UNSIGHTED é fantástico. Se você não tirar mais nada dessa análise, saiba que tudo que for dito daqui pra frente será tentando explicar todas as maneiras como um jogo que, no papel, não deveria ter me conquistado, me tornou um grande fã da experiência como um todo. E tentando te convencer a não deixar ele passar batido.
E o que eu quero dizer por isso é que um RPG de ação misturando elementos de soulslike com metroidvanias é o exato estilo de jogo que não costuma me interessar. Especialmente em 2021, quando ambos se tornaram alguns dos mais comuns entre produções independentes, é difícil olhar para um título com essa descrição e imaginar o que ele pode oferecer de novo ou diferente.
Pelo visto, muito. Desenvolvido pelo estúdio brasileiro Studio Pixel Punk e publicado pela Humble Games, UNSIGHTED consegue te cativar desde os seus primeiros minutos. Talvez seja pela ambientação única e especial, talvez pelo quão bem polido o jogo como um todo é, mas é inegável que se trata de uma experiência diferenciada.
O título conta a história da autômata Alma em um mundo onde os autômatos ganharam consciência após um meteoro cair, trazendo uma misteriosa substância chamada Anima. Acuados pelo ganho de consciência dos “robôs” que usavam para suas tarefas diárias, a humanidade iniciou uma guerra na qual eles foram praticamente erradicados e, como uma última alternativa, decidem “selar” o meteoro que serve como fonte de Anima, tentando acabar com a consciência dos autômatos, transformando-os nos unsighted do título quando o Anima armazenado acaba.
Logo após essa selagem, Alma, a protagonista, acorda sem suas memórias. Construída por uma das mais renomadas cientistas do mundo para ser a mais avançada autômata de todos os tempos, ela acaba se tornando a última esperança da sua espécie para salvar a todos antes que o tempo que ainda resta acabe.
Para isso, Alma precisa recuperar os 5 fragmentos de meteoro espalhados pelo mundo, capazes de forjar uma arma que a permitirá ter acesso à torre que selou o meteoro. O problema é que cada um desses fragmentos está em posse de um poderoso autômato que se tornou um unsighted, sendo parte do desafio descobrir tanto como chegar até eles quanto derrotá-los em difíceis batalhas.
A forma como a história é contada consegue equilibrar bem momentos mais expositivos para te fazer entender melhor o mundo e focar no real desenvolvimento dos personagens. À medida que você coleta os fragmentos de meteoro, a Alma vai recuperando suas memórias, geralmente girando em torno da sua desaparecida namorada, Raquel.
Os diálogos em si são bem construídos, falhando apenas em realmente estabelecer melhor a relação entre personagens secundários ou te fazer se importar tanto assim com eles. O fato de cada autômato possuir um timer indicando quanto tempo (in-game) eles ainda tem de vida ajuda a demonstrar o peso e urgência das suas ações, mas há pouca razão para se importar com a maioria deles, salvo realmente por uma quantidade bem restrita de aliados.
Algo que ajuda a tornar o mundo e a ambientação mais carismáticos é a incrivelmente bela pixel art do jogo. É o tipo de visual que acabou se tornando um pouco clichê para jogos indies, mas a quantidade de detalhes em cada cenário, modelo de personagem e animação é espetacular. Se você é fã desse estilo, pouquíssimos jogos entregam algo no mesmo nível que UNSIGHTED.
Mesmo com todos os elogios já traçados, a parte que realmente se destaca como o ponto (mais) forte de UNSIGHTED é o seu gameplay. Como dito no começo, trata-se de um metroidvania com combate bastante desafiador. Os elementos que o tornam único começam a aparecer já pela adoção de uma visão isométrica ao invés do tradicional sidescrolling que outros jogos do gênero usam.
Essa decisão ajuda a exacerbar o enorme sucesso que o jogo tem em seu level design. Tudo aqui simplesmente funciona, com cada passo dado pelo jogador sendo intuitivo e experimentação sendo bastante recompensada e há uma constante sensação de liberdade sobre como abordar o mundo e como completar os objetivos que lhe foram dados.
É sua essência, os elementos comuns de um metroidvania estão aqui, como a exploração não-linear do mundo, a obtenção de poderes que abrem novos caminhos em áreas já exploradas e a necessidade de resolver diferentes puzzles para chegar nos chefes de cada área. Aliás, o quão bem os ambientes são interligados e o quão intuitiva a exploração e resolução de problemas é chega a assustar, sendo muito raro que o jogo realmente precise te dizer o que você precisa fazer para avançar.
Cada área possui um tema distinto, é claro, mas você está sempre aprendendo novas formas de explorar o mundo e, consequentemente, precisa entrar em diferentes áreas para alcançar pontos específicos de cada sessão. A exploração também é bastante aberta, portanto, mesmo que exista uma ordem recomendada de chefes para enfrentar, você pode ir para onde quiser da forma como quiser.
O combate fica num nível levemente abaixo, mas ainda merece ser bastante elogiado. O jogador pode equipar até duas armas ao mesmo tempo, com cada uma delas ficando designada para um dos lados dos gatilhos. As opções ao seu dispôr vão de armas brancas (espadas e machados) à armas de fogo (pistolas, metralhadoras, lançadores de granada…). A qualquer momento, você pode trocar a arma equipada no menu, te dando bastante controle sobre o seu loadout.
A quantidade de inimigos presentes no jogo é bastante surpreendente, com uma quantidade bem restrita sendo recolorações de inimigos de outras áreas. O combate tem um ritmo bem simples, com os inimigos piscando em vermelho na hora em que vão atacar, indicando que é o momento de esquivar ou usar o parry. Usando o parry na hora certa abre os inimigos para um ataque crítico capaz de matá-lo em um ou dois golpes.
Há um foco muito grande no parry pois é a melhor forma de conservar stamina e matar os inimigos da forma mais eficiente, especialmente por eles serem capazes de, com uma pequena sucessão de dois ou três ataques, punir um erro seu de forma fatal. Morrer não é especialmente punitivo pelos recursos que você perde (metade dos seus parafusos, a moeda do jogo), mas por te fazer perder tempo, algo ainda mais precioso.
E sim, a “comparação” com um soulslike fica por conta do combate baseado em stamina (a depender da arma, dois golpes são suficientes para esgotá-la e te deixar vulnerável) e a perda de recursos ao morrer. E, não posso deixar de apontar, o combate é sim bem “difícil”, mas se equilibrando perfeitamente entre ser punitivo, mas ser justo.
Salvo pelos chefes, os inimigos morrem com dois ou três ataques e todos possuem padrões de ataque bem claros e definidos. As dicas sonoras e visuais de quando vão atacar são muito claras e a maior parte do desafio vem por sessões com muitos inimigos e não por um inimigo em si (apesar da falta de atenção com até mesmo os unsighted mais fáceis ser capaz de te colocar em maus bocados).
No entanto, se você se sentir ansioso com o prospecto de precisar correr contra o tempo para conseguir completar o jogo ou quer simplesmente explorar tudo nos mínimos detalhes sem muita pressa, o jogo conta com um modo Exploradora feito pensando justamente nisso. Quais opções ativar ficam à sua escolha, mas é possível diminuir a passagem do tempo, tornar o combate mais fácil, ter mais fôlego ou até mesmo se tornar invencível.
Esse modo é uma boa forma de deixar os jogadores mais confortáveis e mais acostumados com o ambiente do jogo antes de eventualmente aumentar a dificuldade das coisas em novas runs. Afinal, um dos principais focos de UNSIGHTED é justamente no enorme fator replay que o jogo busca apresentar aos jogadores.
Contando com tanto um modo New Game+, no qual você leva a maior parte das coisas que tinha ao terminar o jogo, quanto um New Game Extra, onde você começa com todos os planos em mãos, fica claro que você precisará fazer jogar múltiplas vezes se quiser tirar o máximo da experiência e platiná-la. A sua primeira conclusão deve levar algo em torno de 8 a 10 horas, mas parte do desafio é justamente encurtar esse tempo. Isso sem falar dos modos extras Provação dos Chefes e Incursão no Labirinto que também vão te desafiar bastante.
Apesar de todos os elogios, é preciso também fazer alguns apontamentos um pouco negativos com o jogo. O primeiro deles é a presença de um co-op local, mas a falta da possibilidade de se jogar online, o que seria muito bem-vindo. Outra coisa é que, pela constante necessidade de mudar de armas, talvez o ideal tivesse sido a implantação de uma roda de armas, o que evitaria a necessidade de ficar entrando e saindo de menus durante a resolução de puzzles.
Além disso, em certos momentos o input delay é grande demais, fazendo com que o jogo não reconheça certos comandos caso venham após, por exemplo, o pequeno slowdown que ocorre ao dar um bloqueio perfeito. Em um jogo em que o timing precisa ser bastante preciso e a diferença entre o sucesso e o fracasso, isso acaba sendo bem incômodo.
Por fim, UNSIGHTED conseguiu algo que, até o momento, eu não tinha visto, que foi tornar o PS5 barulhento. É notório pelo quão silencioso o console é, mas ao inicializar a sensação que se tem é da ventoinha estar funcionando mais rápido do que o normal. No geral, isso não ocorre durante o jogo em si, mas em dados momentos me deixou um pouco preocupado.
No geral, UNSIGHTED é um jogo em que até mesmo os problemas passam a sensação de ser algo que estou apontando apenas pela necessidade de dizer que ele não é perfeito. 2021 tem sido um jogo brilhante para títulos brasileiros e o produto lançado pela Studio Pixel Punk talvez seja o mais especial de todos. Faça um favor a si mesmo e jogue UNSIGHTED, essa é uma experiência que você não pode deixar passar batida.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Humble Games.
Veredito
UNSIGHTED é um jogo incrível que consegue juntar vários elementos de diferentes gêneros de forma maestral. Com uma bela narrativa casada com um combate e exploração primorosos, é um dos melhores jogos do ano até aqui.
UNSIGHTED is an amazing game that manages to bring together various elements of different genres in a masterly way. With a beautiful narrative coupled with incredible combat and exploration, it’s one of the best games of the year so far.
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