Em um gênero que, por si só, já é um “nicho”, dungeon crawlers são um sub-gênero especialmente difícil de serem abordados. Pela impossibilidade de prender o jogador com animações de combate impressionantes ou equivalentes (já que a grande maioria são jogos de menor orçamento), é fundamental que o jogo o faça com sistemas bem desenvolvidos e um roteiro envolvente.
The Lost Child é o primeiro jogo da Crim, estúdio criado por Sawaki Takeyasu (famoso por El Shaddai: Ascension of the Metatron, RPG de PS3), e publicado pela NIS America. O jogo é um spin-off de El Shaddai, com um novo protagonista, movimentação em primeira pessoa pelas masmorras e combate por turnos, mas com a mesma ambientação envolvendo anjos e demônios.
O jogador assume o controle de Hayato Ibuki, um jornalista investigativo especializado em ocultismo, enquanto ele tenta desvendar uma série de mistérios envolvendo um número crescente de suicídios no metrô e aparições de criaturas macabras. O protagonista acaba encontrando uma garota misteriosa, que entrega a ele uma mala, após salvá-lo de se tornar mais um dos supostos “suicidas”, e então desaparece.
Sendo um jornalista investigativo, Hayato parte então para tentar solucionar não só o mistério por trás dos acontecimentos no metrô, quanto uma série de outras aparições estranhas em Tóquio, junto de uma outra garota misteriosa chamada Lua, que se diz ser uma anja e que Hayato seria o escolhido de Deus para salvar o mundo utilizando uma pistola especial que captura demônios. Ela pede a ajuda do protagonista para encontrar a sua irmã perdida que, convenientemente, também é a menina que deu a mala a Hayato.
Por incrível que pareça, esse resumo da história não chega nem perto do quão ridículo o roteiro se torna em alguns momentos. Isso é, na maior parte, um elogio, já que muitas das situações absurdas que o jogo apresenta ajudam a manter o caminhar dos acontecimentos intrigante, com alguns plot twists bem legais e com todo esse absurdismo funcionando no fim das contas. Afinal, em um RPG, é melhor ter uma história que te mantém envolvido do que algo tão ruim que te motiva a simplesmente abandoná-la.
O ritmo do jogo é bem simples de entender e raramente sai do que ele te apresenta logo no começo. O jogador recebe uma investigação do editor da revista para a qual ele trabalha, visita um local determinado, conversa com algumas pessoas para conseguir informações e descobrir que monstro precisa derrotar ou que situação precisa ser resolvida (normalmente envolvendo uma batalha). É um sistema um pouco obtuso, já que em alguns momentos não fica tão claro o que deve ser feito, mas é confortável o suficiente, até por ser comum a esse sub-gênero.
Ser comum ao gênero, aliás, é uma faca de dois gumes para TLC. Estranhamente, mesmo com a história excessivamente complexa, o jogo funciona muito bem como uma introdução ao sub-gênero dos Dungeon Crawler RPGs (DRPGs), já que ele se inspira bastante em mecânicas de outros jogos mais conhecidos, as simplifica e coloca em um jogo menor em que cada um dos playthroughs devem render cerca de 20 e poucas horas.
O sistema de combate é bastante simplificado. As batalhas são por turnos, com o jogador selecionando as ações de todos os até cinco personagens da equipe e, depois de autorizado, cada um deles age em uma determinada ordem, incluindo os inimigos. As opções de combate são os típicos ataque, defesa, magia ou itens, com a única característica especial sendo a possibilidade de concluir os combates utilizando a Gangour, a pistola especial dada a Hayato por Deus para capturar os demônios e utilizá-los em combate.
Mesmo em sua simplicidade, The Lost Child merece elogios pelo bom sistema de combate, mesmo que em vários pontos se torne massante, dada a simplicidade do desafio, se tornando um repetitivo ato de escolher o comando de ataque no menu. Entretanto, o jogo tem alguns aumentos de dificuldade altíssimos nas batalhas contra os chefes, que é onde o desafio e estratégia realmente aparecem e as coisas se tornam muito divertidas. Talvez um melhor balanceamento da dificuldade fosse necessário, tornando todas as batalhas mais agradáveis.
A mais clara das inspirações de TLC é uma das mais conhecidas e influentes franquia de RPGs como um todo. Não é só a temática envolvendo anjos e demônios que deixa cristalina a marca que Shin Megami Tensei deixou no desenvolvimento de The Lost Child. O supramencionado sistema de combate envolvendo capturar demônios, ou astrals como o jogo chama, e utilizá-los ao seu lado é bastante inspirado na linha principal de SMT, assim como a mecânica de exploração do mundo e das masmorras.
É possível capturar qualquer um dos astrals do jogo, menos os chefes, para se integrarem a sua equipe, sempre com até 3 astrals compondo a party principal junto com Hayato e Lua e outros cinco na reserva, sendo possível sempre substituí-los por outros astrals capturados. Existem diferentes gêneros de astrals, com poderes e afinidades específicas, o que amplia bastante a quantidade de estratégias possíveis. O jogador pode ainda aumentar o poder deles com uma de três tipos diferente de energia, chamada karma, que se ganha com batalhas, decisões ou explorando o mundo e com alguns deles ainda possuindo evoluções destraváveis após atingir um certo limite de nível.
Como mencionado, o restante do jogo se passa explorando em primeira pessoa ambientes misteriosos distintos que formam vários labirintos que, se variam um pouco sua ambientação, não tem muita variedade real em seu design. Todos os locais possuem alguns tesouros para serem localizados, vários inimigos para enfrentar e uma “fonte de distorção” para ser localizada, tornando a experiência de andar por esses lugares bem entediante, o que só é agravado pela completa falta de animações no combate e estilo bem tradicional de visual novel dos diálogos. Há um ou outro puzzle e um minigame bastante desnecessário para abrir alguns baús, mas, no geral, não há nada de interessante na exploração.
Por fim, é importante elogiar a altíssima qualidade da arte de The Lost Child. O design dos astrals é bem interessante (mesmo que, novamente, seja bem inspirado em Shin Megami Tensei), mas as artes dos personagens e ambientes é riquíssima e muito boa de se admirar. No geral, TLC é um bom jogo que funciona bem como porta de entrada para os DRPGs, faz um ótimo trabalho em misturar elementos de JRPG com a mitologia cristã e, principalmente, diverte o jogador, mesmo que pegue pesado no grind, repetitividade e no mal balanceamento da dificuldade.
Veredito
The Lost Child é um bom jogo que, se não faz nada de especial, deve agradar aos fãs do gênero ou servir de boa porta de entrada para ele. A história merece especial destaque por não ser uma temática tão abordada em videogames e fazê-lo com qualidade, mas existem problemas que não o fazem alcançar o nível das suas inspirações.
Jogo analisado com cópia digital fornecido pela NIS America.
Veredito
The Lost Child is a good game that, even without anything special, should please both fans of the genre and act like a gateway for curious players. The story deserves special praise for being about a theme not commonly addressed in videogames and for doing it so well, but there are other problems that hold it back from reaching the level of its inspirations.
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