Tiny Terry’s Turbo Trip – Review

Jogos urbanos de mundo aberto não são lá a coisa mais inovadora do universo desde que GTA se tornou uma das maiores marcas do mercado. Certamente, muitos vieram depois tentando emular sua fórmula arrasadora, mas poucos foram realmente bem sucedidos nesta missão.
Outras experiências, porém, buscaram se apropriar do formato para tentar coisas novas, tanto na subversão estrutural quanto na paródia do modelo sedimentado, e não estou sendo sarcástico ao dizer que o meu favorito dentre tantos deles é Goat Simulator 3 simplesmente por seguir por um caminho tão caótico que encontrou para si uma identidade única onde antes só haviam clones sem alma e sem coração.
E por mais que haja um salto gigantesco entre uma coisa e outra, é exatamente onde vejo Tiny Terry’s Turbo Trip funcionar bem, compreendendo os fundamentos básicos do formato e se apropriando dele de uma forma descompromissada e, talvez por isso mesmo, muito inteligente.
No game, já disponível para PCs desde junho de 2024 e que chega agora para consoles, acompanhamos um sujeito peculiar chamado Terry em uma jornada pessoal para se lançar ao espaço usando seu carro para assim se tornar famoso, mesmo que ele sequer tenha habilitação para dirigir nas ruas de sua simpática cidadezinha, chamada Agualuzente.
Para tanto, será necessário explorar os segredos de sua comunidade, encontrar pessoas tão únicas quanto ele, realizar missões nada cotidianas, resolver alguns puzzles contextuais e descobrir como realizar o seu sonho enquanto muda a vida (ou nem tanto) de todos ao seu redor.
Isso se deve a um roteiro certeiro e um ótimo texto, felizmente bem localizado para o nosso português brasileiro, e sobretudo uma direção muito apropriada em que o timing é essencial. Especialmente o tempo das piadas, das bobas às mais elaboradas, é um grande acerto que transparece um cuidado especial no tratamento desta história.
Até porque um plot tão desajeitadamente simples assim só funcionaria se o humor do jogo estivesse no lugar certo, e bastam os primeiros diálogos non sense do protagonista e sua passagem na agência de empregos para se compreender que este pequeno grande jogo tem algo de muito especial.
Notadamente, o primeiro impacto sentido é o do estilo artístico único que caracteriza personagens como desenhos de traço infantil em uma dimensionalidade com voxels aparentes que mais se assemelham a bonecos de massinha pouco preocupados com convenções estéticas, simetria ou os padrões mais tradicionais de beleza. Há uma identidade verdadeiramente única desenvolvida e sustentada pela proposta do game do começo ao fim.
O design da cidade onde toda a ação se desenrola é tão competente quanto, mesmo que não parta dos mesmos princípios caóticos de seus personagens. São formas mais bem definidas, confortáveis e simpáticas, com doses de uma fofurice deslocada, mas que de uma forma inteligente, se encaixa perfeitamente em conjunto com seus moradores.
O uso das cores aqui está longe de ser econômico e o mundo do jogo é intenso, saturado e todo solar. Ambientes internos e externos se aproveitam dessa profusão colorida para entregar cenários deliciosamente intensos, com texturas suaves e pouco ruído, o que não deixa de trazer um certo sarcasmo ao pacote.
Isso porque se os visuais podem chamar a atenção dos mais pequenos, algumas temáticas do jogo não são o que se poderia chamar exatamente de inocentes, com diálogos cheios de acidez e de sentidos obtusos, com camadas obviamente menos explícitas que jogos declaradamente dedicados ao público mais velho, mas ainda assim cheias de entrelinhas.
É verdade que nada é aprofundado o suficiente para se levar a sério demais, inclusive pelo formato de gameplay que, tal como o já citado joguinho da cabra, se livra de uma ideia de fracasso ou perigo – aqui como lá seu personagem não morre – e coloca todas as suas fichas na jornada.
O mundo aberto aqui também evita cair na armadilha dos mapas expansivos e das tarefas repetitivas. Quando muito, há aqui e ali uma missão para capturar um número definido de insetos ou encontrar esquemas voando por aí, mas tudo integrado de uma forma orgânica, comportada e muito bem equilibrada às metas do personagem. O que pode se tornar um pouco mais cansativo (inclusive para os platinadores e colecionistas) é fazer os 100% do jogo coletando todas as sucatas espalhadas por aí.
Dito isso, o level design tem seus detalhes principalmente na topologia, mas de forma geral é enxuto e bem aproveitado, pensando no deslocamento a pé ou por veículo. Atalhos, passagens e elevadores são estrategicamente bem localizados e são bastante úteis para se evitar aquela sensação de tudo parecer sempre longe demais, ou alto demais. Por isso, a inexistência de um sistema de viagem rápida não faz falta no começo, e é liberado só depois de finalizar a campanha para facilitar o acesso a missões que ficaram para trás.
É um jogo de exploração, sobretudo, cheio de pequenos prazeres, como disputar partidas acirradas de futebol com laranjas, roubar um carro ou outro para fazer caixa, ou ainda disputar embates motorizados com aquele amigo rival malfeitor, tudo com o objetivo de acumular dinheiro, e principalmente sucata, item essencial para aprimorar nosso possante taxi redondo e, assim, chegar até às alturas.
E se o mapa é pequeno, ele também pode ser considerado denso pelas coisas que abriga. Até mesmo espaços mais vazios, como planícies e desertos, escondem seus segredos, alguns bem direcionados por orientações de algum NPC, outros resultantes de um pouco da boa e velha exploração livre.
Esta objetividade fica transparente até na seleção quase cirúrgica de ferramentas disponíveis para compra ou como recompensa de alguma ação bem feita. Há sim alguns extras, como diferentes objetos a serem utilizados para a pancadaria (que não tem nada de combate propriamente dito, mas sim para incomodar pessoas pela rua e abrir objetos destrutíveis como caixas e sacos de lixo), mas na sua grande maioria, aquilo que se pode comprar na loja de tralhas tem um porquê bem prático.
Não que os cosméticos não estejam disponíveis, ao contrário. Há várias lojas de chapéus, um mais estiloso que o outro, para customizar nossa versão deste estranho herói. E para quem odeia convenções do mundo da moda e preferir usar um pombo na cabeça, pode ficar tranquilo que isso também pode ser feito.
Se estas perfumarias dependem do acesso rápido ao inventário pouco organizado do protagonista, por outro lado a interface do jogo é bem precisa em criar os atalhos certos para as principais ações. Com poucas ações, alguns comandos parecem fora de contexto, como acesso ao mapa e a função em primeira pessoa, mas logo nos acostumamos com eles.
Enquanto o botão de ação centraliza as principais atividades, o direcional d-pad favorece o acesso rápido ao mapa e a cada uma das três ferramentas principais, sendo uma para bater (quebrar caixas ou só incomodar os transeuntes), outra para cavar, e uma terceira para capturar. Todas funcionam de forma intuitiva e sem grandes problemas, graças a controles fluidos e funcionais, ainda que nem sempre precisos. A maior necessidade de adaptação está na locomoção do personagem pela cidade.
E é aí que o jogo acaba transparecendo um pouco de suas limitações, porque enquanto as caminhadas são verdadeiros passeios divertidos, as passagens de plataforma e deslocamento vertical acabam sofrendo com uma falta de precisão de comandos, probleminhas de colisão e cenários cheios de arestas técnicas.
Dirigir também não é exatamente um passeio no parque, e acertar as manobras em espaços apertados parece ser mais complicado do que simplesmente desistir e ir a pé. Com o tempo, acabamos aprendendo a lidar com a inabilidade de Terry em dirigir e até com as instabilidades da câmera do jogo, mas ainda assim, essa é a parte mais delicada da jogabilidade.
Para além da irritação com saltos desengonçados e das barbeiragens no trânsito, entretanto, a dificuldade praticamente inexiste aqui, já que sem a possibilidade de morrer ou nada do tipo, o pior que pode acontecer é demorar para achar uma ou outra traquitana importante, o que pode afastar quem espera algo mais desafiador.
Nada disso chega a ser comprometedor de fato para quem compreende e compra a proposta do game, já que Tiny Terry’s Turbo Trip está pouco preocupado com um sistema punitivo de exigências, tampouco tem grandes quebras de ritmo, e quando parece tender a ficar repetitivo, nos guia para uma conclusão satisfatória da rápida jornada do pequeno Terry.
Em resumo, esta viagem pode até ser curtinha – menos de 5 horas para finalizar, algumas horinhas a mais para completar tudo o que tem disponível – mas é do tamanho exato que deveria ser para encontrar o equilíbrio entre a exploração de um mundo aberto conciso, mas intenso, e a objetividade de se estar sempre caminhando rumo ao objetivo final.
Tiny Terry’s Turbo Trip não é ganancioso como correria o risco de ser se não tivesse sua essência no lugar certo. Suas mecânicas simples corroboram com uma narrativa de uma quase fábula satírica, uma crônica de um mundo fantasioso tão diferente que assusta ao ser muito parecido com o nosso.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Super Rare Originals.
Veredito
Mesmo curtinho, Tiny Terry’s Turbo Trip consegue ser marcante com seu humor sem noção, mundo aberto compacto e bem aproveitado e, principalmente, pela construção de um universo dotado de leveza, personagens interessantes e uma boa dose de bobeira tão preciosa sobretudo nestes tempos que tudo é levado a sério demais.
Even though it’s short, Tiny Terry’s Turbo Trip manages to be remarkable with its non-sense humor, compact and well-used open world and, above all, for the construction of a universe endowed with lightness, interesting characters and a good dose of silliness so precious especially in these times when everything is taken too seriously.
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