Você é um náufrago e está perdido em uma ilha isolada do resto do mundo. Ao acordar, percebe que além de ser incapaz de voltar para casa, precisa aprender a lidar com o ambiente, garantir comida, abrigo, um meio de conseguir se recuperar e, claro, tentar fugir dali. Você já deve ter visto essa premissa algumas vezes em obras da cultura pop, como no cinema, na literatura e obviamente nos videogames. The Survivalists parte desse clichê básico, apresentado logo nos primeiros segundos do jogo. O que vem adiante é que pode lhe conferir um diferencial quando comparado a outros tantos produtos similares.
Produzido pela Team 17 Digital, o game faz parte do mesmo universo de outro grande sucesso do estúdio, a série The Escapists, e compartilha com ele alguns aspectos bastante marcantes. O primeiro deles, talvez o mais óbvio, é a composição visual que se apropria do já consagrado estilo pixel art, abusando de cores e sprites cheios de identidade. Personagens são muito bem resolvidos e a estruturação do ambiente cumpre bem o seu papel, com elementos facilmente reconhecíveis. Os efeitos do ciclo de dia e noite funcionam bem ao apresentar os perigos que vem com a escuridão e a tropicalidade dos dias ensolarados. O vídeo, que acompanha essa análise e representa nossos primeiros minutos aprendendo as principais mecânicas do jogo, é uma boa demonstração do estilo audiovisual da produção e quem já conhece o trabalho da Team 17 vai se sentir em casa.
Ao chegar à ilha em sua embarcação improvisada, o jogador irá se deparar com uma primeira tarefa, a de personalizar seu herói. Elementos simples, como tonalidade de pele e tipos de corpo e de cabelo são suficientes para personificar um sobrevivente e deixá-lo do jeito que você deseja. Essa função está disponível também a qualquer momento da jogatina, então é interessante poder ir alterando esse visual, e para aqueles mais engajados, ir acompanhando a evolução do personagem ao longo dessa estadia forçada em terras desconhecidas. Vale a pena, por exemplo, começar com um cabelo bem arrumado e barba feitinha e aos poucos ir alterando isso, demonstrando a passagem do tempo sem um barbeador de qualidade. Um detalhe bobo, mas que não deixa de ser legal ao dar essa liberdade ao jogador.
Essa diferenciação não é só característica do personagem. Como já se tornou algo bastante presente em jogos do gênero, o ambiente é gerado proceduralmente, ou seja, a partir de alguns parâmetros e algorítimos pré-definidos, ele se torna diferente do que se apresenta para outros jogadores. A exploração, portanto, se torna bastante única a cada nova jornada, e as estratégias de defesa e de exploração precisam ser adaptadas para que o jogador não esteja longe demais de casa quando a noite cair e os perigos se espalharem. Há uma série de pequenos probleminhas que são resultado dessa geração dinâmica de cenários, como caminhos tortuosos, algumas árvores, pedras e outros obstáculos naturais bem mal colocados e uma dificuldade bizarra de locomoção. Claro, com o tempo será possível moldar melhor esse ambiente, cortando árvores e escavando pedras de acordo com o seu desejo, mas mesmo assim, os troncos continuam sendo um estorvo.
Mas já estamos nos adiantando no tema. Voltemos ao conceito básico do jogo: uma vez estabelecido, você deverá explorar o ambiente para coletar recursos dos mais diversos. Os primeiros desafios e sugestões, que funcionam basicamente como um tutorial, já adiantam as bases de toda a estrutura onde se apoia a jogabilidade. A primeira das tarefas é criar uma ferramenta rústica, que será necessária para a exploração de matérias-prima, como madeira, pedra, folhas, comida, etc. Outro elemento essencial logo no começo da jornada é a fabricação de uma cama improvisada, necessária para que o personagem possa dormir e descansar, mas principalmente para salvar o jogo. A cada nova criação, outras de mesma natureza vão sendo liberadas em uma rede complexa o suficiente para oferecer diferentes formas de abordagem e de prioridade.
Depois de ter alguns objetos em mãos, chega o momento de buscar ajuda. É possível, e necessário, que se recrute simpáticos macaquinhos que estão soltos na ilha para que eles expandam a capacidade de exploração, criação e até combate. Isso é possível por um sistema de imitação: para que o animal lhe seja fiel, basta realizar algum pré-requisito (como soltá-lo de uma jaula ou oferecer algo tipo de produto que ele deseja, por exemplo) e ele o seguirá fielmente. Uma vez acompanhado, basta realizar uma tarefa simples com a atenção do bicho acionada para que ele aprenda a função. Aí é só entregar a ferramenta adequada a ele que aquela tarefa será feita automaticamente, liberando o jogador para outras atividades.
Essa funcionalidade começa como algo só bacaninha, mas logo se torna essencial, principalmente porque algumas criações mais sofisticadas demandam bastante tempo e acaba sendo um pouco enfadonho criar cada uma delas com personagem principal. Assim, ensinar as mecânicas básicas para um macaco é uma ótima forma de avançar com mais agilidade pelos caminhos possíveis do game. Aí fica fácil, por exemplo, estabelecer onde construir alguns muros, ou delimitar algumas árvores a serem derrubadas, e deixar com que seu companheiro faça o serviço pesado. Recrutando mais símios, mais tarefas podem ser realizadas ao mesmo tempo e você se torna muito mais um gerente de construção do que um trabalhador solitário.
Já em termos de combate, é necessário explorar algumas tumbas que vão sendo reveladas conforme se explora o ambiente, e lá há inimigos poderosos. Ter um exército à sua disposição significa chegar com vantagem a essas localidades e, portanto, aumentam muito a chance de sucesso. Há uma surpreendente dinâmica de ataque que pode agradar quem procura momentos de pico de ação em meio a uma vida pacata de sobrevivente. A vitória contra inimigos ou animais selvagens menos sociáveis que os seu amigos macacos pode ser bem recompensadora tanto no aspecto simbólico – vencer um urso usando ferramentas rústicas nos deixa orgulhosos – quanto no prático, com recursos raros muito bem-vindos.
A derrota, por outro lado, não chega a ser desastrosa, já que a maior punição é perder todos os recursos que o jogador carregava consigo, incluindo as companhias. Aí é necessário retornar ao local onde isso aconteceu para recuperar tudo o que foi perdido, tomando cuidado para não piorar as coisas. Os inimigos, porém, não ficam contidos em suas regiões, e vez ou outra você deverá lidar com uma invasão ao seu acampamento, se acabará por destruir uma série de avanços realizados. Os perigos, contudo, parecem muito mais brandos do se espera para jogos desse tipo e falta a The Survivalists uma sensação de urgência inerente ao gênero.
A comida é relativamente abundante e só fica com fome quem acaba esquecendo de coletar recursos. Há ciclos de renovação de recursos e, em alguns dias, todas as plantas com frutas voltam a surgir e você pode explorar tudo novamente. Quando se consegue desenvolver os primeiros recursos de caça, com armadilhas, por exemplo, não faltará carne à mesa e logo você terá que lidar muito mais com onde guardar seus recursos do que com a falta deles. A dificuldade imposta pelo game, no final das contas, está muito mais no tempo que se demora para conseguir quantidade de ingredientes do que na escassez dos mesmos. Da mesma forma, perder alguns deles pelo caminho ou receber uma invasão é só um modo de atraso, não uma falha em si.
Outra questão que pode causar alguns desencontros é a quantidade de menus e o encadeamento de receitas e ingredientes. Você tem basicamente duas formas de criação iniciais: uma de recursos que vão ser fixados na sua base (ou onde quem que você decida colocá-los), como camas, cadeiras, fogueiras, baús, etc.; e os que você pode carregar consigo, como ferramentas, ingredientes básicos (tábuas, feixes de palha, cuias, e por aí vai). Ambas as categorias estão em ramificações diferentes, uma acessível pelo Triângulo e outra pelo R2. A mesa de criação, que pode ser fixada também na sua base, é uma expansão de um desses menus e há outros tantos conforme se aumenta a capacidade da sua casa. Esse encadeamento de criação se torna um pouco truncada conforme se estabelecem pré-requisitos dentro de pré-requisitos.
O fato do inventário ser propositalmente limitadíssimo também contribui para esse processo custoso em termos de tempo e até paciência. As vezes é necessário pegar coisas no baú, guardar outras, voltar, criar, guardar outras coisas, pegar outras novamente, ir até a mesa de criação, usar os ingredientes, torcer para ter as quantidades exatas de cada um, ir até a forja, faz uma dobradiça a mais, voltar a outro espaço… enfim, criar coisas de algumas pedras e uns pedaços de madeira deveria ser mesmo meio complicado, mas outros games do gênero já apresentaram soluções muito mais práticas para esse processo.
Um exemplo disso é a necessidade de criação de uma tábua com madeira coletada, que será base para algum equipamento de madeira que por sua vez será utilizado como matéria para uma construção maior. Como não é possível criar esses elementos dentro dos mesmos menus – alguns precisam de 2 ou 3 materiais diferentes – é um trabalhão braçal criar coisa por coisa até se chegar na coisa principal. Para um jogo onde há uma série de produtos a serem feitos, não há macaco que dê jeito na burocracia da produção de tantas elementos para se chegar naquilo que se precisa. Faltou um sistema mais ágil de criação em cascata, como alguns RPGs e outros games de crafiting fazem.
Isso também afeta a experiência para os exploradores. Essa limitação no inventário prejudica expedições mais ousadas, já que ter pouco espaço consigo significa também conseguir carregar menos coisas na ida – para conseguir se defender e também extrair recursos – e no retorno, o que pode significar deixar parte dos espólios para trás. Isso é extremamente frustrante quando se consegue ir longe, vencer um desafio imponente, mas na hora de trazer as coisas, deixá-las para buscar depois, em outra viagem demorada a pé.
O escopo da experiência ganha novos contornos quando se adquire a capacidade de criar uma jangada para explorar novas localidades próximas, sobretudo outras ilhas satélite da que estamos. O simples se torna mais complexo quando se descobre que há muito mais coisa acontecendo ali, e que tumbas subterrâneas fazem parte de uma rede estrutural muito maior. Não se espante se, de repente, encontrar uma cidade perdida com fortes inspirações estéticas em civilizações americanas pré-colombianas escondida em meio a coqueiros e águas límpidas. Há uma série de novos mistérios a serem desvendados, tesouros a serem encontrados e um mundo todo que vai se revelando aos poucos.
A coisa toda fica mais divertida compartilhando esse mundo com outros jogadores em modo cooperativo. Na avaliação do jogo, não encontrei tantas pessoas assim na mesma situação que eu, mas as poucas horas em que estive acompanhado renderam ótimos resultados, mesmo sem conseguir falar com o sujeito. Fica a perspectiva que ao lado de outros três amigos – o jogo permite compartilhamento de até quatro jogadores – tudo isso fique ainda mais divertido, ainda que o perigo se tornaria, em tese, ainda menos ameaçador. Tal como Don’t Starve e outros similares, a diversão acompanhada parece ser maior e um das verdadeiras bases da proposta do game.
The Survivalists traz o pacote completo de exploração, descoberta, exploração, coleta de recursos, criação de ferramentas, gestão de base e tudo aquilo que se espera de um jogo do gênero. Conseguir recrutar animais para atividades corriqueiras é uma bela adição à proposta do jogo, mas ela acaba sendo compensada negativamente pelos caminhos intrincados para criações mais sofisticadas. A exploração valoriza a coragem e pune pouco os mais ousados, transformando um sistema de sobrevivência em algo que está muito mais pautado na expansão dos horizontes, não no dia-a-dia de um náufrago coitado, e antes que você se dê conta, estará liderando um verdadeiro exército primata contra perigos maiores.
No final das contas, é um jogo que consegue partir de alguns lugares comuns do gênero, encontra elementos originais para manter o interesse do jogador, mas tropeça nos sistemas de criação e nas mecânicas de suporte, além de oferecer uma certa inconstância sobre o sentimento de perigo. As vezes, tudo parece que uma hora ou outra vai funcionar, independente do quão estratégico fomos, e só vai demorar mais ou menos de acordo com a nossa ousadia em buscar os recursos pelo cenário. Ainda assim, o game nos leva para lugares inesperados, a imprevisibilidade dos cenários traz uma nova camada de descoberta e a exploração compensam e fazem de The Survivalists uma boa pedida para os fãs do gênero.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Team 17 Digital.
Veredito
The Survivalists não é dos jogos mais originais de todos os tempos, mas consegue entregar ao jogador tudo o que se propõe, com um belo sistema de criação (ainda que seja mais truncado do que deveria), um visual pixel art caprichado e segredos cada vez mais curiosos para os mais dedicados, oferecendo uma dose extra de diversão para se jogar sozinho ou ao lado de outras pessoas.
The Survivalists is not one of the most original games of all time, but it manages to deliver everything that it proposes to the player, with a great creation system (although it is more truncated than it should be), a neat pixel art look and secrets every time more curious for the more dedicated, offering an extra dose of fun to play alone or with other people.
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