Assim que ouvi falar de Tiebreak: The Official Game of the ATP and WTA pela primeira vez, senti uma certa estranheza em como um jogo com tamanha pompa no título foi tão pouco divulgado, ao menos nos grandes espaços de mídia jornalística. Afinal, tênis definitivamente não é o esporte mais popular do mundo, mas tem o seu público, é provavelmente o mais fácil de se compreender para novatos e há grandes nomes envolvidos considerando o licenciamento das duas principais entidades do esporte. Entretanto, ao colocar as mãos no game, entendi porque tão pouco barulho ao redor dele.
Antes de mais nada, é importante ressaltar que, como jogo em seu elemento mais fundamental, Tiebreak (vou utilizar o nome reduzido para evitar gastar tantos caracteres ao longo desta análise) está longe de ser ruim. Ao contrário, considerando o gênero, há algumas boas soluções implementadas aqui que conseguem diferenciá-lo de outras opções atuais do mercado, como o TopSpin 2k25 analisado recentemente aqui no site. O que realmente torna esse game uma experiência incompleta é tudo o que está no entorno dele, algo que será mais detalhado ao longo deste texto. Em resumo, adianto que ele parece ainda incompleto, uma versão primordial do que poderia ser algo realmente bom.
Como um jogo que reúne a ATP (Association of Tennis Professionals, ou Associação de Tenistas Profissionais em tradução livre) e a WTA (Women’s Tennis Association, ou Associação de Tênis Feminino), Tiebreak reúne em seu elenco as maiores estrelas da atualidade no esporte. Nomes como Aryna Sabalenka, Daniil Medvedev, Novak Djokovic, Maria Sharapova, Iga Swiatek, Carlos Alcaraz, Roger Federer, Rafael Nadal, Naomi Osaka, Alexander Zverev, Coco Gauff e a nossa representante brasileira de maior destaque na atualidade Bia Haddad-Maia, dentre muitos outros, se fazem presentes devidamente modelados como suas contrapartes reais, algo que sempre faz muita diferença.
Também podemos perceber, no visual e no campo sonoro, suas particularidades, suas especificidades e até seus trejeitos. O modo como Novak Djokovic prepara um saque tem todo um ritual muito bem emulado, conferindo um certo realismo e, consequentemente, toda a autenticidade que se espera de um produto licenciado. Não há dúvidas de que há todo um trabalho de representação de atletas e também de ambiência, com quadras famosas meticulosamente reproduzidas com cuidado e esmero. Ter em mãos toda a liberdade de referenciar o mundo conhecido é uma bela ferramenta que aqui é utilizada bastante a contento. Isso vale também para as várias marcas esportivas e outras empresas com o nome vinculado ao circuito mundial, que além da referência, permitem a viabilidade da produção em si.
Já em relação às mecânicas de jogo, podemos concordar que tênis é provavelmente aquele esporte que menos deixa espaço para grandes inovações. Não é a primeira vez que lembro aqui que o jogo inaugural registrado na história (Tennis For Two) já era uma clara referência a este esporte, assim como o mais icônico game da primeira era (Pong). Fazer algo completamente diferente com 70 anos de legado é uma tarefa bastante difícil. Muita coisa mudou nestas décadas, mas várias se tornaram quase inquestionáveis. Como maior e mais evidente exemplo, o ponto de vista, bastante similar ao visto em transmissões televisivas, é praticamente obrigatório e, olhando para o jogo, julgo uma tarefa ingrata tentar diferencia-los de outros.
A boa notícia é que há sim alguns detalhes interessantes a serem compreendidos e reaprendidos, a começar pela construção da força a ser aplicada em cada raquetada. O golpe precisa ser “carregado” com o máximo de antecedência para alcançar o seu potencial mais agressivo. Quanto mais seguramos o botão de ação antes da bola chegar, mais potente, portanto, será o golpe, em uma clara intencionalidade explícita do jogo em valorizar a potência em detrimento à precisão. Não é necessário, portanto, reagir no tempo exato, mas sim calcular como devolver a bolinha da forma mais poderosa possível. A exceção fica por conta dos saques, estes sim um pouco mais dedicados ao timing exato.
Reações mais imediatas resultam em ataques mais fracos e, via de regra, menos eficientes. Rebater uma bola com o toque simples no botão é convidar o adversário para uma resposta imperdoável, algo que mesmo a dificuldade média, no single player, vai nos ensinar rapidamente. Há que se aprender a direcionar bem os ataques, posicionar melhor seu personagem para usar do forehand (o golpe com a palma da mão virada para frente) e o backhand (com as costas da mão de frente para a quadra) e as corridas providenciais quando se está fora de posicionamento. Os bons tutoriais são muito bem-vindos para quem precisa pegar o feeling de tempo e direção para jogar nos modos mais competitivos.
A resposta do jogo é, na maioria das vezes, bastante satisfatória, com uma janela de aceitação do comando bastante generosa, o mesmo valendo para a distância a ser aceita para uma rebatida bem-sucedida, beirando o impossível em vários momentos. O maior incômodo, aqui, é uma sensação de impotência até mesmo para o erro, já que se a CPU julga que nossa intervenção não será efetiva, ela sequer é realizada. Ou seja, se você aperta o botão no momento errado ou fora de alcance, seu personagem sequer faz um movimento ridículo no ar, o que mostraria o que está errado. Mesmo que seja um tanto quanto cafona, é um feedback que faz falta em várias ocasiões até para que possamos aprender e corrigir nas ações seguintes.
A variedade de ataques também fica aquém, visualmente e na prática, de algo que promova o rally mais alongado. Os ataques com o X e com o círculo são conceitualmente distintos, sendo um mais direto e outro mais longo, mas na prática, são muito parecidos entre si. A bola elevada com o triângulo serve para encobertas muito específicas e é lenta demais para a dinâmica do jogo, e a deixada com o quadrado, com variações de slice, é quase uma crueldade quando se aprende a usar a contento. Os saques tem três variáveis de efeitos, mas as duas mais sofisticadas, na prática, só os tornam mais lentos e fáceis de rebater. Paralelas e ataques cruzados diagonais são, para todos os efeitos, um jogo mental com o adversário, um tentando ler a escolha do outro. Funciona, é bem divertido, mas não foge de outras coisas que já vimos.
O desapontamento está, como já adiantado, fora de quadra. Antes, naquilo que é mais parcial, que é o espetáculo. Longe da pirotecnia dos modelos norte-americanos de tornar tudo um verdadeiro show, o tênis é um esporte mais contido, comportado e requintado. Aqui em Tiebreak, isso é evelado à máxima potência e é tão discreto que chega a desanimar, mesmo em competições de alto nível como os de Grand Slam. A reação do público é aleatória, com aplausos mais efusivos em jogadas comuns e silêncio em outras mais intensas. Não são raros os momentos onde se faz um ponto incrível e o clima de velório impera. O jogo valoriza pouco a ambientação e todos os ritos de preparação. Cenas corriqueiras e repetitivas de antecipação e finalização são bobas e inúteis, e a animação do sorteio via cara-e-coroa de quem saca primeiro se torna irritante depois da segunda vez.
Pior é toda a interface do jogo, que varia entre o que é pouco inspirado e as ausências evidentes. A customização de um tenista original é até satisfatória, sendo exatamente igual a um sem-número de outros editores de personagens dentro e fora do gênero. O modo Carreira, que deveria ser a maior e mais longeva forma do single player, é decepcionante para dizer o mínimo. Você pode planejar suas semanas entre descanso ou a disputa de um dos torneios disponíveis. O cansaço, presente em outros jogos similares, é um fator importante, mas os menus pouco se importam em mostrar esta gradação, com no máximo um ícone de pilha no canto superior. Outros indicadores são o de destaque junto aos fãs e outro junto à crítica, ou dentro das associações. O que se vê é que estes indicadores estão lá, mas simplesmente não funcionam, não mostram melhoras ou pioras, um defeito claro de interface.
Outro elemento protocolar que surge incompleto é o nível de personagem, que sobe conforme, obviamente, se avança na campanha, vencendo torneios e dando entrevistas. Mesmo quando estava no nível 30, eu não fazia ideia do que isso mudava a minha experiência. Não há pontos de habilidades a serem distribuídos, não há atributos sendo melhorados, não há qualquer consequência desse crescimento. Parece ser um simples status simbólico que talvez (e não tenho como ter certeza disso) dispare algum tipo de gatilho, como por exemplo as passagens de entrevistas onde se pode ser gentil, equilibrado, mal educado e tudo mais. Mas estes momentos, inclusive, não mostram lógica. Podem acontecer na segunda rodada de um torneio ATP 250 e não na final de Masters 1000 contra o Federer, por exemplo. Tudo é muito nebuloso. As vezes, tem até espaços reservados para logos não inclusos no cenário.
Há probleminhas de animação também em outros indicadores, ruídos que não foram resolvidos em algumas atualizações pós-lançamento, incluindo uma tradução em textos incompleta, com partes em português e outras em inglês. Isso nem se compara, porém, ao número absurdo de crashes pelos quais passei, muitas vezes já na tela de carregamento de final dos jogos, me obrigando a repetir partidas e mais partidas perdidas pelo sistema de salvamento automático. Um deles foi icônico quando depois de 30 minutos venci finalmente uma partida com o meu personagem comum contra o Federer, e com o travamento, perdi essa vitória, a qual não consegui repetir no retorno. O defeito é tão sério que eu simplesmente configurei as partidas para durarem só dois games e, assim, não perder runs longas simplesmente porque tinha medo de um novo tilt em cada tela.
Lamentavelmente, esse nem é o pior problema do jogo. O modo carreira é extremamente falho e frustrante na gestão de jogador. Você pode escolher, no máximo, contratar profissionais de staff para, por exemplo, treinamento ou melhoria nos voos para evitar cansaço, mas em relação ao que importa, os atributos, você escolhe se é equilibrado ou se foca em categorias como precisão ou força, mas nada de evolução, só a especialização que, sinceramente, apresenta pouquíssimos resultados práticos. No máximo, seu saque fica um pouquinho mais potente ou seus erros diminuem um pouco escolhendo entre uma coisa e outra. Mas sem qualquer resposta, porque eu escolheria ser bom em só em forehand ou backhand e não em ambos?
Para quem não quer passar por tudo isso sozinho, tem ainda o inevitável modo on-line com partidas contra pessoas do mundo todo. Minha experiência aqui, para variar, foi bastante conturbada, considerando que mesmo contra adversários com um ping sólido, os lags eram contínuos e, em muitos casos, definiram tanto vitórias como derrotas. Foram várias e várias vezes onde, em um confronto apertado, a bolinha simplesmente sumia por uma fração de segundos e aparecia do outro lado, já configurando o ponto. Do meu lado, eu me irritava, mas percebia vários bons jogadores que estavam melhores que eu perdendo lances bobos claramente porque não conseguiram reagir pelo mesmo bug.
Outro problema evidente está na inteligência artificial do jogo. Pode-se afirmar que o nível de dificuldade está diretamente relacionada a ela, como em basicamente todos os jogos, mas aqui é a forma mais crua que eu já vi em toda a minha vida. Na dificuldade mais fácil, não é que os adversários rebatem com menos precisão, correm com menos velocidade ou usam menos força. Eles simplesmente desligam. A bola, na maioria das vezes, passa ao lado e eles não se movem e, não raro, a bola bate neles como se fossem manequins mortos. Para curiosidade, o vídeo que abre esta análise conta com uma partida em duplas no modo fácil, com uma derrota minha que se tornou uma batalha de saques não respondidos pelos parceiros.
Na outra ponta, na dificuldade mais elevada, todas as ações da CPU são simplesmente as mais perfeitas do jogo, com a força máxima e a precisão milimétrica em todas as bolas, todos os saques, todas as subidas à rede, desconsiderando a humanidade do personagem que se torna uma máquina imparável. Muitas vezes percebi a máquina reagindo à direção que eu escolhia antes mesmo de eu encostar na bola, ficando transparente que ela respondia ao meu comando prévio, não ao que efetivamente estava ocorrendo em quadra. Resulta de tudo isso que, jogando nas dificuldades de meio termo, estes presets da IA ficam escancarados, e pontos improváveis acontecem quando a máquina só decide não reagir a tempo ou reagir cedo demais. Simplesmente medonho.
Tudo isso, em resumo, torna a sensação de se jogar Tiebreak: The Official Game of the ATP and WTA um misto entre breves períodos de contentamento com mecânicas satisfatórias, mesmo que longe de serem surpreendentes ou inovadoras; e todo o resto, que se prova em estágios primários de desenvolvimento, quase que em fase beta, seja por um modo carreira simplório e cheio de bugs e incongruências, um modo on-line que se provou prejudicial ao equilíbrio entre adversários mesmo com estabilidade de conexão e uma inteligência artificial completamente deficiente e mal disfarçada. Perto de tudo isso, até o visual esforçado, mas fraco, se torna uma virtude em um jogo com algumas boas intenções, mas claramente longe de estar pronto. É como um tenista novato cheio de talento que até consegue dar suas boas rebatidas, mas que não tem a bagagem nem para pisar no chão sagrado de um Grand Slam.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Nacon.
Veredito
Tiebreak: The Official Game of the ATP and WTA é, em essência, um jogo aceitável que se apropria de velhas mecânicas com alguns toques interessantes. Mas todo o resto, como um modo carreira simplório, um sistema online quebrado, problemas técnicos graves e uma IA tenebrosa impedem que o jogo, mesmo com um licenciamento de respeito, seja minimamente proveitoso.
Tiebreak: The Official Game of the ATP and WTA is, in essence, an acceptable game that appropriates old mechanics with some interesting twists. But everything else, such as a simplistic career mode, a broken online system, serious technical problems and a terrible AI prevent the game, even with a respectable license, from being minimally enjoyable.
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