Em sua curta existência, Voice of Cards conseguiu se consolidar como uma das séries mais interessantes e únicas existentes no universo dos videogames. Enquanto a conexão com Yoko Taro era grande parte do marketing inicial no ano passado e ainda exista levemente, dada a conexão da equipe de desenvolvimento com os responsáveis por NieR Reincarnation, aos poucos ela foi se estabelecendo com suas próprias pernas.
The Beasts of Burden, terceiro jogo da série, segue, essencialmente, a mesma estrutura dos outros títulos, entregando um JRPG bastante sólido, com a roupagem e ambientação de um RPG de mesa e tendo tudo ao seu redor sendo representado por cartas. Assim, ele mantém tudo aquilo que o diferencia de outros jogos do gênero, ainda que, aos poucos, ela já comece a dar alguns leves sinais de cansaço.
Muito como nos outros dois títulos anteriores, The Beasts of Burden não possui qualquer conexão com outros títulos da série. Assim, ela mantém sua identidade quase de antologia, permitindo que os jogadores possam jogá-la na ordem em que bem entenderem. O que é muito bem-vindo já que a variação de gameplay entre eles é bem baixa e sem grandes evoluções de um título para outro, mas as histórias por si só merecem o seu tempo.
Considerando que Voice of Cards vai, aos poucos, se tornando notória por suas histórias surpreendentemente sombrias e tristes em um gênero tão cheio de positiva e açúcar, The Beasts of Burden rapidamente estabelece o tom de que ele é talvez o mais trágico e sofrido entre todos os três.
O jogador assume o controle da protagonista Al’e, uma jovem guerreira que vive em um mundo onde monstros tomaram controle da superfície e forçaram os humanos a viver em pequenos vilarejos subterrâneos. Conhecida pela sua proeza em combate, ela se torna responsável por ajudar na proteção da cidade de monstros invasores.
Naturalmente, monstros conseguem quebrar as defesas da cidade e invadi-la, matando todo mundo, menos a nossa protagonista. Já conformada com sua iminente morte, ela acaba sendo salva por um garoto que a ajuda a se levantar e a convida a se unir a ele em busca da única coisa capaz de torná-la satisfeita após os acontecimentos: vingança.
Al’e é uma ótima personagem e sua motivação é palpável. De uma jovem inocente que sonhava apenas em ver as estrelas, ela passa a canalizar toda sua energia e poder em busca do seu objetivo, tudo com o auxílio do misterioso garoto ao seu lado. E talvez até mais do que em títulos anteriores, The Beasts of Burden é muito mais sobre a história de Al’e do que do mundo em si, algo necessário já que ele é um jogo mais contido e linear do que os anteriores.
Para conseguir realizar seus objetivos, Al’e aprende a canalizar um poder especial que ela possui: a habilidade de domar monstros e utilizá-los para fazer o que ela quiser. E é justamente essa capacidade dela de domar os monstros que traz uma visão diferente e menos “esperançosa” do que os jogos anteriores. Enquanto os protagonistas anteriores tinham objetivos nobres ou sonhos de grandeza, Al’e só quer se vingar daquilo que lhe tirou tudo que ela amava, uma visão um tanto quanto mais limitada, mas até mais eficiente.
Enquanto ele não possui o objetivo central grandioso dos títulos anteriores, o foco no ódio, sentimento central da história, que aqueles que tiveram suas vidas arruinadas pelos monstros sentem funciona em favor dele. Ainda é um jogo bastante limitado em vários aspectos, mas a narrativa funciona incrivelmente bem.
A nova narradora também ajuda bastante na ambientação do jogo e traz mais um certo frescor que talvez um terceiro jogo com uma voz masculina não tivesse. Enquanto não temos o mesmo timing cômico visto na voz do Mark Atherlay, a Carin Gilfry consegue manter um meio-termo muito bem-vindo entre a voz do Atherlay e a seriedade passada pelo Todd Haberkorn. Isso se torna ainda mais necessário aqui já que, salvo pela trilha sonora, a única coisa que você ouvirá é a voz da dubladora lendo os diálogos ou te orientando pela aventura.
Em termos de apresentação e gameplay, The Beasts of Burden é bastante idêntico aos demais jogos da franquia. Você ainda está movendo seu personagem, representado por uma peça no tabuleiro, por um mapa de cartas, uma a uma. Você ainda precisará rolar dados virtuais para escapar de certas situações ou receber certos bônus em combate. As batalhas ainda são por turnos. A taxa de encontros aleatórios ainda é absurdamente alta.
É até complicado encontrar formas de se explicar em mais detalhes esse funcionamento, especialmente analisando o terceiro jogo da série em menos de 360 dias. Ele é um jogo esteticamente incrível, realizando belas homenagens às suas inspirações e mecanicamente muito bem-feito. A diferença fica por conta de mapas bem melhores do que The Forsaken Maiden, com tudo mais direcionado em contido do que no jogo do começo do ano.
O combate também se mantém relativamente inalterado, com a sua equipe dividindo a mesma mana, representada pelas jóias que são adicionadas à sua caixinha, uma por turno, ou quando se usa alguma habilidade que concede mais delas. Cada personagem pode executar uma ação por turno, com cada habilidade exigindo uma certa quantidade de jóias para serem executadas, dependendo da sua força para determinar quantas serão.
The Beasts of Burden mantém a tradição da série de não ser o jogo mais difícil do mundo, com o desafio ficando limitado ao combate contra os chefes que vão aparecendo ao longo de sua duração. É tudo muito fácil e simples, tornando as suas, em média, 15 horas, algo que passará bem rápido para os veteranos do gênero ou para os novatos.
A principal novidade no combate fica por conta da mecânica de captura de monstros já citada antes. Al’e tem a capacidade de subjugar qualquer monstro que ela encontrar pelo caminho, recebendo uma habilidade equivalente a algo que ele monstro é capaz de fazer. Monstros diferentes podem te dar a mesma habilidade, rankeadas através de um sistema de estrelas que vai de 1 a 5, com mais estrelas representando maior poder.
As cartas geradas após essa captura podem ser usadas como habilidades por qualquer um dos personagens da sua equipe e trazem um nível infinitamente maior de customização das capacidades dos seus guerreiros em comparação aos jogos anteriores. Enquanto antes você era limitado pelo nicho que cada um deles estava destinado a ocupar, em The Beasts of Burden o limite é a sua imaginação e a capacidade de prender monstros.
O único problema dessa mecânica é que ela é toda baseada em um elemento de aleatoriedade para captura dos monstros. Após certas batalhas, como acontecia nos outros jogos, você recebe a opção de selecionar um entre três baús e, agora, além da opção de itens consumíveis, você também poderá abrir um baú que te dará uma nova carta de um dos monstros derrotados. Não é das mecânicas mais difíceis e há formas de aumentar o volume de baús ganhos, mas se você quer grindar por certas cartas em específico, em especial para a platina, pode se tornar bem cansativo e repetitivo.
Apesar da nova visão estética do combate e a maior possibilidade de customização, é importante apontar que, dado o sistema de ranking para as habilidades, o jogo falha novamente em trazer muitas habilidades novas, ainda sendo basicamente baseado nas mesmas que já estavam disponíveis nos jogos anteriores. Com o alto volume de assets reaproveitados no jogo, isso acaba tornando o jogo relativamente cansativo para os fãs que vem acompanhando-os lançamento após lançamento.
Dito tudo isso, é inegável que The Beasts of Burden ainda é um jogo bastante similar aos títulos anteriores da série. Se isso é algo bom ou ruim, somente você poderá realmente definir. Se você gostou dos jogos anteriores ou tem interesse nela, temos aqui um ótimo ponto de entrada, com melhorias interessantes em certas mecânicas e talvez a melhor narrativa vista até aqui.
No entanto, se visualmente o jogo não lhe interessa pela proposta bem clara do que ele tenta ser ou se você não gostou dos jogos anteriores, ele entrega exatamente aquilo que você imagina ao ver o nome: mais Voice of Cards. Enquanto a franquia, com lançamentos semestrais, corre o risco de se tornar repetitiva e cansativa, até o momento ela vem provando que ainda é possível produzir rapidamente pequeno e confortável JRPG para agradar veteranos a um custo menor e sem precisar dominar sua vida por meses a fio.
Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
Voice of Cards: The Beasts of Burden é mais uma ótima dose da série, entregando o seu melhor gameplay e melhor narrativa até aqui, com um jogo muito mais amarrado e direto em sua execução. Alguns velhos problemas seguem presentes, mas é mais um ótimo JRPG para fãs do gênero com pouco tempo disponível, mas vontade de testar jogos únicos e muito divertidos.
Voice of Cards: The Beasts of Burden is another great dose from the series, delivering its best gameplay and best story so far, with a game much more focused in its execution. Some old issues are still present, but it is a great JRPG for fans of the genre with little time available, but willing to test unique and fun games.
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