Poucos consoles foram tão injustiçados e terão o legado tão marcado pela opinião pública quanto o PS Vita. Apesar de jamais ter tornado real a promessa de jogos AAA no portátil com a mesma capacidade técnica do PS3, ela acabou se tornando uma plataforma muito querida por seus fãs e com uma vasta livraria de títulos voltados para alguns nichos específicos.
Um desses nichos e talvez o que mais tenha recebido lançamentos ao longo dos anos foram os JRPGs. Se valendo do ritmo acelerado de vida japonês e da alta popularidade de consoles portáteis (e jogos mobile), o Vita recebeu uma série de jogos do gênero mais adaptados a sessões curtas de jogo, se tornando um paraíso para os fãs desse tipo de jogatina em todo o mundo.
Infelizmente, muitos desses jogos não foram lançados no Ocidente para o portátil, algo que tem sido corrigido com muitos desses jogos sendo lançados neste final de geração para PlayStation 4 através de remasterizações em HD. SaGa Scarlet Grace: Ambitions é mais um desses títulos, com o grande diferencial de carregar o legado de uma clássica franquia consigo.
Marcando o nono título da série (originalmente conhecida no ocidente como Final Fantasy Legend), SaGa Scarlet Grace chegou em 2016 exclusivamente para PS Vita no Japão, marcando o primeiro jogo original da série lançado desde Unlimited SaGa para PS2 em 2002, com a série ficando dormente desde então, salvo pelos remakes do primeiro Romancing SaGa para PS2 em 2005 e de SaGa 2 e 3 para Nintendo DS lançados em 2009 e 2011 e alguns jogos mobile e para web browsers.
A edição melhorada do jogo que agora chega ao Ocidente, subtitulada Ambitions, é a valorosa culminação do esforço recente que a Square Enix teve de tornar a franquia mais conhecida mundialmente, incluindo os relançamentos de Romancing SaGa 2 (https://psxbrasil.com/analises/romancing-saga-2/) em 2017 e a recente chegada do inédito (no Ocidente) Romancing SaGa 3 (https://psxbrasil.com/analises/analise-romancing-saga-3/) para PS4. Enquanto pode haver um pouco de preocupação do lançamento ser tão próximo ao de RS3, os jogos são bem distintos entre si, mesmo que compartilhem do mesmo DNA, tornando SSG:A um jogo único e uma experiência bem interessante.
Uma das primeiras coisas que chama a atenção do jogador é que, apesar de carregar todo o peso do nome SaGa, SSG:A parece ter sido feito com um orçamento bem limitado. Usando a Unity como engine base do jogo, os gráficos são mais próximos do que se esperaria de um jogo independente do que algo vindo de um estúdio interno da Square Enix, lembrando em partes o estilo visual dos modelos 3D de Children of Zodiarcs, SRPG financiado pela Square Enix Collective. Apesar disso, ele possui uma identidade visual bem única, compensando essa limitação com muito estilo, fugindo do estilo medieval mais genérico comum ao gênero e optando por algo mais próximo ao Japão Feudal.
Essas limitações técnicas vão ser ecoadas em outros pontos do jogo, como o fato dele se desenvolver todo em um mapa-mundi visto de cima, com o jogador movendo a party por esse mapa e escolhendo um local para ir, onde ocorrerá uma cena onde o jogador quase sempre precisará fazer uma escolha, com uma batalha (ou uma série de lutas) posteriormente e uma outra cena mostrando as consequências da sua decisão. A única mudança nessa estrutura é ao visitar as cidades, onde o jogador poderá escolher conversar com as pessoas através de um menu ou visitar o ferreiro para melhorar seus equipamentos.
Mesmo com esses empecilhos, SSG:A consegue fazer o mais importante que é capturar a essência da série, colocando o jogador com no meio de um ciclo interminável de batalha entre seres mágicos e o dando liberdade para decidir como lidar com as situações a sua frente da forma que achar melhor, com uma não-linearidade que muitos JRPGs aspiram ter mas poucos conseguem fazer da mesma forma.
Aqui, esse ciclo vem na forma de uma eterna batalha entre os deuses estelares. Tudo começa quando um dos deuses, chamado de Fire Bringer, trai os demais ao conceder a graça do fogo ao mundo, causando uma guerra entre os deuses e uma constante luta entre eles e os monstros criados pelo “traidor” (em uma espécie de reimaginação da lenda grega de Prometeu). Cabe ao jogador então assumir o controle de um dos quatro protagonistas e exercer o papel de cada um deles dentro desse ciclo.
A seleção de qual dos protagonistas você começará é um pouco peculiar, baseando-se nas respostas para as várias perguntas que são feitas no começo do jogo para lhe recomendar uma das quatro rotas que melhor se encaixa no seu estilo de jogo. É possível, no entanto, simplesmente escolher qual protagonista você quer jogar ou até mesmo alterar o rumo da história com base nas campanhas que você já concluiu.
Independente de qual ponto você começar, a estrutura geral do jogo é a mesma. Você explorará vastas regiões com vários pontos de interesse, cada qual com suas batalhas e eventos específicos. O jogo faz um bom uso desse sistema, com todas as situações que você se depara com o avançar da história sendo solucionáveis de diversas maneiras, te recompensando por explorar e tentar entender a dinâmica daquele mundo, com cada uma das suas decisões moldando a evolução daquele mundo.
A riqueza do mundo é um dos pontos altos aqui, com o jogador sendo fortemente compelido a explorar cada uma das diferentes áreas do mundo, podendo conversar com os menestréis das cidades para se familiarizar melhor com os territórios e dar mais vida ao mapa que é apresentado ao jogador muito os livros ilustrados que conhecemos quando criança, com pequenos toques de aquarela no visual.
Esses dois pontos contribuem para que SaGa Scarlet Grace: Ambitions consiga se manter como uma ótima experiência ao longo de toda a sua duração, muito por contar com quatro bons protagonistas em Balmant, Taria, Leonard e Urpina, mesmo que ele te force em determinados momentos a preencher certas lacunas por si só. A curta duração do jogo (cerca de 20-25 horas, já fatorando o conteúdo adicionado nessa versão) contribui para isso, fazendo com que a história vá direto ao ponto, mesmo que venha ao custo de uma baixa quantidade de atividades secundárias para fazer.
Caso ainda assim o jogador queira um pouco mais dele, algo muito provável dada a alta qualidade da narrativa escrita por Akitoshi Kawazu (roteirista do jogo e tradicional produtor da série), essa versão melhorada traz um sistema de New Game+ que permite que determinadas coisas sejam levadas a frente a cada história concluída, com mais e mais elementos sendo transferidos à medida que o jogador conclui mais campanhas.
Falando da estética aqui, mesmo com as já citadas limitações orçamentárias, o senso artístico da produção do jogo é algo notável. Do estilo da apresentação ao visual adotado para os personagens que, como mencionado, casa bem o estilo mais voltado para o Japão Feudal com toques que ecoam o visual da Europa medieval mais visto em obras ocidentais, com algumas áreas ainda lembrando a ideia mais “estereotípica” do Oriente Médio, é surpreendente o quão bonito o jogo consegue ser.
Outro ponto que merece ser destacado é o ótimo trabalho de áudio que foi feito aqui. A localização parece ter sido abordada com muito cuidado e a inclusão de uma nova abertura e de dublagem em pontos-chave da história é uma novidade bem-vinda nessa versão do jogo. A trilha sonora também está no mesmo nível da OST de outros jogos da série, mantendo o forte legado do compositor Kenji Ito em conseguir capturar bem o espírito de cada momento e cada nova área com suas canções.
Enquanto a história é consistentemente boa e os aspectos artísticos do jogo são um destaque a parte (e ele não sofra com problemas técnicos), o combate é um pouco mais polarizante. Diferentemente dos Romancing SaGa, Scarlet Grace opta por um sistema bem distinto e que consegue ser tão divertido e desafiador quanto desnecessariamente aleatório e punitivo.
Primeiro, é importante apontar que, como era de se esperar na série, a progressão de personagem segue o padrão já conhecido. Cada personagem pode utilizar diferentes armas e técnicas relacionadas a elas que, com o constante uso, vão desbloqueando novas techs mais poderosas para o jogador. Além disso, as estatísticas dos personagens vão sendo melhoradas ao fim de cada batalha, com os usuários de cajados podendo absorver a energia mística dos locais para melhorar o poder das suas magias além de aprender novas da maneira mencionada.
Já no que tange ao combate em si, ele é surpreendentemente bem desenhado, ainda que sofra com algumas pequenas e bobas limitações. O jogo ainda se vale bastante do sistema de formação típico da série, com diferentes bônus para a forma como a equipe de até cinco personagens é composta. O jogador normalmente contará com um certo grupo no começo de cada história, podendo recrutar novos integrantes ao longo da campanha, com quase todos eles sendo opcionais.
No combate em si, SSG:A utiliza um sistema de Battle Points, trazendo um novo grau de estratégia para as suas batalhas por turno. Enquanto os outros jogos da série as vezes se tornavam monótonos e repetitivos por ser necessário apenas escolher o comando de batalha de cada personagem e pronto, os BPs trazem uma nova limitação que tornam isso impossível e forçam o jogador a pensar em cada movimento.
No início de cada batalha, o jogador conta com um número de BPs (influenciado pela sua formação) que é compartilhado por toda a equipe e que vai aumentando a cada turno. Por sua vez, cada Tech possui um custo determinado de BP, fazendo com que, quase sempre, o jogador precise optar por apenas um número restrito de personagens atacando por turno, uma vez que usar Techs mais poderosas exigem um alto número de BPs, fazendo com que o jogador precise sempre ponderar o risco de colocar todos os seus pontos em um ataque que pode errar ou minimizar o risco em vários ataques mais fracos de todos os personagens.
Algo que torna essas decisões ainda mais táticas é que antes de cada turno ocorrer, o jogador consegue ver precisamente em qual ordem as ações irão se tomar, independente de qual personagem ele opte por dar as ordens, além da existência de Techs que alteram essa ordem, com o jogador também podendo ver como elas afetarão. Além disso, técnicas de status como poison, confusion, stun, sleep e paralyze afetam esse sistema de timeline e influenciam outros dois sistemas importantes.
Um deles é o sistema de Interrupts e Counters. A cada momento é possível que o inimigo ou o jogador consiga interromper uma ação do adversário para atacá-lo ou retribuir um ataque usado contra si. No geral, interrupts funcionam para proteger inimigos preparando Techs de magias, que levam alguns turnos para serem utilizadas, sendo possível planejar como afetar essas ações, dando mais um elemento tático ao jogo.
O último destes elementos, no entanto, é o mais importante de todos. O jogo conta com algo chamado de United Attacks, que são ataques especiais destravados quando um inimigo que está preso (na linha do tempo) entre dois (ou mais) membros da sua equipe é morto, fazendo com que todos os personagens que agora estão ligados na linha do tempo ataquem um outro inimigo existente em combate.
Estes ataques são algumas das técnicas mais poderosas que o jogo possui, sendo capazes de matar inimigos com um ataque só e, caso isso aconteça e novos membros sejam ligados na linha do tempo, um novo United Attack ocorrerá envolvendo todos os membros da equipe que foram ligados dessa vez. Além disso, o custo de BP das técnicas a serem usadas por esses personagens diminuirá (com o desconto sendo determinado pela afinidade do personagem com a arma).
Isso gera um sistema de combate bem divertido e desafiador que, apesar do número limitado de animações e técnicas a serem aprendidas e da baixa variedade de inimigos (um reflexo do baixo orçamento e da origem do jogo no Vita, é bem divertido e recompensador, exigindo que o jogador consiga ler a situação e reagir de acordo com ela.
É algo que poderia ser ainda melhor se o jogo contasse com um arsenal de armas, se apoiando apenas em um sistema de crafting para isso que, apesar de bem divertido e variado, com determinados ferreiros em certas cidades tendo mais afinidade com elementos específicos e refletindo no custo e qualidade da arma, ainda deixa um pouco a desejar.
Mesmo com essas limitações, Saga Scarlet Grace: Ambitions ainda é uma experiência muito boa e consistente com o enorme legado que carrega e é um bom ponto de partida para o revival da série que a Square Enix parece estar ensaiando nos últimos anos. Apesar de suas limitações técnicas originais, o port para PS4 foi feito com cuidado, trazendo várias melhorias como a redução de loadings, aumento da velocidade do jogo e as jás mencionadas inclusão de novos conteúdos e de dublagem, tornando-o um jogo acessível seja para novos fãs ou veteranos da série.
Veredito
Digno do nome que carrega, SaGa Scarlet Grace: Ambitions é mais um bom capítulo dessa histórica franquia, com uma boa história e sistema de combate divertido e desafiador. Apesar de ter claras limitações técnicas, ainda é uma experiência recomendada para os fãs de RPG.
Jogo analisado no PS4 padrão com cópia digital fornecida pela Square Enix.
Veredito
Worthy of its name, SaGa Scarlet Grace: Ambitions is another good chapter in an historic franchise, with good story and a fun and challenging combat system. Despite its clear technical limitations, it still is an experience RPG fans should play.
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