Um grande guerreiro precisa desafiar um universo de monstros, trolls, soldados malvados e inimigos dos mais distintos para conseguir salvar a princesa de seu reino das garras de um terrível cavaleiro sombrio e, desse modo, salvar o mundo. É assim que se inicia a jornada de uma infinidade de filmes, romances, histórias em quadrinhos e, claro, games, desde que o mundo é mundo. Wonder Blade, um clássico hack and slash (ou, se você preferir, um slash ‘em up) 2D com progressão lateral, é mais um a seguir essa premissa básica que, ao mesmo tempo em que simplifica tudo e nos remete a um tempo de histórias mais fáceis e objetivas, se arrisca pouco em termos narrativos para se focar em outros aspectos.
Se esse fio narrativo é pouco, está batido ou é até antiquado para os dias atuais, fica por sua conta. Fato é que ao beber de inspirações de outros tempos, o game nos apresenta uma estrutura narrativa e de evolução bem tradicionais: toda a história a ser contada é entregue logo na introdução, somos chamados ao desafio e, em minutos, nos vemos em uma jornada (quase) solitária como muito vimos sobretudo na geração 16 bits.
Munidos de uma espada (ou um pedaço de carne, um osso, um graveto, ou algo que o valha) nosso protagonista segue o seu caminho linear, passando por fases divididas em alguns níveis – essa divisão varia de fase para fase – até chegar ao seu objetivo. Por mais que algumas passagens sejam surpreendentes dentro da lore original, tudo segue um caminho esperado e confortável o bastante para guiar o jogador ao que interessa, que é o gameplay em si.
Inicialmente idealizado para plataformas mobile, a jogabilidade é bem adequada ao Dual Shock 4 e para tanto, conta com alguns movimentos facilmente reconhecíveis: os ataques diretos com sua arma, uma providencial esquiva, salto e ataque de magia, esta que pode variar dentre alguns poderes elementais que vão sendo liberadas conforme se avança na aventura. O ataque direto, encadeado contra um ou mais inimigos, conecta combos poderosos e, em certos momentos, há a possibilidade se de aplicar finalizações especiais (do jeitinho que God of War nos ensinou).
Vencer quem aparece pela frente vai nos oferecendo recompensas em ouro e pedras preciosas que poderão ser utilizadas, no menu inicial, para desbloqueio de novas habilidades, melhoria de magias já adquiridas ou até novos companheiros de viagem. Ah, e não dá pra esquecer dos especiais providenciais em momentos de aperto, do jeitinho que os anos 1990 nos ensinou.
O mapeamento de comandos é ótimo, mas não perfeito. Algumas funções específicas, como a de pegar coisas no chão, como armas, e principalmente a de finalização especial são acionadas pela proximidade por botões que fazem outras coisas em situações normais. No meio de uma pancadaria, as vezes ao tentar fazer alguma coisa, você faz outra, o que pode separar o sucesso de uma surra, e isso incomoda em alguma ocasiões. O sistema de golpes, sabe-se lá porque, as vezes dispara movimentos diferentes para o mesmo comando, e as finalizações especiais, que surgem quando a vida do inimigo está no fim, parecem também só estarem disponíveis aleatoriamente, sem muito critério, o que é uma pena, já que são algumas das animações mais interessantes do jogo, além de ser uma forma bem estilosa de finalizar um combate mais tenso.
Além disso, é possível ganhar pontos que podem ser distribuídos entre atributos como ataque, defesa, magia e ataque crítico, e tão logo se libere o mercador, também há a possibilidade de se comprar elementos como poções de vitalidade, novas armas com atributos diferentes, máscaras e vestimentas. Com a possibilidade de se retornar sempre que quiser a níveis já vencidos, o jogador pode se dedicar a farmar pontos de habilidade e dinheiro para ter sempre os equipamentos mais vantajosos possíveis. Todos esses são elementos inspirados em sistemas de RPG, mas obviamente ficam somente em um nível superficial e não chegam a se mostrar complexos demais. Ainda assim, são ajustes necessários para se avançar bem. Sem eles, como o vídeo dos nossos primeiros minutos já demonstra, o jogo fica bem desafiador de uma hora para outra.
Entre uma fase e outra, inclusive, há níveis especiais fielmente inspiradas em… Street Fighter!?! Sem qualquer explicação mais lógica, tem um carro ali para que o jogador o destrua em um certo tempo com tudo o que tiver em mãos, de combos a magias, ou ainda um monte de barris arremessados do alto para se destruir um por um. Ao terminar o desafio, a pontuação é convertida em mais dinheiro para customizações. São referências inesperadas, mas muito bem encaixadas nos termos da leveza do título, e reforça que por mais que seja uma aventura épica, não deve ser levada tão a sério assim.
Quando se resume a dinâmica padrão do jogo, tudo é bastante familiar para quem já jogou games do gênero, ou os clássicos beat ‘em ups do final do século passado. Caminhe para frente, enfrente uma horda de inimigos, colete alguns espólios, e repita isso metros adiante. Algumas passagens também são bastante reconhecíveis, como fugas em veículos com obstáculos a frente, ou passagens de montaria em pequenos dinossauros – pegue aí a referência – mas não chega a ter qualquer surpresa nesse aspecto. E no final do corredor, claro, tem aquele chefão com ataques e padrões que dão um pouco mais de trabalho e, com sorte, uma nova habilidade bem útil para o que vem pela frente.
Uma identidade um pouco mais particular pode ser notada na estruturação estética do projeto. Com um visual cartoon mais fofinho, um estilo chibi, por assim dizer, Wonder Blade acerta em oferecer uma arte bastante equilibrada, com traços de alta qualidade, uma mistura bem resolvida entre tons de aventura vespertina com pitadas cômicas, e doses cavalares de olhos esbugalhados. Soma-se a isso uma fluidez de animação bastante responsiva aos comandos e efeitos de magia impressionantes, e o conjunto desse aspecto é das maiores qualidades do jogo. A sonoplastia é igualmente competente, e agrega valor sem exagerar. Há uma potencialidade em atender a um público bem amplo, e certamente crianças e pré-adolescentes são um alvo certeiro para a produção.
A diversidade é uma das características mais contraditórias em Wonder Blade. Se, por um lado, o jogo oferece alguns aspectos de personalização bem curiosas, como máscaras e vestimentas inesperadas (como um pedaço de queijo, um peixe ou um elmo de Stormtrooper) e armas que variam entre espadas lendárias e machados potentes, e também bananas, pedaços de osso e bifes congelados (?) os efeitos não são assim tão distintos. Os combos são, na prática, muito similares, senão iguais e o que muda de fato são os atributos de cada item equipado, que podem variar entre os aspectos de ataque, defesa e efeito crítico.
Esses são os mesmos atributos que cada mascote oferece também. Na prática, com os trajes você vai escolher aquele que gostar mais, mas a arma será aquela que tiver maiores valores no aspecto que você decidir priorizar. Eu, por exemplo, tinha uma katana como minha arma favorita, mas acabei deixando-a de lado em algum momento simplesmente porque ela tinha efeito negativo no atributo de defesa. Paciência. Fui com uma banana mesmo, pelo menos até surgir outra melhor. E já que estamos falando de diversidade, há uma gama relativamente ampla de inimigos, mas em algum momento, como já se poderia esperar desse gênero, eles começam a se amontoar de forma mais repetida. Nada que seja grave, porque entender os padrões de ataque e de movimentação de hordas com 5, 6 inimigos na tela é parte do processo de aprendizagem.
Em termos de originalidade, contudo, novamente há elementos de inspiração facilmente reconhecíveis, alguns até mais evidentes e escancarados que outros. Se você já jogou ou, ao menos, viu qualquer vídeo de gameplay de Castle Crashers, por exemplo, vai perceber similaridades intensas entre um e outro, e (com alguma boa vontade) até o consagrado Hollow Night pode ser reconhecido ali em alguns aspectos técnicos e visuais. Essa mistureba de elementos já vistos em outros momentos não são, necessariamente, um defeito ou algo negativo para Wonder Blade, mas certamente afeta a produção em termos de originalidade e criatividade. A sensação é que já passamos por tudo aquilo em outros tantos momentos da vida.
Felizmente, essa percepção de lugar comum não afeta a experiência em si. Mesmo que tenhamos um certo ranço, e pensemos que algumas passagens são cópias descaradas de coisas que vieram antes, a sensação de que tudo funciona bem logo nos faz relevar qualquer clichê. O jogo é muito divertido, leve, com um nível de dificuldade relativamente estável e adequado para jogadores mais casuais ou menos habilitados com o gênero, ainda que exija dedicação para talvez repetir níveis antes de investir nas fases mais complicadas da segunda metade da campanha. No final de uma jogatina, o que fica é uma percepção de um grande game, equilibrado, bonito, fluído, divertido, um arroz-com-feijão do dia-a-dia bem temperadinho. Originalidade é sempre algo bem-vindo nesta indústria, principalmente quando se olha para a produção independente, mas Wonder Blade está lá para provar que isso não é uma obrigatoriedade.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela East2west Games
Veredito
Ainda que originalidade seja um aspecto importante, Wonder Blade é tão adorável que se torna virtualmente impossível de não gostar. Tudo funciona especialmente bem, mesmo que seja estranho ter que voltar ao menu inicial para evoluir alguns aspectos do personagem. O estilo artístico, as animações e a jogabilidade fluem e a simplicidade narrativa e de progressão atestam positivamente para a obra.
While originality is an important aspect, Wonder Blade is so adorable that it is virtually impossible not to like it. Everything works especially well, even though it is strange to have to go back to the initial menu to evolve some aspects of the character. The artistic style, animations and gameplay flow and the narrative and progression simplicity attest positively to the work.
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