Análises

Bleach: Rebirth of Souls – Review

A adaptação de franquias consagradas para games é uma tradição indelével desta indústria vital, ainda que a percepção do resultado nem sempre seja tão favorável assim. Afinal, em mais de quatro décadas (considerando o marco histórico da famigerada adaptação de E.T. the Extra-Terrestrial para o Atari), já vimos de tudo um pouco nesta área.

Particularmente, os games de luta que buscam transpor mangás e animes shonen se tornaram praticamente um sub-gênero à parte, com suas especificidades tanto na construção do quesito artístico quanto em modelos de gameplay. Vez ou outra, porém, temos a oportunidade de experimentar algo que foge de alguns lugares-comuns, e este é o caso, para o bem e para o mal, de Bleach: Rebirth of Souls.

Bleach: Rebirth of Souls

Inspirado por uma marca já bastante sedimentada no mercado – o anime foi iniciado no já longínquo ano de 2004, que por sua vez era baseado no mangá de 2001 – e considerada parte de uma elite da qual fazem parte produções de extrema popularidade, como Naruto e One Piece, este game carrega consigo décadas de histórias e, consequentemente, uma base de seguidores que cresceu e envelheceu acompanhando a jornada do marrento Ichigo Kurosaki.

Sem um jogo oficial para consoles de mesa desde muito tempo (coincidentemente, este hiato reflete o intervalo da própria adaptação do anime que também esteve parado até a retomada recente), Bleach: Rebirth of Souls se coloca a missão de reintroduzir a história original para uma nova geração de jogadores, algo estabelecido pelo seu modo principal single player, que assume a responsabilidade de adaptar os primeiros arcos de forma bastante fiel.

Bleach: Rebirth of Souls

Ainda que a história seja muito conveniente para os dias atuais, há aqui uma séria limitação de apresentação que, mesmo esforçada, carece de todos os predicados que fazem de sua contraparte na TV tão fascinante, algo que não é exclusivo deste jogo em especial, mas que se torna ainda mais evidente na quase injusta comparação com o que já foi feito antes tanto em questão da ótima direção vista no anime, quanto nas claras barreiras técnicas escancaradas aqui.

Convertido para um universo tridimensional, o traço clássico de Tite Kubo está presente, e closes durante os combates tem suas virtudes, mas o trabalho é incompleto, graças a um cel shading deficitário que mais parece uma experimentação de duas gerações atrás, tamanha a estranheza de alguns traços mais grossos, sombras grosseiramente serrilhadas e outras distorções inexplicáveis.

Bleach: Rebirth of Souls

O artifício sofre com um trabalho de cores pobre e pouco inspirado que se soma a escolhas fraquíssimas de enquadramento e movimentos de câmera que fazem pouco com as já limitadas expressões faciais e animações corporais de monstros e personagens que mais parecem versões mal articuladas de brinquedos falsificados. Em alguns casos, as proporções dos personagens parecem um tanto quanto deformadas.

Como efeito mais direto, mesmo que se esforce em emular cenas e passagens lendárias, todas as cut-scenes do jogo são fracas e sonolentas, mostrando que a escolha em tentar se apropriar do próprio motor gráfico do game para contextualizar a narrativa pode não ter sido a melhor possível. Na impossibilidade de utilizar as animações já existentes, seria mais digno usar, tal como fizeram jogos como My Hero One’s Justice, por exemplo, quadros estáticos e ilustrações, recurso aqui usado somente em passagens de flashback.

Bleach: Rebirth of Souls

As limitações visuais do game se explicitam nas cenas de corte, mas transbordam também para dentro das batalhas em si. Cenários mal engendrados, com alguns obstáculos esquisitos, planos de fundo borrados e genéricos, além de texturas pouco confiáveis, completam uma ambientação que fica aquém até mesmo dos padrões já pouco exigentes do gênero de jogos de luta em arenas.

Por outro lado, o core central do game se aproveita bem de recriações relativamente fiéis, principalmente, de iluminação, efeitos elementais e partículas, recursos suficientes para dar vazão a toda a expansividade característica de Bleach. A magnitude de ataques especiais e movimentos individuais está presente e, não raro, surpreende pelo impacto de um golpe bem executado.

Bleach: Rebirth of Souls

Ataques poderosos e movimentos plásticos, aliás, são parte de um modelo de jogabilidade simples em sua essência, mas que consegue carregar consigo uma certa complexidade para o domínio pleno, sobretudo para embates mais ajustados. Se para novatos, a narrativa aqui não é a melhor forma de introdução à franquia, o esquema de gameplay é sim bastante convidativo, se aproveitando de uma curva de aprendizagem generosa.

Ataques convencionais são uma bela composição entre os botões de ataque rápido e pesado, mas são facilmente aparados pelo bloqueio comum. Este, por sua vez, é rapidamente vencido pelo movimento de quebra de postura (originalmente, breaker), que obviamente pode ser superado pelos ataques comuns. Em outras palavras, uma abordagem que lembra o bom e velho Jo Ken Po, ou Pedra-Papel-e-Tesoura, com certa dose de estratégia, cautela e leitura do adversário.

Bleach: Rebirth of Souls

Estes movimentos, somados a sistemas obrigatórios de esquiva, além dos ataques especiais que se aproveitam da pressão espiritual tão conhecida pelos veteranos de Bleach, se somam às expectativas para as transformações temporárias capazes de mudar o rumo de partidas muito rapidamente por seus efeitos devastadores e, não raro, apelões.

Tais características, entretanto, parecem um pouco desequilibradas, com certos personagens claramente mais beneficiados do que outros, inclusive pelo alcance de suas lâminas, salvo um processo de masterização que muito provavelmente será mais complicado para uma parte do elenco na comparação com os demais, o que tradicionalmente pode gerar melhores vantagens em cenários competitivos, sobretudo nos encontros on-line. O produtor do jogo, aliás, falou um pouco sobre esta distinção em uma entrevista exclusiva recente concedida a nós aqui do PSX Brasil.

Bleach: Rebirth of Souls

É especialmente notável a falta de movimentos defensivos e contra-medidas eficientes capazes de aliviar momentos de pressão inimiga, como contra-ataques, parry ou qualquer coisa que os valha, algo que caberia de forma muito orgânica na temática do jogo. Como consequência, esvai-se toda a aura de cadência que o jogo poderia incorporar, dando mais espaço para o ataque encaixado e investidas a serem bem calculadas para evitar a punição imediata.

O domínio destes princípios resulta em batalhas cinematográficas, potencializadas pela catarse causada na fluidez do encadeamento de movimentos. Bleach: Rebirth of Souls se apropria da elegância das lutas com espadas performáticas nas quais os mangás originais se inspiraram até mais que a própria série de animação, e se isso não compensa os limites gráficos da obra, certamente somam pontos satisfatórios à experiência geral.

Bleach: Rebirth of Souls

A maior novidade do jogo em relação aos games de luta mais convencionais está na forma como a batalha é decidida. Para vencer, não basta diminuir a barra de saúde do adversário diretamente, em uma relação proporcional de ataque e dano. A proposta aqui é atacar para baixar o nível de reishi (algo como a resistência) alheio para torná-lo vulnerável e, aí sim, quebrar as barras de konpaku, este sim o HP, usando um ataque de kikon, um movimento padrão de finalização.

Dependendo do modo de jogo, cada personagem tem quantidades distintas de konpaku, e muitas vezes a quantidade de dano que causamos somado o nosso estilo podem tirar algumas destas unidades de uma só vez, e obviamente a batalha termina quando alguém perde todas as suas. Não há rounds, portanto, e as partidas são mais contínuas e aceleradas, com pontos de respiro sendo basicamente as animações de golpes performáticos.

Bleach: Rebirth of Souls

São muitos termos que os tutoriais nos ensinam e que parecem complicar demais as coisas, mas é basicamente um sistema moldado para enfraquecer o adversário na porrada e aplicar um golpe padrão com o R1 para arrancar barras de vida dele até que não sobre mais nenhuma, o que parece mais justo em certas perspectivas, mas que dependendo da dinâmica pode se arrastar por muito mais tempo do que deveria.

Na soma das suas características, uma vez que passemos pelos tutoriais com uma certa calma para entender cada processo, Bleach: Rebirth of Souls acaba se tornando uma bela porta de entrada para este universo considerando a concepção de personagens e as dinâmicas de batalha, mas, reforçando o argumento, para quem quer se aprofundar em narrativa e mitologia, o jogo não substitui, sequer complementa, as versões em mídias tradicionais, mesmo localizado para o nosso português nas legendas.

Bleach: Rebirth of Souls

Em outras palavras, Bleach: Rebirth of Souls é muito melhor como um jogo de luta convencional do que como adaptação, e neste aspecto, cumpre bem o que se espera do gênero. O elenco, por exemplo, é recheado com uma bela diversidade de mais de 30 personagens de diferentes fases da história original que oferece uma ótima variedade de estilos de luta e diferentes formas de abordagem, variando bem em características como tamanho, velocidade, força e alcance.

O mesmo vale para os modos de jogo, que cumprem bem a tabelinha padrão, com um modo história dividido em duas partes, sendo a primeira refletindo todos os arcos até a sexta temporada (que por aqui ganhou o nome de Arrankar: A Chegada), pulando ou resumindo trechos com um critério um tanto quanto duvidoso; e outro complementar com histórias secretas liberadas conforme se avança no arco principal, focadas em algum momento dedicado de certos personagens.

Bleach: Rebirth of Souls

Não há um modo Arcade propriamente dito, mas partidas amistosas locais contra CPU ou outra pessoa estão lá para cumprir o que é de mais tradicional no estilo. Ainda no modo Offline, há um conjunto de missões que nos colocam frente a três inimigos em sequência, gerando Pontos de Almas como premiação para serem gastos com conteúdo cosmético e modificadores para customização na própria loja in-game do jogo.

Como conjunto da obra, Bleach: Rebirth of Souls é um pacote básico para um típico jogo de luta que adapta uma franquia de sucesso, sem ousar ou reinventar a roda, mas com alguns elementos bem distintos do que se poderia esperar, sobretudo no sistema que determina vitórias e derrotas.

Bleach: Rebirth of Souls

As inovações, porém, não conseguem escapar das comparações com modelos mais convencionais, inclusive de movimentação, composição de combos e outras estruturas mais sofisticadas em batalhas com o uso de armas brancas, e o simples pode escorrer para o simplório aos olhos dos mais dedicados a dominar o jogo com mais profundidade.

Soma-se tudo isso a visuais instáveis que ora pouco se apropriam das qualidades estéticas do estilo cel shading, ora trazem belas representações destes personagens queridos que brilham durante as batalhas mas se perdem quando utilizados para uma tentativa de composição dramática no modo história, e as maiores potências específicas da marca Bleach acabam enevoadas e perdem o seu apelo, restando um jogo de luta por vezes interessante, mas que atende pouco aquilo que poderia ser.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Bandai Namco.

Veredito

Bleach: Rebirth of Souls estabelece um modelo de gameplay direto e relativamente simples de se compreender, o que lhe custa profundidade e diversidade sobretudo para os mais dedicados. Visualmente instável, seu modo narrativo enaltece pouco do potencial da franquia, o que faz dele um jogo de luta bom, mas uma adaptação pouco inspirada.

70
Troféu indicativo da nota

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