Análises

Pocket Bravery – Review

Ah, os jogos de luta do início dos anos 1990… ainda consigo me lembrar das máquinas encardidas nos botecos mais mal cuidados do meu bairro, com a ficha custando suados R$ 0,25 que sobravam como troco de cigarro, e principalmente da molecada disputando espaço com os bebuns de sempre, se empilhando em frente à tela para ver o eleito da vez tentando acabar com o maldito Mister Bison.

Eram tempos outros, mais de três décadas atrás, e muita coisa mudou desde então. Mas aquela sensação de enfrentar partidas claramente tendenciosas, aprender truques e macetes e até criar regras próprias do que pode ou não ser feito ainda é de uma nostalgia absurda, e são poucos os gêneros capazes de explorar estes sentimentos melhor do que os fighting games com um tom retrô. E não há dúvidas que Pocket Bravery sabe exatamente onde pretende atingir: no coração de seu público-alvo.

Pocket Bravery

Criado pelo estúdio independente brasileiro Statera Studio, o jogo é basicamente uma versão chibi dos clássicos daquela geração (lembrando obviamente Pocket Fighter), que abusa dos gráficos em um belíssimo e quase artesanal pixel art e, principalmente, aposta na simplicidade do modelo de jogo que foge dos sistemas ultra complexos tão populares atualmente, seguindo uma linha de um estilo mais direto, dinâmico e caótico.

A trama do jogo é pautada por uma ambientação urbana típica, com o herói ainda em processo de auto-descoberta Nuno recém foragido da prisão depois de ter cumprido pena graças a uma traição cometida por um grande amigo, o líder da gangue da Matilha conhecido como Hector. Ao despertar o seu Ichor (uma espécie de mistura entre o Ki de Dragon Ball, o Satsui no Hado de Street Fighter e o Hamon de JoJo’s Bizarre Adventure) na introdução da campanha, ele parte em busca de vingança e terá que se provar digno para isso.

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Pelo caminho, ele encontrará inimigos e aliados distintos entre si, vestindo a roupagem dos arquétipos mais conhecidos, que podem cair em um certos estereótipos que podemos ou nnão passar um pano considerando o contexto da homenagem. Encontramos desde o boxeador até a artista marcial de origem oriental, do agente secreto ao ocultista, do brutamontes mal encarado à lutadora ágil e misteriosa… cada perfil que você já viu em outros lugares estão, de alguma forma, representado nestes 13 personagens selecionáveis (sendo dois desbloqueáveis por ações e outro na lojinha do game) de Pocket Bravery.

E mesmo fiel aos princípios de homenagear suas inspirações, Pocket Bravery evita ficar preso a eles para tomar certas liberdades, se permitindo algumas facilidades modernas que valorizam suas melhores qualidades, a começar por um ótimo modo História que usa bem a concepção estética do projeto para nos localizar naquele mundo e entender os motivos daquele povo se esmurrando.

Pocket Bravery

Se o formato é facilmente reconhecível de jogos como o já citado Street Fighter, ou mesmo The King of Fighters, o quesito da jogabilidade se aproxima das nossas melhores lembranças da trilogia original de outros sucessos daquela época. Se aproveitando do leiaute de quatro botões de rosto dos controles atuais, somos apresentados a comandos com socos e chutes, um forte e um rápido para cada.

Soma-se a isso movimentos em meia-lua para golpes e magias dedicados, agarrões para controlar o campo de batalha, defesa no direcional para trás e barras de especial para aquele super bem encaixado, tudo o que qualquer entusiasta já espera de um bom jogo de luta, algo que despreza os primeiros passos da curva de aprendizagem e permite que os iniciados na arte já entrem de cabeça (e punhos cerrados) na pancadaria.

Pocket Bravery

Isso não significa que a tarefa será fácil, e o game não oferece refresco mesmo nas dificuldades medianas. Cheio de possibilidades de combos, combinações e movimentos de defesa, há que se adaptar bem ao timing dos movimentos para não tomar surras homéricas seja nos modos contra a CPU, seja contra outras pessoas mais experientes.

Tal como no quesito da narrativa, há no gameplay alguns assombros mais modernos, tal como uma segunda barra de energia elemental, cuja utilização mais instintiva é a de um especial de desespero, o Super Elemental, que a consome em um golpe único por round quando estamos prestes a sermos derrotados (mais ou menos na linha do Fatal Blow presente nos MK mais recentes), mas que também serve para tanto quebrar combos adversários como para potencializar os nossos próprios.

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As ações de quebra são o segredo para uma experiência mais dedicada, e para isso tanto veteranos quanto novatos podem dar uma chance para os tutoriais, ainda que a grande maioria destas explicações estejam praticamente replicadas também no modo história. O que há de melhor no espaço dedicado à aprendizagem é o didatismo em relação aos termos técnicos da área muito bem explicados por lá. É uma verdadeira aula sobre conceitos de jogos de luta, dos mais tradicionais aos mais recentes.

De modo geral, a fluidez do combate e o encadeamento de combos é o que Pocket Bravery oferece de mais próximo da experiência saudosista de fãs da velha-guarda da era de ouro dos jogos de luta, e faz valer ao máximo o princípio de que aprender a jogar é simples, mas dominar os macetes, sobretudo pela diversidade de personagens, é das tarefas mais árduas, mas ao mesmo tempo mais satisfatórias.

Pocket Bravery

Tudo isso jogando contra alguém no sofá ou mesmo no bom sistema on-line baseado no praticamente obrigatório modelo de netcode via rollback que responde bem mesmo considerando o ritmo frenético que beira o insano quando enfrentamos oponentes competentes. Foram poucos os momentos de engasgos, e aparentemente eram resultantes muito mais da instabilidade da rede (a minha ou a do adversário) do que do game em si.

Aliás, nos primeiros dias estava bastante difícil encontrar alguém para as partidas ranqueadas e, principalmente, as casuais, até pela falta de oponentes disponíveis com o jogo em acesso antecipado, o que não facilita uma visão mais crítica sobre este aspecto tão importante para o alongamento da vida útil do game. Somente o período pós-lançamento trará mais subsídios sobre o quão sustentável ele se tornará.

Pocket Bravery

Para os momentos solitários, o conteúdo single player não deixa a desejar em nenhum aspecto na comparação com as opções mais populares do mercado. As Trials, por exemplo, que nos oferecem desafios intensos de precisão e conexão de combos, são tão gratificantes quanto irritantes, tal como deveriam ser. O nível de exigência é alto, mas dominar ao menos algumas sequências devastadoras ajuda muito quando a coisa aperta nos outros modos.

Enfrentar inimigos em linha só pelo prazer do quebra-pau é a regra tanto para o Survival, onde a sequência só termina quando somos derrotados; e há, claro, o tradicionalíssimo modo Arcade, que aqui não tenta reinventar a roda e oferece finais individuais para os personagens que parecem complementar a trama canonicamente. Os mais dedicados vão encontrar ainda modos extras desbloqueáveis, os quais surpreendem e, por isso, não entregarei mais porque eles valem a surpresa.

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A história principal, aliás, está presente em um modo totalmente dedicado a ela, e estabelece muito bem toda a lore deste universo por meio de artes incríveis; diálogos e eventos deliciosamente canastrões e um clima de filme B do final do século XX que evita se levar a sério demais. Considerando todo o contexto do game, tudo parece fazer sentido de forma coerente, com as intenções no lugar certo.

Dito isso, até por emular o formato da época em questão, há uma sensação de que estamos diante uma visual novel ilustrada, que se intercala com algumas lutas contextuais aqui e ali que funcionam muito mais para quebrar o ritmo positivamente do que qualquer outra coisa.

Pocket Bravery

Não que outros jogos do gênero não se apropriem desta estrutura cartesiana, mas parece faltar uma certa integração mais delicada entre estes dois aspectos. Em alguns momentos, me senti como se estivesse lendo uma HQ independente enquanto esperava a luta carregar. Ainda que seja um formato funcional e reconhecível, não deixa de ter seu aspecto artificial que acaba nos tirando um pouco da imersão ideal.

Esta sensação, por outro lado, se dissolve diante o bom trabalho de roteiro e, principalmente, o trabalho artístico exemplar que faz desta uma verdadeira obra de arte. Sem se apegar às limitações de outros tempos, as animações de cada movimento transbordam suavidade e um detalhismo quase obsessivo. Não é raro se distrair com cada mínima nuance da deformação intencional que potencializa, por exemplo, o impacto de um soco bem dado.

Pocket Bravery

A modelagem de personagens é excelente, garantindo todo o carisma e personalidade exagerados necessários para que nos apeguemos a estes heróis, tal como a composição de ambientes, com artifícios para emular camadas e profundidade que não são simples de implementar por meio do pixel art.

A loja do game traz algumas opções de customização surpreendentemente variadas que dão vazão aos pontos que são acumulados pelos nossos feitos nos diversos modos de jogo. Há novidades tanto para o jogo em si, como cores novas para os personagens e cenários totalmente novos; e para o jogador, liberando coisas para o cartão de lutador para o multiplayer. Tudo isso está longe de ser exatamente original, mas é muito bem implementado.

Pocket Bravery

Já o aspecto sonoro tem um brilho próprio, com vozes empolgadas, inclusive o português brasileiro dando o tom, somado a uma trilha musical que, com canções originais potencialmente tão memoráveis quanto suas fontes inspiradoras, cumprem muito bem o papel de elevar a adrenalina de uma forma empolgante e catártica, acrescentando ainda mais individualidade aos belíssimos cenários, ora com melodias potentes e batidas intensas de um bom power rock, ora com passagens mais voltadas para o eletrônico pulsante.

Os egressos da jogatina de fliperama tem aqui uma belíssima homenagem ao estilo que cunhou muitos de nós enquanto fãs de jogos de luta e, porquê não, de videogames em geral, incluindo a resiliência e a paciência tão escassas hoje em dia.

Pocket Bravery

Para deleite de alguns e desespero de outros, o nível de dificuldade pode se mostrar um tanto quanto desequilibrado (e não raro, até injusto), tanto de execução de combinações mais potentes quanto no enfrentamento de certos oponentes, com destaque para o maldito chefão final. É melhor estar com a paz de espírito em dia. Mas há opções tanto no nível da CPU (com oito dificuldades diferentes) quanto no sistema de controles, com uma versão automatizada dos controles, que ajudam a agregar qualquer um que tenha interesse.

Fica fácil, quando se considera o conjunto de tudo isso funcionando em um compasso afinadíssimo, dizer que Pocket Bravery é um dos melhores jogos de luta com esta pegada retrô dos últimos tempos. Se não tem a intenção de rivalizar com as grandes marcas do mercado, nem com o estilo praticamente perfeito estabelecido pela Arc System Works, certamente crava uma pedra fundamental para um nicho independente, onde pode bater de frente com quem vier. Para esta fatia do mercado, enfim, temos um novo (e poderoso) desafiante!

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela PQube.

Veredito

Poucas inovações e pequenas inconsistências no nível de dificuldade e na estilo da narrativa não ofuscam as ótimas qualidades de Pocket Bravery. O jogo conta com um sistema simples, porém bem otimizado de combate, e um projeto artístico que homenageia os clássicos de toda uma geração de jogos de luta sem abrir mão de uma identidade própria e muito bem construída.

85
Troféu indicativo da nota

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