Desenvolvido pelo estúdio Hadoque e com uma excelente direção de arte idealizada pela criativa mente do artista sueco Niklas “EL Huervo” Åkerblad, Ultros é um metroidvania psicodélico que aposta em uma paleta de cores vibrantes no estilo neon e uma trilha sonora tranquila e hipnotizante, inspirada por sons da natureza, para criar um ambiente onde temas como a vida, a morte e a renovação são abordados quase que como num mantra que toma a forma de um jogo digital.
Ultros conta a história de uma viajante espacial, chamada Ouji, após sua nave colidir com um lugar misterioso conhecido como Sarcófago. Esse local, uma espécie de útero cósmico, abriga uma entidade demoníaca chamada Ultros. Presa em um ciclo de renascimento que se renova por causa de um buraco negro, Ouji deve se aventurar por esse mundo para encontrar uma maneira de escapar. Tão logo começa a explorá-lo, ela conhece Wallet, um ser enviado para investigar o local, mas que ficou preso no loop como uma manifestação de memória. Wallet informa a Ouji que a única forma de escapar é eliminando a barreira ilusória criada por um grupo de Xamãs espalhados pelo Sarcófago. Assim, começa sua aventura.
Um dos conceitos principais de Ultros é a renovação da vida e, para isso, o jogo tem como um de seus alicerces um sistema de jardinagem único e bastante intrigante. Ao longo de sua jornada você coletará sementes para serem plantadas em locais específicos para germinarem. Diversos tipos de sementes estão disponíveis, e cada um deles resultará em uma planta com suas próprias características. Essas plantas produzem recursos a serem utilizados para recuperar vida e também adquirir habilidades, mas também possuem a particularidade de criarem novos caminhos, dando a você a oportunidade de explorar áreas secretas do mapa.
Com essas sementes temos a chance de alcançar lugares mais altos ou de criar cipós que servem para vencer certas distâncias. Uma outra semente permite caminhar pelas paredes ou se movimentar mais rápido para pular mais longe. Algumas sementes serão obrigatórias para superar obstáculos do mapa. Como no caso de uma área na qual é necessário guiar as plantas para travar um propulsor, ou quando precisamos plantar uma semente para criar uma área de sombra e evitar ser detectado por inimigos.
Saber reconhecer as características de cada planta leva um pouco de tempo, com isso a navegação por alguns mapas se mostrou confusa, principalmente nas primeiras horas do jogo. O mapa possui as características típicas de um metroidvania, com biomas interligados e áreas que só serão acessíveis com uma habilidade específica. No caso de Ultros, essas habilidades fogem do padrão dos jogos desse gênero e são liberadas através do extrator. Claro que habilidades como o pulo duplo, dash e escalada de paredes também estão presentes, mas o extrator vai além dessas mecânicas e se funde perfeitamente com a temática do jogo.
Com o extrator é possível remover sementes que você plantou, mas que não tiveram o resultado esperado, além de coletar compostos que aceleram o crescimento das plantas. Outra habilidade do extrator permite que você faça podas em plantas espinhosas que bloqueiam seu caminho, assim como uma outra variação serve para borrifar estimulantes e conduzir uma planta para uma direção necessária. Também é possível combinar partes de duas plantas, dessa forma ampliando as possibilidades de exploração. Já com o propulsor, você pode canalizar a energia de alguns elementos para se lançar ao ar e alcançar lugares mais altos.
Porém, a fluidez da exploração do mapa acaba sendo afetada por uma das principais mecânicas de Ultros e, talvez, a que mais me desagradou. Toda vez que você destruir um Xamã, a energia dele será conduzida para uma área central do mapa. Nela se encontra o núcleo de Ultros. Sempre que seguir essa energia rumo ao núcleo, você será absorvido e um novo ciclo se reiniciará. Por isso, é importante que entenda que seguir esse fluxo de energia de imediato nem sempre é a melhor alternativa. A cada novo ciclo, você será levado de volta à área inicial e terá que refazer boa parte do caminho novamente. Não apenas isso. As habilidades que liberou, assim como o extrator, armas, comidas e sementes, serão removidas de seu inventário.
Isso faz parte das mecânicas roguelite de Ultros. Não que eu não goste de jogos roguelite, pelo contrário, eles estão entre meus favoritos. Mas a maneira como a evolução de cada ciclo acontece em Ultros atrapalha sua experiência. Confesso que até me adaptei a algumas dessas características com o tempo, mas percorrer as mesmas áreas diversas vezes foi algo que me incomodou. Principalmente porque, por mais que a direção de arte de Ultros seja seu maior destaque, a sensação de repetição de cenários é constante. O fato das cores serem mais vibrantes também deve ser considerado, pois isso tende a se tornar cansativo conforme seu tempo de jogo for aumentando. A cada novo ciclo o mundo muda sutilmente, com novos caminhos e possibilidades sendo revelados. Isso, de certa forma, serve como uma maneira de amenizar a sensação de frustação, mas não a elimina.
O mesmo vale para as habilidades que você desbloqueia, pois nem todas serão perdidas ao início de cada ciclo. Para conseguir preservar algumas memórias de habilidades para o início do próximo ciclo, você deverá encontrar um item que permite fixar essas memórias no córtex. Esse item, chamado micélio mnemônico, fica em lugares escondidos, portanto a exploração vai servir para aliviar o efeito de perda que a mecânica de ciclos causa. Para cada ciclo iniciado, o custo para readquirir as habilidades também será reduzido, então ainda há um sentimento de progressão parcial.
Uma outra forma de evitar ter que repetir as mesmas áreas é usar o sistema de viagem rápida. Só que ele não é facilmente ativado. Tal sistema ficará disponível após visitar uma região específica do mapa, mas para acessá-lo você terá que conectar as cápsulas de transporte como se estivesse ligando um grande fio da vida. A mesma função também revela novos caminhos e pode alterar alguns cursos da história.
Novamente, isso combina muito bem com a temática do jogo, mas criar todos esses caminhos exige muita paciência. Tudo porque, em algumas áreas, será necessário cultivar plantas para usar seus botões como ponto de conexão para o fio da vida. E como todas as plantas levam um ciclo para germinarem por completo, a não ser que você possua um composto para acelerar o processo, por muitas vezes você ficará impedido de conectar o caminho que deseja.
Indo agora para o combate, Ultros segue uma linha de um jogo mais cadenciado. A densidade de inimigos é pequena e você ainda possui habilidades que permitem passar pelos inimigos sem ter que eliminá-los. Se resolver partir para luta, o jogo possui um sistema de combate bem simples, mas que é satisfatório. Há algumas variações de combos com a espada (praticamente sua única arma) e uma mecânica de retaliação ao desviar do golpe do inimigo. Uma boa adição ao combate é a possibilidade de fazer malabarismos com suas presas, arremessando-as umas nas outras. Além disso, alguns golpes aéreos liberados na árvore de habilidades complementam o arsenal de combate.
Para adquirir as habilidades, você deverá se alimentar de partes dos inimigos derrotados e também de frutos coletados das plantas do cenário. Cada habilidade possui um requisito de nutrientes necessários para ser liberada. Esses nutrientes estão divididos em quatro grupos distintos. Um detalhe importante dessa mecânica de nutrientes é que as mesmas fontes de alimentos também serão usadas para recuperar vida, portanto toda vez que precisar se curar, indiretamente você também estará acumulando nutrientes para desbloquear habilidades.
As partes das criaturas são recolhidas sempre que eliminá-las, mas há uma peculiaridade nesse sistema. A forma que você abordar o confronto será fundamental para determinar a qualidade da parte que resultará dele. Repetir os mesmos golpes prejudicará a qualidade do alimento, ao passo que variar seus ataques recompensará com peças mais nutritivas. Essa mecânica contribui para adicionar mais alternativas ao combate, já que a pouca variação de inimigos é outro fator negativo do jogo.
Os chefes também não empolgam muito, pois seus padrões de ataque são fáceis de serem interpretados e a maioria deles não exigirá mais que uma tentativa para vencê-los. A proposta principal de Ultros também passa pela preservação e adaptação à fauna e flora de cada bioma, por isso é possível superar áreas inteiras do mapa sem enfrentar nenhum inimigo.
O grande mérito de Ultros está em trazer uma abordagem nova para o gênero metroidvania, mas para isso ele se arrisca demais em algumas decisões de design. Por muitas vezes, a sensação que tive em jogá-lo foi como a de interagir com um quadro. As ações que realizamos com os cenários resultam em explosões de cores na tela, algo que muitos jogadores podem gostar, mas que outros talvez achem poluído demais.
No caso dos que se sentirem incomodados com a intensidade das cores, Ultros conta com boas opções de acessibilidade que permitem regular a saturação e a intensidade de alguns tons, ou até deixar todo o pano de fundo borrado ou em preto e branco. Outro ponto elogiável é a parte técnica, pois mesmo com a grande quantidade de efeitos na tela o jogo roda sem maiores problemas.
De forma geral, Ultros é um jogo que funciona muito bem como uma transcendência por um mundo sci-fi psicodélico, mas que, no fim, fica devendo em alguns aspectos cruciais de exploração e combate que poderiam alçá-lo ao lugar onde estão os maiores destaques desse mercado tão concorrido que é o dos jogos metroidvanias.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Kepler Interactive.
Veredito
Ultros é uma boa viagem através de cores e efeitos sonoros; uma jornada relaxante que inspira a preservação da vida e sua renovação. No entanto, poderia ser uma experiência memorável se fosse melhor equilibrado em alguns de seus aspectos.
Ultros is a good trip through colors and sound effects; a relaxing journey that inspires the preservation of life and its renewal. However, it would be a memorable experience if it were better balanced in some of its aspects.
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