A brutalidade em sua forma mais simples! Se há uma forma objetiva de se resumir Warhammer 40,000: Space Marine 2, novo jogo da multifacetada franquia aqui capitaneada pela Focus Entertainment com desenvolvimento da competente Saber Interactive, é dizer que o jogo abusa de um conceito bastante corriqueiro que vez ou outra sai de moda na indústria dos jogos eletrônicos, mas jamais deixa de ter um público cativo ávido pela pureza do massacre em sua mais pura essência.
Em um futuro bem distante, nosso protagonista Titus faz parte de um seleto grupo de fuzileiros espaciais modificados geneticamente e programados para as situações mais extremas em uma eterna luta contra uma espécie alienígena que ameaça a raça humana, agora espalhada para vários pontos do universo. Na proteção do Império, o poder absoluto que reúne elementos religiosos e políticos em uma única entidade governante, será necessário atravessar a galáxia atrás dos temíveis Tirânidos e salvar aquilo que sobrou de nosso povo. A questão é que o passado do nosso herói ainda guarda algumas lacunas para todos os seus companheiros e até para ele mesmo.
Se você acha que já viu esta sinopse em algum lugar, provavelmente está certo, porque o plot do soldado perfeito perturbado por tramas de confiança e lacunas de memória já foi explorado ao extremo pela cultura pop. Soldado Universal e Soldado do Futuro são só as referências mais óbvias no cinema testosterônico dos anos 1990, mas não vão faltar relações com um formato já bastante sedimentado, com o guerreiro ideal levado ao limite da razão e das suas certezas cartesianas. O que vem a seguir, em uma história com reviravoltas esperadas e outras bem encaixadas, não foge do que se poderia esperar e funciona muito mais como uma boa desculpa para o recheio do que para que realmente seja levado a sério. E isso, para o gênero, não é um problema, mas sim uma solução, mesmo que protocolar.
As motivações do nosso leal guerreiro dão o tom das passagens entre missões, justificando tarefas como a eliminação de um foco inimigo, resgate de figuras importantes, proteção de uma determinada instalação e coisas do tipo. Tudo para que uma nave nos leve até um determinado planeta, nos deixe no ponto A e nos exija que cheguemos ao ponto B ainda vivos, sempre na companhia de dois parceiros como parte de um esquadrão composto por bots narrativos ou por pessoas reais em um sistema multiplayer cooperativo, o que significa que, com algumas raras exceções contextualizadas, a aventura considera sempre um time de três membros enfrentando as hordas inimigas com a boa e velha estratégia do “quem pode mais chora menos”.
O inimigo é, a princípio, uma grande ninhada que compartilha de uma certa consciência coletiva e, de aparência similar a artrópodes crescidos, lembra vagamente dos insectoides da franquia Tropas Estelares. O termo “horda”, desta forma, funciona muito bem ao considerar um comportamento de manada, com centenas, quiçá milhares de inimigos atacando em grupo, grande parte deles composta por inimigos comuns, mas com algumas classes diferentes com habilidades especiais, como a de atirar de longe, atacar com garras em forma de lâminas ou chicotes, ou ainda se esgueirar dentro do chão ou no ar. São tipos bastante reconhecíveis e que podem compor uma diversidade desafiadora quando em bandos.
Esta diversidade acaba se disfarçando pela quantidade, já que o maior perigo é se ver cercado por uma infinidade destas criaturas medonhas em campo aberto. Com várias passagens que remetem a jogos como World War Z (incluindo as clássicas cenas com esses monstros se empilhando para escalar muros e outros obstáculos monumentais) onde o maior perigo é não conseguir lidar com o volume de inimigos. Um bicho desses, isoladamente, mesmo os de maior periculosidade, não é um problema para a capacidade de combate de nosso personagem, talhado para esse tipo de conflito. Encarar ondas e mais ondas em progressão, principalmente com alguma tarefa externa a ser cumprida, é o que faz deste jogo algo complicado em algumas passagens, principalmente na dificuldade mais elevada, recomendada só para os mais corajosos ou para os inconsequentes.
O arsenal de nosso herói é, claro, um verdadeiro show de poder de fogo. Com escopetas, fuzis, pistolas e carabinas, não faltam opções para se adequar ao estilo do jogador, que vai encontrar aqui os principais tipos de armamento do gênero. Quer seja um habilidoso sniper, quer seja um sujeito talhado para o tiroteio pesado, são várias as opções que vão sendo incorporadas conforme avançamos pela narrativa. De um modo bem conduzido, aliás, somos apresentados a ferramentas que são uteis para um tipo de missão, mas que se habilitam para o que vem adiante, a exemplo do lança-chamas ou da pistola de plasma. Mesmo sem grandes inovações, não faltam as opções mais importantes para quem quer andar, mirar e atirar naquilo que estiver se movendo.
Os movimentos de combate corpo a corpo, porém, não ficam de lado, nem são só uma muleta para momentos de desespero quando a munição acaba (e acredite, ela vai acabar), porque saber utilizar de armas melee é tão importante quanto atirar e, não por acaso, é a primeira coisa que se aprende no jogo. Para encarar muitos inimigos de perto de uma só vez ou mesmo para um enfrentamento homem-a-homem (ou homem-a-inseto), os bons, mas rasos, combos próximos são uma poderosa possibilidade de sobreviver ao caos. O mesmo vale para outros artifícios de guerra, como as inevitáveis granadas (ótimas para se jogar no meio de um enxame hostil) em suas diferentes formas. Tudo sem muito melindre, funcionando da forma mais objetiva possível.
Por último, há algumas habilidades especiais quase indispensáveis em jogos de ação e combate. A esquiva, considerando o peso do personagem e sua baixa capacidade de agilidade, é fundamental para resistir a ataques pesados (sempre simbolizados pela antecipação avermelhada) e dos golpes múltiplos de fontes diversas. Ficar parado, obviamente, não é uma opção, e mesmo que a geografia se faça importante, Space Marines II está longe de se compreender como um shooter de murinho ou qualquer coisa parecida, e mesmo esteticamente sendo muito similar ao clássico da família XBox Gears of War, na prática acaba sendo um jogo bastante diferente em termos de estratégia e abordagem. Aqui, tudo é muito mais direto e visceral, mas bem limitado do ponto de vista tático.
Esta pouca disposição ao planejamento e à cautela transparece não só no formato das atividades a serem concluídas como também na própria estruturação da arquitetura do jogo. Como um bom jogo simpático ao multiplayer em toda a sua extensão, há um HUB para o qual voltamos sempre que uma fase é concluída, no qual podemos circular, conversar com NPCs da nossa guilda e, vez ou outra, trabalhar na preparação do que vem adiante. Porém, não espere por nada próximo ao que vemos em Destiny ou outras franquias mais próximas do RPG porque aqui é tudo muito mais simples, resumindo-se a escolher o set de armamento favorito para se iniciar a próxima tarefa e, vez ou outra, desenvolver melhor a trama. Algumas áreas vão se abrindo com o tempo, mas nada que importe tanto assim, salvo o painel para escolher entre os modos de jogo.
São três as possibilidades no total, iniciando-se pela campanha propriamente dita, que dura algo em torno das suas 15 horas; e as missões paralelas que criam um certo aprofundamento para certos personagens ou para histórias secundárias e que, também, podem ser compartilhadas com mais dois aliados, humanos ou bots. Com um nível de desafio acentuado já em suas primeiras entradas, é um espaço que se aconselha adentrar somente com um grau melhor de experiência adquirida em batalha e, principalmente, com parceiros confiáveis, porque a discrepância entre a campanha mais controlada e o inferno que aqui habita é considerável.
Há ainda o modo PvP, que coloca clã contra clã e que abre espaço para especializações diferentes e customizações mais direcionadas ao tipo de jogo que se pretende experienciar. Este período pré-lançamento se mostrou menos populoso do que obviamente quando o jogo estiver disponível para o público geral, então foram poucas as tentativas nesse modo que encontraram gente suficiente. Com servidores ainda vazios, o desempenho não mostrou problemas de conexão ou mesmo qualquer latência na jogatina, e espera-se que isso se mantenha ao longo do tempo, sobretudo porque Warhammer 40,000: Space Marine 2 conta com um calendário ousado de conteúdo pós-lançamento para os mais dedicados que prevê muita coisa sobretudo para o pós-campanha.
A dicotomia entre o convencional e alguns elementos mais atuais perpassa também todos os aspectos técnicos da produção. O bom uso dos gatilhos adaptativos não vai além do que já foi feito em jogos de tiro, com a pressão e o peso das diferentes armas se refletindo de forma tátil nas mãos. Os principais biomas, contudo, não contam com uma ambientação sensível ao toque, o que é uma pena visto que andamos por pântanos densos, instalações industriais enormes e outros cenários diversificados, e tudo isso poderia brincar melhor com o DualSense. Visualmente, porém, não há dúvidas de que o jogo consegue extrapolar uma exuberância em seus cenários como poucos jogos com tamanha escala nos últimos tempos.
Sem vergonha nenhuma de abusar das cores e das texturas, o game lida bem com reflexos metálicos de armaduras e de superfícies molhadas, mas se preocupa pouco com transparências e outras sutilezas. Efeitos elementais, como fogo, veneno e pó, com um belo trabalho de geração de partículas, tem um brilho próprio, com destaque para a atenção especial dada ao sangue jorrando para todos os lados, dando mais plasticidade gore às execuções coreografadas. O maior mérito visual, contudo, está na capacidade estável do jogo manter dezenas de inimigos na tela, como um verdadeiro formigueiro, sem quedas bruscas ou perceptíveis, garantindo um bom desempenho principalmente quando decidimos optar por fluidez em detrimento da qualidade visual. O jogo é pesado, dá pra sentir o carregamento caprichado, mas funciona bem a contento.
O ponto baixo no aspecto visual pode não ser exatamente um problema, já que com o tempo, considerei como parte das escolhas artísticas da produção. Rostos e expressões são ridiculamente caricaturais e desprovidas de qualquer refinamento, e passagens dialogadas em cenas de corte flertam com a estética de duas gerações atrás, com cabeças quadradas, olhos perdidos e caras duras em uma única pose. As cut-scenes mais emocionais chegam ao cômico involuntário, incomodando a imersão, mas funcionando muito bem com interpretações vocais estereotipadas e grosseiras. O herói parece dublado por arautos da sétima arte, e tanto voz quanto sotaque lembram as piores (melhores) atuações do grande Arnold Schwarzenegger. Confesso que torci o nariz por alguns segundos, mas me permitindo adentrar um típico produto de ação B, tudo faz bastante sentido e, da sua forma, é coeso.
Warhammer 40,000: Space Marine 2 é o típico jogo de brucutu, onde a ação sobrepõe quaisquer outros elementos mais planejados. É um jogo direto, de jogabilidade crua e objetiva, pouco afeito a variáveis e distrações. Não há progressão de personagem em níveis, habilidades desbloqueáveis em árvores nem nada disso, porque nosso personagem não parece ser daqueles que ainda tem algo a aprender. Da mesma forma, não há modificadores em equipamentos nem coisa parecida. É um jogo onde o que se tem em mãos logo depois do prólogo não difere tanto assim em termos de capacidade, e tudo o que há de diferente é a variedade de opções. Podemos carregar duas armas de longo alcance um equipamento corpo-a-corpo, com uma opção de granada, um item de cura e um movimento especial, e é isso, sempre.
Esta objetividade toda cobra um preço, já que resulta em muitas passagens repetitivas cuja progressão é mais direcionada ao volume do que à variedade. Você pode estar evitando que seus inimigos destruam uma torre de comunicação, sobrecarreguem um gerador de energia ou destruam um dispositivo importante, pode estar defendendo alguém ou liberando uma passagem, pode estar em campo aberto ou em corredores apertados, mas no final das contas, vai estar lidando com os mesmos grupos de inimigos das mesmas formas. O modo como a narrativa se desenrola burocraticamente só nos faz querem pular as poucas cenas para partir direto para a ação. As melhorias no design de nível em relação ao primeiro game são importantes para ampliar o escopo de exploração, mas nem tanto assim. Sem variáveis, o que ficam são as constantes.
É, em resumo, um jogo dedicado ao jogador – sozinho ou acompanhado – que não pretende passar horas coletando matéria-prima para forjar uma armadura nova ou itens com melhores atributos, nem melhorando combos e rankings para mais pontuação ou dinheiro, nem nada disso. Não há moedas, não há pontos, não há melhorias, não há variáveis, algo raro até mesmo para jogos de ação pura. Aqui, o que importa é sempre a próxima missão, e nada mais do que isso. Chegar, aniquilar, voltar para casa. Para quem espera um pouco mais de sofisticação estratégica ou customização de personagem, vai encontrar algo no end game ou no multiplayer, mas o brutamontes Titus não tem qualquer vocação para qualquer coisa que não seja estraçalhar as malditas hordas inimigas. O jogador que aceitar a proposta encontrará aqui uma lealdade incorruptível, e aquele que espera algo diferente certamente não será parte desta irmandade.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Focus Entertainment.
Veredito
Warhammer 40,000: Space Marine 2 é brutal e sanguinário como seu antecessor. Possui mecânicas sólidas, mesmo que pouco inventivas e bastante repetitivas, e é lotado de clichês por todos os lados. Porém, é o típico jogo de ação que funciona pela simplicidade e por ir direto ao ponto: massacrar alguns alienígenas sem muitas perguntas.
Warhammer 40,000: Space Marine 2 is as brutal and bloodthirsty as its predecessor. It has solid mechanics, even if they are uninventive and quite repetitive, and it’s full of clichés. However, it’s a typical action game that works thanks to its simplicity and because it gets straight to the point: massacre some aliens without asking too many questions.
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