Muito antes de ser anunciado para a plataforma PlayStation, eu já estava com minha atenção centrada em We Happy Few por conta de sua distinta proposta. O título estava sendo desenvolvido pela Compulsion Games, estúdio até então conhecido por Contrast, um criativo jogo de puzzle, que é lembrado apenas por ser um dos primeiros jogos disponíveis no lançamento do PS4. Ainda assim, minhas expectativas só se elevavam, conforme mais detalhes iam sendo divulgados para o público. Após uma bem sucedida campanha de arrecadação no Kickstarter (que acumulou mais de 300 mil dólares) e três anos de desenvolvimento, o jogo foi lançado. Esperava que, finalmente, eu pudesse me divertir por horas; ironicamente, não havia nada que fizesse ignorar a tremenda quantidade de problemas que o jogo apresenta. Imagine viver em uma sociedade onde não exista nenhum tipo de problema, preocupação ou insegurança. Um ambiente sem limites para a gentileza, onde todos te cumprimentam com um largo sorriso em suas faces e estão sempre colaborando para o crescimento da sociedade. Um local onde você possa usufruir de boa alimentação, moradia e, literalmente, andar por uma rua pintada com as cores do arco-íris. O que é preciso para ter tudo isso, você pergunta? Basta tomar uma única pílula. Essa é a realidade em que vivem os moradores de Wellington Wells, uma metrópole futurista localizada ao sul da Inglaterra, na década de 60. Após a Segunda Guerra Mundial, um longo período de crises social, política e econômica instaurou-se no país. Para tentar controlar o povo e fazê-lo esquecer os males gerados pela guerra, o governo inglês passou a obrigar que seus habitantes fizessem uso de uma droga experimental chamada “alegria”. Graças a ela, as pessoas foram capazes de não só reconstruir o país, como formaram uma sociedade ideal, em que a felicidade estava sempre em primeiro lugar. Aqueles contrários ao uso da droga, no entanto, além de serem chamados de “deprês”, eram perseguidos e expulsos das dependências da cidade. Lá fora, fome, miséria e violência são a realidade de muitos e a lei do mais forte dita quem vive e quem morre. Desde seu contexto à sua narrativa, We Happy Few se mantém extremamente sólido e entrega uma história muito bem escrita, com excelentes críticas sociais, reviravoltas criativas e diversos detalhes obscuros para os mais curiosos. O enredo é dividido em três atos, sendo que cada um conta a história de personagens distintos, que serão controlados pelo jogador: Arthur, Sally e Ollie. Apesar de possuírem motivações e objetivos diferentes suas histórias se conectam como um quebra-cabeça ao longo do título. A campanha leva cerca de 15 horas para ser completada, isso se o jogador não buscar nenhum tipo de missão paralela, o que pode aumentar o tempo de jogo. O trabalho de dublagem do jogo é excepcional e as vozes dos personagens (que se encontram em inglês) são excelentes, com todos contando com um pesado sotaque britânico característico da região. Apesar de possuir legendas em português, o trabalho da localização não foi bem realizado. É comum encontrar diversos textos que não foram devidamente traduzidos para o português. Alguns, apresentam falhas gritantes de concordância e erros ortográficos. Em cenas importantes (como a da conclusão da história) as legendas nem sequer aparecem. Informações relevantes para o entendimento do enredo, bem como textos que indicam objetivos, também sofrem desse problema e isso prejudica a experiência de quem não tem domínio da língua inglesa. O título funciona como um jogo survival, com perspectiva em primeira pessoa , que se passa em um mundo aberto. O mapa é gerado de forma procedural e, a cada novo jogo que iniciamos, uma nova Wellington Wells é criada para dar lugar à aventura. Tal recurso, que pode passar despercebido, apesar de criativo, não consegue encaixar-se na experiência, uma vez que ela depende muito de seu foco narrativo para motivar o jogador a progredir. Dessa forma, uma vez finalizada a história, é muito difícil que um novo jogo seja iniciado apenas para ver alguns locais mudarem de posição, fugindo da tentativa de se criar um fator replay à mecânica. Outra ideia que parece não se encaixar são as mecânicas de sobrevivência; além de sua barra de estamina, cada personagem possui cerca de três necessidades básicas que, em teoria, deveriam ser atendidas com urgência: sono, sede e fome. Entretanto, caso o jogador opte por ignorar tais necessidades, ele sofrerá apenas uma leve penalidade na regeneração e tamanho de sua barra de estamina, o que, no final das contas, mal causa impacto em suas ações. Existem penalidades extras que podem ocorrer em combates ou durante a ingestão de comida estragada, porém basta dormir em algum local para curar seu personagem. Morrer também não é algo grave, pois existem vários checkpoints que redirecionam o jogador para um local próximo de onde morreu, mantendo todos os itens obtidos enquanto tentava cumprir alguma missão. Essa falta de punições mais severas faz com que todo o sistema de survival seja completamente descartável e sem sentido. Ainda que esse problema não existisse, a facilidade com que água, comida e outros recursos são encontrados torna questionável a real intenção da mecânica, já que não agrega nenhum desafio ou dificuldade notável. Iniciado o jogo, a primeira coisa que o jogador deve se acostumar é em misturar-se nos locais por onde passa. Para tal, é essencial que diversas normas e padrões de ética sejam seguidos ao pé da letra. Dentro das cidades, por exemplo, é proibido pular, correr, se abaixar ou realizar qualquer atividade que gere desconfiança dos habitantes. Durante a noite, há um toque de recolher nas cidades, então é recomendável abusar da furtividade durante estes períodos para evitar confrontos, ou dormir para adiantar a passagem do dia. Caso insista em quebrar alguma regra, o jogador será perseguido indiscriminadamente por todos os NPCs que venha a encontrar, até que seja morto ou arrume um esconderijo. Para tornar a tarefa de misturar-se ainda mais difícil, determinados locais só podem ser acessados se o personagem estiver sob efeito da “alegria”, sendo que existem inimigos e máquinas espalhadas pela cidade capazes de indicar se estamos ou não sob efeito da droga. Uma vez que a droga é ingerida, o jogador passa a enxergar o cenário com cores mais vibrantes e alegres, e o personagem passa a desfilar aonde quer que vá. Porém, é preciso certo cuidado, pois seu personagem pode sofrer crises de abstinência e overdoses que chamam muita a atenção. Nesses momentos, não há outra escolha a não ser esconder-se em algum local e esperar alguns minutos para que os efeitos cessem. Isso, de certa forma, é frustrante, uma vez que é impossível evitar essas crises e os momentos de espera quebram completamente o ritmo do jogo, atrasando quaisquer atividades que estejam sendo feitas. We Happy Few dispõe de uma boa quantidade de missões principais e secundárias, porém elas mal possuem alguma variação. Na maior parte do tempo elas demandam o deslocamento do ponto A para B, com a finalidade de coletar algum recurso ou resolver algum puzzle. Apesar do mundo ser gerado de forma aleatória, apenas sua disposição da missão no mapa é alterada e elas sempre se passarão em locais pré-determinados. Outro problema que influencia nas missões é a grande distância entre os objetivos no mapa; uma vez que não existem veículos, o jogador é frequentemente obrigado a andar. Isso, agregado ao fato de que dentro das cidades você não pode correr (caso queira evitar conflitos), resulta em longos e tediosos minutos só para coletar algo importante. Escondidos pelo mundo existem abrigos, que ao serem descobertos passam a funcionar como zonas seguras, onde é possível repousar, estocar recursos e criar itens utilizando um interessante sistema de craft. Como forma de contornar o recorrente problema envolvendo o deslocamento pelo mapa, o jogo oferece a possibilidade de se realizar viagens rápidas entre diferentes abrigos. Entretanto, esse sistema se mostra falho, no momento em que existe um número muito baixo dessas áreas espalhadas pelo mundo. Em adição a isso, não há nenhuma praticidade no sistema, pois o loading atrelado ao processo é muito demorado e, para que a função seja acessada, é necessário que o jogador esteja previamente dentro de um dos abrigos. Caso contrário, será preciso andar até o mais próximo. O combate em We Happy Few, apesar de simples, não é nada dinâmico, se limitando a repetitivos confrontos físicos. Somos capazes de realizar ataques com armas brancas, bloquear golpes, empurrar os inimigos e arremessar granadas e bombas de efeito moral. Não existe nenhum tipo de estratégia e constantemente estaremos presos a um ciclo intermitente de defender, para então contra-atacar. Outra falha apresentada no combate é a impossibilidade de se enfrentar múltiplos adversários ao mesmo tempo. Além de frustrante, por diversas vezes o jogador se sentirá obrigado a fugir dos inimigos e, em determinados locais, isso se torna uma dor de cabeça, já que se você comprar briga com um único NPC, terá automaticamente comprado com todos os outros que aparecem na tela. O arsenal de armas não é tão grande, se resumindo a objetos cortantes ou contundentes como machados e bastões de críquete, cada um com diferentes atributos de dano, velocidade e durabilidade. É possível (e recomendável) ser totalmente furtivo durante toda a campanha de We Happy Few. Não espere, porém, por algum tipo de dificuldade ao seguir por este caminho, uma vez que a inteligência artificial dos inimigos é péssima. O alcance de visão dos NPCs é limitado e, por diversas vezes, eles irão ignorar ou ficar parados na frente de colegas caídos pelo chão. Isso dá a oportunidade perfeita para que o jogador faça uma pilha de corpos facilmente. Além de nocautear inimigos de forma furtiva, ainda temos a possibilidade de carregar alvos caídos e escondê-los em outros locais. É importante frisar que certas ações, como abrir uma porta ou arremessar um item, emitem ondas sonoras que podem atrair inimigos. Isso pode ser usado a seu favor (ou contra você) para distrair inimigos e movê-los de seus postos. Existem três árvores de habilidades em que o jogador pode investir pontos obtidos com a realização das missões principais ou secundárias. Uma oferece melhorias no combate, outra, no Stealth. A terceira árvore, por sua vez, se chama Super-Duper e oferece melhorias relacionadas à capacidade de itens que podemos carregar ou à eficácia dos mesmos. Cada personagem também possui 4 benefícios ou malefícios únicos, que dizem respeito à sua própria personalidade ou condição. Por exemplo, a Sally pode fabricar drogas exclusivas, uma vez que é uma renomada química em Welling Wells; já Ollie por ser diabético, precisa constantemente buscar por insulina para regular a taxa de açúcar em seu sangue. Isso adiciona uma camada interessante a mais ao gameplay. A variação dos habitantes em We Happy Few é quase inexistente e frequentemente veremos meia dúzia de personagens idênticos andando lado a lado no jogo. Com exceção dos guardas que fiscalizam as ruas, todos os NPCs apresentam os mesmo atributos e quantidade de vida. Em relação ao design e ambientação, We Happy Few oscila entre aplausos e vaias. Seus visuais e trilha sonora abraçam fortemente a cultura steampunk e lembram bastante o que é visto na série Bioshock. Entretanto, como o mapa é gerado de forma aleatória, diversos cenários e ambientes acabam sendo genéricos, repetitivos e pouquíssimo memoráveis. As cidades, por exemplo, são dezenas de corredores intermitentes formados por casas que parecem formar um labirinto. Por utilizar de péssima forma a Unreal Engine 4, o jogo possui sérios problemas gráficos e de performance. Suas texturas, além de pobres, possuem um atraso inaceitável em sua renderização. Em adição a isso, o draw distance é extremamente limitado, ao ponto de objetos a poucos metros de distância estarem borrados, o que compromete totalmente o cenário. Estes, por sua vez, não são carregados da devida forma e frequentemente é possível ver prédios e outros elementos que os compõem surgindo repentinamente. O título sofre de constantes quedas em sua taxa de quadros, que raramente se mantém estável. Apesar de ser um sandbox, o jogo apresenta loading aleatórios e demorados (alguns chegam a 5 minutos) conforme andamos pelo cenário, o que compromete momentos críticos, como combates ou fugas, e quebra completamente o ritmo do gameplay. A quantidade de bugs e glitches é assustadora e, além de serem frequentes, alguns comprometem o progresso obtido no jogo.
Veredito
É inegável que We Happy Few é uma das maiores decepções deste ano. Seus defeitos vão muito além de simples problemas técnicos e destroem completamente a experiência que o jogo tenta construir. Tamanho descaso de sua desenvolvedora é inaceitável quando levamos em consideração o fato do jogo ter sido lançado no valor de 250 Reais em sua versão básica, preço equivalente ao de uma superprodução de estúdios como a Activision.
Jogo analisado com código fornecido pela Compulsion Games.
Veredito
It is undeniable that We Happy Few is one of the biggest disappointments of this year. Its flaws go far beyond simple technical problems, and completely destroy the experience the game attempts to build. This is unacceptable when we take into account the fact that the game was launched at full price in its basic version, a price equivalent to that of a blockbuster from studios like Activision.
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