Entra ano, sai ano, e algumas discussões sobre as séries numeradas mais conhecidas do mundo dos jogos de esportes automotores acabam se intensificando em torno de alguns aspectos, como o avanço do realismo gráfico, a fidelidade em relação ao mundo real onde esses jogos se baseiam, além da dualidade entre a simulação e o descompromisso. Não é diferente quando consideramos jogos de rally, onde na maioria do tempo colocam-se veículos nas condições de tempo e de terreno mais extremos, e WRC, que chega este ano à sua décima edição, se mostra como uma verdadeira ode ao fã do gênero, ainda que não seja tão agressivo assim ao curioso que quer experimentar o que faz deste um dos maiores e mais significativos expoentes do subgênero mais encardido dos games de corrida.
WRC 10, contudo, que detém licenças significativas do circuito, uma vez que é o jogo licenciado da organização mais importante desse universo, aposta no refinamento de suas mecânicas para uma experiência ainda mais sofisticada que suas versões anteriores e seus principais concorrentes, sem deixar de lado os aspectos de espetáculo e do entretenimento. Enquanto busca oferecer uma jogabilidade fiel e com boas melhorias em relação aos seus antecessores, há adições muito significativas que dão maior robustez ao conteúdo, incluindo modos comemorativos que celebram o grande destaque do ano, os 50 anos do principal evento da categoria. É um pacote completo para os fãs de corridas, lama e muita poeira.
Para quem jogou a versão anterior, há algumas similaridades importantes em termos de interface, especialmente no modo Carreira, o principal cenário single player do game. Gerindo todos os aspectos que giram em torno de um corredor recém criado – não há nenhum elemento de customização visual, só de nome, gênero e nacionalidade do piloto e também do co-piloto – incluindo treinamentos, datas de descanso, contratação e seleção de membros da equipe, equipamentos e outros meandros. São detalhes que parecem saturar o jogador logo nos primeiros minutos, mas não demora para que nos acostumemos a lidar com aquilo de mais urgente e aí nos arrisquemos a cuidar dos pormenores, se assim quisermos. Além dos tutoriais iniciais, facilita a vida o fato do jogo avisar qual área precisa de alguma atenção.
Temos, por exemplo, que cuidar do desgaste dos nossos colaboradores, de mecânicos a meteorologistas, e ter membros reserva para substituí-los quando o cansaço chegar. Em processos seletivos, é importante compreender que área ainda nos é carente e se profissionais mais competentes cabem no orçamento disponível. Em outro ponto, precisamos decidir se vamos melhorar as condições de premiação ou se faz mais sentido dar um up nas relações públicas. Tudo entre um evento e outro do calendário e felizmente sem parecer cansativo demais. Para quem está acostumado em gerenciar times virtuais de futebol ou basquete, por exemplo, é tudo muito mais tranquilo e visual aqui.
O que mais surpreende, em termos de interface, é que há camadas que devem agradar os diferentes tipos de engajamento do jogador. Para os mais vidrados em estatísticas, dados, evolução de desempenho, há uma série de dados bem satisfatórios. Para outros que só querem correr, essas informações se mostram ótimas curiosidades sem qualquer poluição desagradável. E essa é uma das belas qualidades da franquia que aqui se tornam ainda mais evidentes: mesmo que seja destinado a um nicho mais dedicado, é uma edição que não exclui novatos ou mesmo adeptos de um jogo mais descontraído. E isso se reflete inclusive quando permite que se baixe o nível da dificuldade – o que basicamente resulta em uma margem maior nas tomadas de tempo das competições principais, bem como veículos, digamos, menos ariscos – e quando oferece facilitadores como controle de tração e de freio com assistência, além de deixar a transmissão como semiautomática como uma possibilidade aberta. São elementos que podem aliviar o jogador sem descaracterizar a essência do game e que podem ser alterados conforme se ganha mais experiência e confiança.
Sobre a jogabilidade, aliás, confesso que sempre tive preferência, quando se trata de corridas, para jogos menos rígidos, mas como em Ride, ou mesmo nos bons tempos de Gran Turismo, é realmente muito satisfatório quando conseguimos nos apropriar de alguns controles mais elaborados para tomadas perfeitas, curvas no melhor traçado e manobras mais arrojadas, mesmo que isso exija uma concentração muito mais elevada quando comparada a fanfarronice de jogos como Need For Speed e o meu saudoso Motorstorm. Em WRC 10, como já é há algumas edições, saber lidar com o cascalho grosso ou a neve escorregadia é um grande desafio, que mesmo nos tirando do sério quando forçamos os limites, não frustra quando nos propomos a aprender. Curiosamente, o terreno menos interessante é o asfalto limpo.
Isso porque mesmo com a possibilidade (e o incentivo) a ajustes mais personalizados, incluindo a escolha e a distribuição de pneus, nada disso tem a intenção de punir jogadores que não sabem como distribuir, sei lá, a intensidade da frenagem, ou o tipo de amortecedor para cada corrida. Como em outros momentos, os mais dedicados serão recompensados sem que os novatos sejam punidos a priori. Jogando algumas corridas nas configurações “de fábrica”, senti que o controle das ações ainda estava nas minhas mãos. Exceto pela escolha do tipo de pneus, que precisa de uma atenção a mais – afinal, usar equipamento para cascalho seco em asfalto molhado vai oferecer uma camada de rispidez maior ao carro – é perfeitamente aceitável seguir a partir do básico e ir aprendendo, pouco a pouco, efeitos dos ajustes.
Quando a contagem termina e o motor gira, o DualSense mostra que faz diferença. A pressão no acelerador, o tipo de vibração quando em terrenos diferentes e até o mapeamento do som no auto-falante do controle oferecem uma dimensão outra para a imersão. Sabe quando saímos um pouco da pista e começamos a ouvir o cascalho grosso e a sujeita batendo no assoalho do carro por baixo? Para quem já dirigiu em estrada de pedra na vida real, a identificação é imediata e instantânea. Para jogos de corrida, esse efeito já era mais do que esperado desde quando o controle foi mostrado ao mundo, mas é nesse tipo de game com terrenos extremos onde isso fica mais exuberante.
No geral, qualquer pessoa que já tenha jogado qualquer game de corrida nos últimos 15 anos poderá sair pilotando sem ligar muito para os tutoriais iniciais. Aceleração e frenagem nos gatilhos direito e esquerdo e o freio-de-mão no círculo é quase que um padrão perene. A troca de marcha (manual ou forçada) no quadrado e no xis completam o combo principal para se vencer corridas, com direito a mudança de perspectiva pelo direcional digital. O triângulo dá aquela forcinha para nos recolocar de volta na pista quando as coisas dão um pouco errado, mas não demora muito para que comecemos a odiar essa possibilidade, sobretudo a partir de uma segunda temporada quando qualquer escapada significa a derrota. Prepare-se para recomeçar corridas longas mais do que gostaria de confessar em uma análise.
Contudo, o estilo de direção de WRC 10 não está pautado na velocidade, e sim no controle. Serão raros os momentos de aceleração total constante, e saber dosar o “pé embaixo” é a melhor lição que se aprende logo nos primeiros eventos. E quando se tem confiança o suficiente para riscos maiores, vêm eventos em países sob neve, ou circuitos debaixo de chuvas torrenciais, e toda a capacidade de adaptação do jogador é testada. Mesmo dentro da mesma corrida, as condições podem mudar e as regras da física passam belas rasteiras em certezas estabelecidas de uma curva para outra. Os efeitos climáticos são um verdadeiro deleite, e quase tão importantes quanto traçado da pista ou tipo de equipamento.
Falando no desenho das fases, há muito a se conhecer. No total, são mais 120 pistas (algumas sendo variações contrárias umas das outras, mas tão complexas que parecem totalmente novas) e de tão extensas e cheias de curvas, é virtualmente impossível decorarmos a grande maioria delas de forma confortável. O papel do nosso co-piloto se torna essencial para que possamos seguir bem a cada curva, algo que vai muito além da informações sobre a existência de inclinações mais pesadas e da direção de cada uma delas. As informações em áudio acabam ajudando muito no comportamento do jogador (infelizmente sem a opção para o português), que pode se preparar muito bem para as condições adiante. Visualmente, as informações funcionam, com detalhes até do ângulo e da dimensão de curvas e desníveis, e a soma de ambas as informações é preciosa. A princípio, achei que seria algo que enjoaria rapidamente, dada a frequência quase ininterrupta e até um modo meio robótico de dar direções e orientações, mas curiosamente eu achava incômodos os raros momentos de intervalo da função.
Dito tudo isso, muito satisfeito com as facilidades e os atalhos disponíveis, posso dizer que o jogo é bastante desafiador. Sim, difícil mesmo quando pegamos alguns atalhos facilitadores, porque traz diversidade e intensidade a cada novo evento. São os tipos de terreno e as variantes do clima, são alguns fatores outros como abismos ou encostas inconvenientes, são árvores ou desníveis nos limites da pista, tudo parece estar lá para jamais nos sentirmos tranquilos. As condições de corrida inóspitas são o grande diferencial do gênero, e aqui brilham intensamente. Basta uma bobeira pisando com o cantinho dp pneu em uma aparentemente inofensiva faixa de grama e tudo pode virar de cabeça para baixo (as vezes literalmente), e esse é o grande destaque, porque WRC 10 sempre faz questão de evidenciar que o erro, seja por desleixo, ousadia, ganância ou arrogância, é sempre seu.
Capotar só não é mais irritante porque tecnicamente foram alguns dos momentos onde fiquei mais impressionado. Os veículos – são mais de 50 no total, contando com os oficiais de competição e os comemorativos – tem peso, são truculentos, são potentes. Nem sempre a sensação de velocidade remete ao que mostra o velocímetro no econômico e minimalista HUD do jogo, mas o impacto de colisões pode ser sentido de verdade, evitando o efeito de carro-balão, presente em alguns jogos onde basta uma pedrinha para o veículo sair voando sem controle como se estive cheio de gás hélio.
Esse aspecto não é perfeito e ainda carece de algum refinamento, porém, já que muitas pancadas parecem um pouco estranhas, com um sistema de colisão um tanto quanto impreciso. Por vezes batemos em uma muretinha baixa e parece que havia uma parede ali do lado, e em outras esfregamos a lataria em cercas metálicas com o conforto de fitas de seda. Sair da pista também traz surpresas… por vezes voltamos por cima de barrancos como em um filme de Velozes e Furiosos e outras ficamos atolados em um morrinho bobo de terra. São alguns detalhes que demandam uma atenção redobrada e, as vezes, até uma certa dose de paranóia, mas que acabam se mostrando exceção no conjunto da obra.
Já no que tange o aspecto audiovisual, WRC 10 é uma obra que eleva o alto nível estabelecido antes para outro patamar, já aprendendo a lidar bem com máquinas mais poderosas. Rodar a 4K em 60fps parece tão obrigatório agora que qualquer outra forma anterior parece inadequada, e isso sem sacrificar um nível de detalhamento de lataria e principalmente de ambiente de encher os olhos. Algumas coisas são tão bobas quanto surpreendentes, como a presença de drones (diegeticamente, aqueles que ajudam nas transmissões televisivas) aparecendo vez ou outra, como mostra a imagem acima. Ainda não há aqui o primor técnico do que vemos atualmente em um Forza, mesmo nos games para geração anterior, por exemplo, mas isso não significa que as coisas não sejam impressionantes, e o destaque fica para os efeitos de luz e reflexo, sobretudo com um trabalho de ray tracing muito competente. Dirigir na chuva dá trabalho, mas o visual vale muito a pena.
O mesmo pode ser dito dos efeitos climáticos mais densos, como a aridez de um sol escaldante do meio-dia, nevascas opressoras e chuva torrencial, tudo isso influencia na jogabilidade, mas sobretudo na sensação daquele mundo. Não há dúvidas de que são efeitos espetaculares que nos transportam para aquele local de fato. A construção sonora só contribui para potencializar percepções e vivências. O ponto negativo aqui fica para as corridas noturnas, excessivamente escuras naquilo que mais importa. Pessoalmente, gosto muito da visão o mais distante possível do veículo em jogos assim (em detrimento da visão em primeira pessoa) porque o comportamento do carro me dá informações importantes. Estar deslizando para um lado, estar balançando desequilibrado, tudo isso me ajuda a tomar decisões. Aqui, são raros os momentos onde vemos o carro em si, já que a lanterna ilumina só a frente. Em termos de realismo, coerente. Em termos de praticidade, um problema. Não à toa, minha meta era sempre abrir margem nos trechos diurnos para ter uma margem de erro maior nessas passagens sob a (pouca) luz da lua.
Jogos de rally, normalmente, perdem um pouco da sensação de competitividade por não trazer dúzias de carros dividindo as mesmas curvas, o que também ajuda no que toca a parte da inteligência artificial. A tomada de tempo adversária é muito mais um parâmetro do que é um bom desempenho do que um elemento competitivo direto, porque não se considera comportamento, agressividade e outras individualidades. Mesmo nos aspectos multiplayer – online e também em tela dividida – a competição está muito direcionada à capacidade do jogador e na relação do carro com a pista, e a comparação com o outro é indireta. Isso diminui elementos aleatórios, como atitudes mais ou menos agressivos da IA, por exemplo, como visto em outros jogos de corrida. Contudo, também perde um pouco daquela bagunça divertida de jogar ou ser jogado para fora da pista, de ter que fazer um traçado pouco ortodoxo para não bater em alguém. Para quem gosta desse tipo de jogatina mais desordeira, portanto, talvez essa não seja a melhor escolha.
A inclusão de novos conteúdos – como etapas inéditas do circuito mundial e novos veículos, por exemplo – adicionou algumas camadas a mais para quem pretende carreiras mais longas, passando por diversas temporadas e eventos. Começar pela categoria Junior é uma solução interessante para quem está buscando entender o formato antes de entrar de cabeça nos desafios mais intensos. Mas não é só na Carreira que isso pode ser feito. Há modos mais diretos, como as corridas rápidas para um ou dois jogadores, rallys personalizados e um sistema para que possamos navegar mais livremente pelos diferentes circuitos para testar nossas habilidades e correr onde gostarmos mais, ou onde saibamos que temos dificuldade e treinar mais forte antes de arriscar na campanha.
Já o evento especial de aniversário possibilita que percorramos, sem muita burocracia, uma série de corridas históricas ao redor do mundo, algo que não só contribui para a melhoria do nosso perfil pessoal como permite que criemos uma equipe própria, com direito a customização de veículos e outras vantagens indisponíveis quando se corre por escuderias já existentes. Para os adeptos das partidas on-line, há a possibilidade de entrar em salas públicas para encontrar adversários – forma como testei dois eventos e, a princípio, não tive qualquer problema de latência ou algo do tipo – além de salas privadas e um modelo de clubes para competição, e também a possibilidade de se conectar com alguém em um modo colaborativo para atuar como a voz do co-piloto. Nesses dois últimos, porém, não consegui achar ninguém para jogar, até por conta de ter pouca gente ainda com o jogo.
Como um todo, não é difícil chegar a conclusão de que WRC 10 é provavelmente uma das melhores opções para quem procura um jogo de corrida desafiador, cheio de variáveis inóspitas e um certo grau de fidelidade e realismo. Há conteúdo para dezenas, talvez centenas de horas, e muito o que se aprender para enfim dominar cada terreno, cada tipo de carro e cada aspecto climático. Há modos para se jogar sozinho e acompanhado diversos, muitos detalhes a se gerenciar para além das próprias competições, e se já não bastasse tudo isso, cada novo cenário revela visuais espetaculares. Um pacote completo, denso e que tem muito potencial para fãs do gênero na vida real e nos videogames, sem excluir curiosos com uma boa força resiliente e vontade de aprender.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Nacon.
Veredito
WRC 10 consegue não só manter o alto nível de qualidade de sua versão anterior, como também apara algumas arestas e ainda adiciona muito conteúdo que vai agradar muito fãs de corridas, lama e poeira. Responsivo e bastante exigente em seus controles, traz belíssimos visuais e modos abundantes, se provando uma das melhores opções do gênero.
WRC 10 manages not only to maintain the high level of quality of its previous version, but it also solves several problems and adds a lot of content that will please many fans of racing, mud and dust. Responsive and very demanding in its controls, it brings beautiful visuals and abundant modes, proving to be one of the best options of the genre.
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