Quando alguns jogos são lançados, a sensação ao redor deles de que foram enviados para morrer na praia é muito grande. Em geral, a sensação é sempre a mesma: marketing confuso, pouca divulgação mesmo quando há um grande nome envolvido e uma sensação forte de que a única intenção da distribuidora é convencer o máximo de jogadores a realizar a pré-compra do título antes de perceberem que pode ser que ele não valha o valor que está sendo pago.
Esses sinais quase sempre indicam um jogo ruim ou, no mínimo, cheio de problemas técnicos e, infelizmente, tudo isso se aplica a WWE 2K20, novo jogo da 2K Games e o primeiro desenvolvido exclusivamente pelo seu estúdio interno Visual Concepts, também responsável pela série NBA 2K, que busca simular a experiência dentro e fora do ringue da maior empresa de luta livre do mundo.
Os sinais de que o jogo seria “problemático” já vinham aparecendo há algum tempo. Primeiro veio o anúncio em maio deste ano de que a Yuke’s, responsável pelo desenvolvimento da série desde WWF SmackDown!, estaria deixando a franquia após 19 anos. Além disso, o marketing do jogo foi todo live-action e focado nos modos de jogo que teríamos sem, no entanto, mostrar nada desses modos em funcionamento.
Quando a primeira “revelação” de gameplay veio apenas duas semanas antes do lançamento do jogo, ela veio confirmando as suspeitas de todos e com o jogo em mãos, é possível dizer que o produto final é exatamente o que se esperava, ou seja, nada bom e muito, muito inferior ao jogo que foi lançado no ano anterior.
A primeira coisa que chama a atenção é extrema falta de qualidade dos modelos dos personagens. Para uma série que já vem reaproveitando basicamente tudo há anos, a mudança na qualidade da representação digital dos atletas da WWE é gritante. Sejam lutadores atuais, inclusive os apresentados na capa, Becky Lynch e Roman Reigns, ou as lendas do esporte como The Rock, Ric Flair ou Stone Cold Steve Austin, ninguém escapou de se ver transposto para o mundo digital através de algumas das piores versões digitais já concebidas em jogos de esporte até hoje.
E mesmo a enorme quantidade de lutadores disponíveis, um total de 238 personagens totais (com mais prometidos via DLC), dos quais 186 são únicos, excluindo versões alternativas, não justificam os problemas, sendo necessário só olhar para a quantidade de jogadores criados quase perfeitamente para o NBA 2K20 (cerca de 544 só nos elencos principais, excluindo agentes livres) e considerar que vários lutadores do NXT e NXT UK estão faltando para se perceber que isso está longe de ser uma justificativa válida.
Não bastassem os péssimos modelos, que já são um problema sério, afinal, quem compra um simulador de esporte, em especial nos consoles atuais, quer ver uma representação fidedigna dos atletas e da ação, o jogo ainda é poluído com vários e vários problemas técnicos que basicamente o tornaram intragável. Por mais que ele não esteja mais impossível de se jogar após a atualização mais recente, ainda é mais comum do que deveria encontrar problemas com o jogo.
É provável que isso seja um reflexo da saída da Yuke’s do desenvolvimento e a falta de experiência da Visual Concepts com a engine utilizada (e existem rumores de que esta edição começou a ser desenvolvida em 2017, um tempo bem curto), mas o estado original em que o jogo foi lançado era quase um checklist de problemas possíveis de se ver (e muitos ainda estão presentes): clipping de cabelo ou acessórios nos próprios modelos ou entre dois lutadores distintos, personagens atravessando estruturas no ringue, cordas parando de funcionar, hitbox extremamente inconsistente, falta de reconhecimento de comandos e dificuldade de se realizar ações básicas, como entrar e sair do ringue são só alguns dos bugs encontrados.
A verdade é que, mesmo com todos esses problemas técnicos, se o jogo possuir uma base sólida e divertida ele eventualmente se tornaria algo bom de se jogar quando consertassem… certo? Infelizmente, encontrar diversão em WWE 2K20 é quase tão difícil quanto acreditar que um dia veremos CM Punk de volta nos ringues… Quase impossível, mas alguns acontecimentos recentes fazem acreditar que talvez um dia seja possível e que nunca se deve dizer nunca.
As grandes novidades em, relação aos modos de jogo giram em torno das lutadoras femininas que se tornaram um ponto focal da WWE nos últimos anos com o movimento apelidado de Evolution. Temos isso refletido aqui com o novo Showcase voltando para as Four Horsewomen, a inclusão de uma personagem feminina no modo carreira do jogo e a inclusão dos Mixed Tag Team Matches nos tipos de luta, a única novidade em relação a isso.
O Showcase voltado para a história das quatro pioneiras do NXT, Becky Lynch, Charlotte Flair, Sasha Banks e Bayley reconta bem os eventos que circundam as carreiras das quatro, intercalando entrevistas das lutadoras sobre cada um dos momentos retratados ali, começando da luta da Charlotte com a Natalya no primeiro NXT TakeOver pelo NXT Women’s Championship até o evento principal do WrestleMania 35 envolvendo Becky Lynch, Charlotte Flair e Ronda Rousey pelos títulos femininos do Raw e SmackDown.
A fórmula é bem similar ao que já foi utilizado antes, em especial como ele foi usado para o WWE 2K16 com Stone Cold Steve Austin e Daniel Bryan no 2K19. É uma forma interessante de apresentar a história envolvendo quatro figuras tão importantes do cenário atual da luta livre e que terão os seus nomes um dia gravados no Hall da Fama, capturando algumas das lutas mais importantes da história do esporte (Sasha x Bayley no TakeOver: Brooklyn, Charlotte x Sasha no primeiro Hell in a Cell feminino, Becky x Charlotte no Evolution…), apesar de sua natureza ainda mais scriptada às vezes o torna muito robótico e monótono.
Falando em Hall da Fama, apesar dos seus melhores esforços, o Road to Glory esse ano definitivamente não será lembrado de maneira tão positiva quanto a maioria das lendas ali gravadas. A história do Trey e Red, os dois protagonistas desse ano, e a jornada dos dois amigos até terem suas carreiras imortalizadas no Hall é um dos maiores erros de narrativa já concebidos em um videogame moderno, com momentos tão clichês e estúpidos que beiram a ofensa a inteligência do jogador.
Contado em uma espécie de flashback que vai e volta no tempo de maneira completamente aleatória a depender de com quem o jogador conversar durante a cerimônia de imortalização da carreira dos seus dois protagonistas, a ideia por trás do modo história é, em tese, um conceito que deveria ter funcionado,contando como os dois fãs de wrestling que sofriam bullying na escola por sonhar em fazer parte da WWE e acabaram se tornando lendas do esporte.
O problema é que o roteiro é fraquíssimo e, como dito, não consegue fazer uso dos clichês no qual se apoia para contar uma boa história, pelo contrário, sendo quase ofensivos de tão ruim, algo que só se torna ainda mais grave pelas péssimas atuações dos dubladores e uma captura de áudio das vozes dos lutadores digna de uma promoção independente de fundo de quintal. A narração das lutas, aliás, apesar de ser gravada especificamente para o RtG talvez seja ainda pior do que a já fraca narração usada nas lutas normais.
Para completar o pacote, WWE 2K20 sofre com o maior problema apontado na análise do NBA 2K20: uma quantidade absurda de microtransações e a consequente sensação constante de que todo o seu progresso está sendo atrapalhado e impedido para te forçar a gastar ainda mais dinheiro com o jogo. Isso é ainda mais grave por ter que compartilhar os seus pontos de desenvolvimento entre dois lutadores (é obrigatório jogar com os dois) e como é obrigatório vencer para avançar com a história, colocar o seu fraco lutador de overall 66 logo de cara contra um AJ Styles da vida é um belo sinal da intenção que o jogo tem.
A verdade é que o Road to Glory e os seus modos acessórios online não são bons o suficiente para se justificar gastar dinheiro com as microtransações que o jogo apresenta e o fato de ser necessário desbloquear lutadores lendários com a mesma moeda talvez dê um indício de onde é melhor usar seu dinheiro in-game, por piores que os modelos sejam, já que a maior parte da diversão que se pode tirar aqui vem ou das partidas contra outros jogadores online ou contra os amigos no sofá ou no Universe Mode.
O Universe Mode talvez seja o melhor modo de jogo simplesmente pelo fato de não ter mudado tanto assim e não te forçar a ter que lidar com microtransações. O que temos aqui é basicamente a mesma coisa que no ano passado, com melhorias mínimas como o aumento da quantidade de lutas por evento (de 7 para 9 nos shows normais e de 7 para 14 nos PPVs), de títulos (de 6 para 7 em shows maiores) e rivalidades (de 3 para 4 em shows maiores), além de adições de novas linhas de promos, novas cenas para lutadoras e maior liberdade para customizar os tipos de luta. Não é perfeito e a falta de um Draft só tornam mais gritante a falta que o GM Mode faz.
Um outro problema notório e que deve se refletir mais no Universe Mode é que o jogo vem sofrendo bastante no seu sistema de compartilhamento de conteúdo entre os jogadores, causando sérios bugs tanto para baixar títulos, arenas, lutadores e todo o resto quanto para jogar com eles após conseguir baixar. A maior parte desses problemas supostamente foram corrigidos com a atualização mais recente, mas sequer deveriam ter existido para começo de conversa.
Por fim, a outra grande novidade introduzida no ano passado eram as 2K Towers e elas retornam esse ano basicamente da mesma forma. O grande foco é na torre voltada para a carreira do Roman Reigns, o outro atleta de capa. É um tema interessante para a sucessão de lutas, especialmente porque o Roman tem uma carreira bem rica, mas não é lá das coisas mais impressionantes do jogo, apesar das Towers serem claramente mais interessantes do a maioria dos outros modos de jogo.
No fim das contas, WWE 2K20 é um jogo muito difícil de se recomendar. Vendo de longe, há muita promessa aqui, com o Showcase, o Road to Glory, Towers e os DLCs que virão através do 2K Originals, uma série de atualizações com novos showcases, novas torres, novos lutadores e novos itens de customização, mas nada disso esconde as falhas estruturais do jogo e o quão ruim ele é no seu item mais básico: jogar e se divertir.
Veredito
WWE 2K20 é um jogo que, infelizmente, consegue ser inferior a edição do ano passado em quase todos os seus aspectos, dos modelos ruins a problemas estruturais dos modos de jogo e gameplay, sendo quase impossível recomendá-lo até aos fãs mais fervorosos da luta livre.
Jogo analisado no PS4 padrão com cópia digital fornecida pela 2K Games.
Veredito
WWE 2K20 is a game that, unfortunately, manages to be worse than the last edition in almost every aspect of it, from its awful models to structural problems in game modes and gameplay, being almost impossible to recommend it even to the most passionate fans of wrestling.
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