público ocidental, é inegável que Final Fantasy VII supera qualquer tipo de distinção entre eles, qualquer barreira. Todo o conjunto da obra a guiou para se tornar o mais importante e influente JRPG de todos os tempos, um jogo que abriria as portas de todo um gênero e pontuaria a sua “era de ouro”, carregando a bandeira e conquistando milhões de fãs fervorosos que esperaram pacientemente por um remake desde que os primeiros indícios de que isso era uma possibilidade foram dados.
E por mais que caso o jogador queira ser crítico existam problemas a serem apontados ao jogo, trata-se de uma obra transcendental e que, aconteça o que acontecer quando o remake estiver em nossas mãos, vai continuar sendo um dos pontos mais brilhantes da nossa indústria. Fica a nossa torcida para que Final Fantasy VII Remake nos faça lembrar porquê amamos o jogo original e torne esse universo ainda mais rico do que ele já é. O hype, pelo menos, está o mais alto possível.