Curiosamente, mesmo não sendo um jogador convicto de League of Legends – falo daquele original, que se tornou um dos maiores fenômenos da cultura pop deste século – estou aqui na análise de um segundo projeto derivado da franquia, parte de um plano transmidiático ousado e muito bem-vindo da Riot Forge em levar sua propriedade intelectual para outros públicos. Então tendo experimentado brevemente o jogo original e me apaixonado tanto pelo game Ruined King (do qual falei um pouco mais na análise aqui pro site) quanto pela série animada Arcane, da Netflix, as expectativas pelo novo jogo sempre foram altíssimas.
The Mageseeker: A League of Legends Story traz a franquia agora para um sistema de RPG de ação em visão isométrica, em um novo recorte deste vasto universo, que conta a história de Sylas, mais um dos campeões veteranos de LoL, aqui retratado como um sujeito bastante descontente com as correntes que o prendiam – as literais e as metafóricas também – e que usa sua sensibilidade para o uso de magia para se aliar a um movimento de revolta contra seus captores e, enfim, subverter as relações hierárquicas de poder, algo que acaba não só mexendo com o status quo da classe, como respinga em toda a ordem estabelecida. Uma história de vingança das mais conhecidas no mundo da fantasia, tal como já vimos, dentre tantos outros lugares, na trilogia original God of War, e que aqui é muito bem escrita e equilibrada para dar sustentação à sede pela violência nutrida pelo seu protagonista. Então, se não é exatamente uma história pretensamente original, ela cumpre bem o seu propósito ao nos dar a substância necessária para sabermos de onde partimos, por onde passamos e onde devemos chegar.
O senso de propósito funciona, afinal de contas, porque o jogo é muito transparente sobre suas pretensões e, melhor ainda, ainda mais competente em implementá-las. O resultado é um rápido e dinâmico modelo de gameplay com combos performáticos e grandes inspirações em obras como Hades e outros similares, cuja capacidade de aprender movimentos e combinações cada vez mais complexos é acompanhada pelo nível solidamente crescente do desafio. Aqui, a regra máxima do design de jogos de se proporcionar algo fácil de aprender, mas difícil de se dominar é quase um mantra evidenciado pelo trabalho eficiente de escalonar a diversidade de ataques inimigos junto com a quantidade deles em tela. Curioso refletir sobre o tema, já que essa curva ascendente é orgânica e muito bem orquestrada para que o jogador esteja em constante sensação de que dedicação e bonificação seguem equilibrados do começo ao fim.
Assim, se no princípio nos deparamos com uma dinâmica já bem confortável para qualquer pessoa que conheça o gênero com alguns combos comuns e a inevitável esquiva, mais adiante aprendemos a dominar melhor o ambiente e tudo o que nos cerca para utilizá-los a nosso favor, e que bom que esse movimento é constante porque o game realmente nos cobra essas novas capacidades. Ou seja, se você aprendeu a, por exemplo, se apropriar de uma magia agressora para devolve-la, isso lhe será muito útil logo adiante. Não que não seja assim em outras produções, claro, mas aqui eu senti que aquilo que se acumulava em minha árvore de habilidades era muito mais do que um catálogo de opções, mas sim um arcabouço de possibilidades de se superar áreas que poderiam ser pesadas demais se eu decidisse manter um padrão pessoal de ataque e de defesa.
Contudo, há aqui um descompasso entre o aumento progressivo da capacidade de batalha e dos obstáculos com aquilo que LoL tem de mais encantador, que é o seu lore. The Mageseeker abusa da repetição tanto de ambientes como de perigos e restringe drasticamente o seu alcance para meia dúzia de arquétipos inimigos que estão sempre se multiplicando à exaustão na tela a ponto de um comportamento de horda quase nunca se justificar diegeticamente, o que não causa exatamente um prejuízo para os ciclos e reiterações de um típico jogo de ação, mas que enfraquece ainda mais o storytelling que deveria, por si, trazer uma nova perspectiva da riqueza desse mundo fascinante. Talvez esta seja uma sensação muito mais pelo olhar de quem espera ser capturado como fora lá em Ruined Kings do que pelo que o jogo se propõe, mas é um apelo narrativo menos imersivo que outras experiências da franquia.
Salvo o elemento contextual, a jogabilidade é simplesmente precisa e irretocável. O uso da esquiva enquanto um elemento estratégico é particularmente algo que me agrada muito. Mais do que ficar o tempo todo escapando de ataques padronizados, entender como utilizar ativamente esse recurso para reposicionamento foi uma das minhas melhores experiências em jogos do gênero. O mesmo vale para o encadeamento de combos, que se em algum momento se tornam sedutores para aquela boa e velha abordagem de se esmagar botões, logo nos mostra que a precisão bem pensada é mais proveitosa do que a voracidade de se apertar tudo até que não sobre mais ninguém em pé. Em outras palavras, aqui temos uma ótima proposta que leva a sério a premissa de que fazer direito acaba sendo mais eficiente do que fazer rápido.
Ainda assim, mesmo que adotemos um tom mais cirúrgico de ação, o game é uma verdadeira explosão de efeitos e coisas acontecendo na tela. O estilo de arte pixelizado e um verdadeiro charme que tem muito a oferecer para The Mageseeker, valorizando a variedade de cores, conferindo muita personalidade e carisma ao herói, seus aliados e seus desafetos, e garantindo que o estilo espalhafatoso das magias elementais deem o tom do jogo. Por sua vez, senti falta desta mesma ousadia na composição dos cenários, que chegam a se tornar repetitivos muito rapidamente perdendo um pouco da sua relevância artística para a obra. Ainda que a cenografia esteja correta e a interface de HUD seja bem aproveitada, o local da pancadaria é o que menos me cativou durante quase todo o tempo. No final das contas, claro, com toda a loucura quase ininterrupta em tela, esse é só um mero detalhe.
Aliás, no que se refere ao gerenciamento, o jogo é muito bem resolvido com menus objetivos, tipografia coerente com a estética e muito agradável, e um sistema de árvore de habilidades didático e bem fácil de se compreender, mesmo que pareça exagerado para o tamanho da obra no começo. Soma-se a ele, a tradicional forja que fica disponível logo nas primeiras missões e nos permite adquirir melhorias definitivas que favorecem aqueles que se dedicam a explorar os poucos, mas necessários caminhos alternativos das missões. Somados aos benefícios das missões secundárias, nada parece estar sobrando e tudo parece bem integrado ao projeto. Por vezes, senti falta de um pouco mais de exploração alternativa, chefes opcionais e outras artimanhas típicas de um RPG, mas talvez seja eu querendo um pouco mais daquilo que se mostrou tão bem feito.
Entretanto, a soma da dinâmica acelerada com a ousadia estética pode ser um incômodo principalmente durante a segunda metade da campanha, quando a profusão de elementos em tela nos deixa confusos do que está acontecendo efetivamente. Não foram poucas as vezes onde eu estava tentando entender o que estava vendo, perdendo momentos preciosos só para racionalizar se eu estava batendo ou apanhando em meio a luzes, faiscas, explosões e outros artifícios pirotécnicos. E isso tudo pode cansar mentalmente em sessões prolongadas, destoando um pouco da leveza tão característica de jogos como esse, sem um peso dramático intenso. Tudo acontece rapidamente, atravessamos ambientes como corredores com bolsões de combate interconectados, e cada fase não dura tanto tempo assim. Este é o tipo de jogo ideal para encaixar naqueles quinze ou vinte minutos de bobeira, já que dá pra progredir bastante em um tempo condensado.
Impensável também esquecer de destacar uma trilha sonora que pode até ficar tão confusa quanto o que acontece na tela nos momentos de maior tensão, mas que mantém a excelente qualidade no que se refere a composições musicais que conseguem transmitir uma tranquilidade quase intimista sem, ao mesmo tempo, perder aquela sensação de dinamismo e de quase ritmar o combate, sem contudo competir que efeitos e ruídos in-game. Há uma mistura de tendências instrumentais que evocam o épico, o tribal e diversos tons regionalistas que, curiosamente, resultam em algo que foge dos estereótipos e se mostra verdadeiramente autêntico.
Se nenhuma das músicas é especialmente memorável, todas são muito eficientes em criar a sensação de urgência nas arenas populosas e de tranquilidade nos trechos de passagem entre um foco de ação e outro. A cereja do bolo é a total localização do título, tanto na dublagem de algumas cenas dialogadas, quanto no texto de conversas e menus, que é onde 90% das informações importantes está. Entre missões há uma série de diálogos importantes e conversas opcionais, e vez ou outra encontramos documentos bem ricos em aprofundar as temáticas nem sempre abordadas na linha narrativa principal. Com um ou outro errinho bobo de tradução ou digitação, a excelente qualidade do trabalho segue um padrão exigente da franquia para com o nosso país.
No conjunto da obra, The Mageseeker: A League of Legends Story é extremamente competente naquilo que se propõe, e evita abraçar o mundo todo em um único lugar. Ciente de sua parcela enquanto uma peça de uma estrutura quase mosaical que é o universo de LoL, o jogo é muito bem realizado dentro do seu escopo, ainda que pareça tímido quando desafiado a explorar com mais ambição o background coeso sobre o qual é construído, o que lhe traz uma narrativa comedida até demais. Ao mesmo tempo, a generosidade visual e o gameplay acelerado nem sempre resultam em um conjunto confortável de se entender, algo que não tira o brilho de ambos os aspectos individualmente, mas que merecia um refinamento quando somados. Pessoalmente, eu gosto mais do combate em tempo real quando na comparação com o por turnos de Ruined King, mas o tripé entre narrativa, mecânica e estética lá parece mais refinado que aqui.
Dito isso, este é um jogo muito bem estruturado, cheio de detalhes que todo fã de longa data da marca vai adorar, e que se junta a um grupo muito bem articulado de conteúdos, confirmando a estratégia acertada em abrir o leque para outros nichos que não o que se engajou no game original. É corajoso ao evitar replicar as mesmas escolhas de design de outrora, não tem vergonha de arriscar em certos pontos e é um ótimo game para os entusiastas daquela ação desavergonhada que tanto fez sucesso anos atrás. Sem exigir conhecimento prévio da franquia, o jogo funciona perfeitamente bem como produto único, é completo em si mesmo, e mesmo sendo um deleite para quem já viu certos elementos antes (aguarde para encontrar alguns velhos conhecidos de outros tempos), ele não se restringe a retroalimentar a si mesmo. Em tempos onde universo compartilhado pode significar amarras criativas, eis aqui um bom exemplo de como coesão e liberdade criativa podem sim funcionar muito bem juntos.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Riot Games.
Veredito
The Mageseeker: A League of Legends Story é uma ótima produção derivada da franquia cheia de bons acertos. Como RPG de ação, é dinâmico, veloz e tem muito estilo, mesmo que sofra com uma história nem sempre inspirada e com uma certa poluição estética. Tanto precisão quanto diversidade de combate garantem a diversão elevada do começo ao fim da campanha.
The Mageseeker: A League of Legends Story is a great production derived from the franchise full of good hits. As an action RPG, it’s dynamic, fast and has a lot of style, even if it suffers from a not always inspired story and a certain aesthetic pollution. The combat diversity guarantee high fun from beginning to end of the campaign.
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