Não faz muito tempo, cá estava eu falando sobre a árdua (e ao mesmo tempo fascinante) experiência de construção de uma análise crítica tentando conjurar a porção fã com a missão de buscar artifícios ditos imparciais e, deste modo, oferecer uma visão com a qual vocês, leitores, podem se relacionar de alguma forma. Na ocasião, falava de The Lord of the Rings: Gollum, que mesmo com algumas ideias melhores do que o esperado, trouxe uma execução tão tenebrosa que acabou se tornando um ícone da falta de inspiração escondida por trás de uma grande marca. Para mostrar que nem tudo se torna uma lição a ser aprendida, eis que chega para os consoles de mesa, depois de um lançamento discreto pelos PCs, o (nem tão) aguardado The Lord of the Rings: Return to Moria.
O game é localizado em um período pouco conhecido (ao menos pelo público médio) do universo criado por Tolkien, que é basicamente aquele que se desenvolve após a jornada vivida por Frodo Bolseiro, Gandalf e todos aqueles personagens maravilhosos que acompanhamos em uma das aventuras mais incríveis já contadas. Chama de Quarta Era da Terra-Média, este período é aquele que Elrond, no epílogo de O Senhor dos Anéis, preconizava ser o momento do domínio dos homens. Os heróis da nossa narrativa, porém, são pertencentes a um outro povo que tem suas próprias pendências para resolver, e como já vimos antes em O Hobbit, retomar aquilo que lhes pertenceu, sobretudo quando isso significa reviver os tempos de apogeu de sua civilização, é algo muito caro aos anãos, escrito assim mesmo, com a grafia determinada pela lore de Tolkien.
Acompanhamos então o mais célebre dentre os seus, Gimli, filho de Glóin, também pertencente à lendária Sociedade do Anel, agora cumprindo uma promessa que fizera para si mesmo, a de vingar sua família e retomar as Minas de Moria, aquelas mesmas vistas no primeiro livro/filme que acabou caindo em desgraça quando aqueles que as exploravam foram um pouco longe demais e despertaram um mal supremo. Dominado por orcs e outras criaturas bem menos civilizadas, o lugar precisava de uma grande comitiva, formada por membros de vários clãs dos anãos, para ser retomada, e é aqui onde nosso personagem se encaixa na história. Criado pelo jogador, ele acaba se envolvendo em um pequeno acidente que o isola dos demais, o que o obriga a se virar sozinho (ou acompanhado de até mais sete amigos), ao menos no começo, tentando sobreviver enquanto explora aquele lugar tão perigoso.
O chamado à aventura (permito-me pegar emprestado um termo comum da chamada Jornada do Herói porque, bem, este universo se presta a isso) não vai fugir de outros modelos tão comuns não só em jogos inspirados na alta fantasia medieval, como também em quaisquer games do gênero que nos lembremos sem tanto esforço. Um personagem que se encontra em uma situação desfavorável precisa reerguer algo destruído, buscando recursos, construindo estruturas, explorando o ambiente, tudo isso enquanto tenta não morrer de fome, de frio ou vitima dos inimigos à espreita. O espaço é, normalmente, também um personagem, algo que se remodela, que se transforma, que se torna querido por quem cuida dele. A questão principal que se coloca é que The Lord of the Rings: Return to Moria se apropria de um universo tão querido muito mais como uma skin, um pano de fundo para algo que é, na verdade, um jogo de sobrevivência como qualquer outro, que sequer parece querer que as minas brilhem novamente.
Meu anão, o Montanaro (nome aleatório, claro), tinha como meta, portanto, acender uma fogueira, criar uma picareta, extrair pedra, madeira, metal e carvão das paredes decrépitas daquele lugar, para assim poder criar ferramentas mais poderosas, como, pasmem, uma picareta mais forte e coisas do tipo, e aí sim conseguir extrair mais matérias-primas e… assim por diante, um ciclo que pode definir desde Harvest Moon e suas infinitas inspirações, até Minecraft e outros jogos sandbox. E se há perigos e obstáculos à espreita, como orcs, gobblins, uruks e uns lobos esquisitos, tudo é só mais um artifício corriqueiro que estabelece um perigo iminente, algo que surge para criar complicações esperadas para a iteração, e ao mesmo tempo trazem um pouco de ação para um jogo que as vezes quer se lembrar, sem muito sucesso, de onde ele surgiu.
As mecânicas, pelo lado positivo, são facilmente reconhecíveis por qualquer pessoa que já tenha experimentado qualquer coisa parecida antes, e toda a interface se baseia em alguns casos muito bem sucedidos anteriormente do gênero, mais famosas ou nem tanto, como Monster Harvest por exemplo. Até mesmo a disposição dos itens no inventário é um lugar-comum. Entretanto, olhar para isso é, infelizmente, tentar pensar no copo 10% cheio, porque o que se vê é uma implementação bastante rudimentar destes modelos, algo que parece superado pelos expoentes deste nicho há mais de uma década. Por mais que se esforce, Return to Moria parece um jogo qualquer de duas gerações atrás, mesmo naquilo que deveria ser seus maiores méritos: a coleta de recursos, a criação de itens mais sofisticados, a customização do ambiente e a criação de bases para além de um lugar para dormir perto da fogueira.
O problema não seria tão grande, porém, se não fossem as mecânicas de enfrentamento de inimigos e agressores. O sistema de combate é simplesmente medonho, principalmente quanto tenta não ser. Você pode construir espadas, machados, arcos e outras armas convencionais para atacar no corpo-a-corpo e a distância, fundindo metal e outros minérios mais poderosos, para assim se defender seja de invasões às bases estabelecidas, seja em novos locais dominados pelas hordas inimigas, mas quando a coisa aperta e você precisa lutar, as batalhas são lentas e desengonçadas, com impacto e hitbox inexplicavelmente toscos. Mesmo ao se apropriar de escudos e buscando criar um ritmo de defesa e ataque, tudo parece completamente grosseiro e nunca, mesmo em vantagem, se torna algo divertido ou tenso de verdade.
Claro que eu não esperava algo tão fluido como nos saudosos Sombras de Mordor ou Sombras da Guerra, estas sim as últimas grandes adaptações deste universo, mas ainda assim, mesmo com expectativas baixas e compreendendo totalmente que este não é foco do jogo, a decepção é inevitável, a ponto de que encontrar grupos inimigos só trazia aquela sensação do “e lá vamos nós de novo”. Bate, esquiva, defende, se posiciona… tudo poderia ser exatamente o que é e mesmo assim ser divertido, mas no fim é só uma dinâmica desajeitada e enfadonha. Para um jogo que eleva os anãos para o protagonismo, aqueles que reconhecidamente estão sempre dispostos a descer o machado em qualquer um que olhe torto pra eles, ter como ponto mais baixo o sistema de combate é um grande tropeço.
A elaboração do mundo e o design de ambientes também ajuda pouco a criar qualquer empatia pela causa anã. Desde o princípio, já se poderia imaginar que um jogo que se passa basicamente dentro de uma grande caverna teria muitas dificuldades em apresentar diversidade de ambientação e soluções interessantes de iluminação, biomas e tudo mais. The Lord of the Rings: Return to Moria sabe disso e ganha alguns pontos pelo esforço em renovar o espaço de tempos em tempos. De cavernas escuras e pegajosas, passamos para estruturas em ruínas, ambientes abertos que emulam a superfície de um jeito até agradável, construções um pouco mais suntuosas, para depois nos levar para profundezas e locais ainda mais assustadores. Tudo isso, porém, recheado com grandes passagens repetitivas de nada com coisa nenhuma.
Muitas vezes, percebe-se uma repetição cautelosa de padrões de construções, como salões enormes e vazios cheios de pilares distribuídos cartesianamente, que ora ou outra abrigam inimigos escondidos, estátuas a serem restauradas, fontes de algum material um pouco mais raro e coisas do tipo. É triste, aliás, que estejamos limitados a explorar partes muito específicas, e retirar pedra de uma coisa feita só de pedra é o mesmo que buscar metal raro ou pedras preciosas. Há um bom incentivo em procurar por artefatos colecionáveis para devolver a altares e assim ganhar alguns agrados, como receitas para novos equipamentos. De quebra, caçar animais – hostis ou não – traz recursos para elaborações mais interessantes como peças de armadura, além de carne, que pode ser cozinhada para efeitos mais eficientes do que sua versão crua. Perceba que aquilo que se espera de um jogo de sobrevivência está aqui, mas quando muito, repetindo o que já vimos antes, e no pior dos casos, de um jeito menos orgânico ou divertido.
Também não ajuda a se desenvolver qualquer sensação de imersão e pertencimento o trabalho estético bastante instável. Os personagens – amigos ou inimigos – até tem seus bons momentos, mesmo que a customização de nosso herói não seja muito inspiradora. Nossos adversários não demoram a se provar um tanto quanto repetitivos e sem qualquer personalidade, e tirando uma ou outra linha de diálogo que eles ficam gritando pelos corredores, são simplesmente peões genéricos que tem a mesma função na trama de uma cadeira estragada de madeira. Inacreditável que o já exaltado Middle-Earth: Shadow of Mordor esteja completando quase 10 anos de existência e pareça ser 10 anos mais novo que The Lord of the Rings: Return to Moria, mesmo descontando o escopo de investimento de ambas as produções.
Impossível desconsiderar também a extrema repetição de padrões, texturas de qualidade duvidosa escondidas na luz precária das cavernas de Moria, e um modelo de colisão que irritaria até mesmo o pacífico Samwise Gamgee. O trabalho de construção de estruturas como paredes e plataformas parece até reconhecer esse problema e mesmo quando se recusa a permitir uma instalação, ela acaba funcionando. Soma-se a isso uma iluminação que até funciona, principalmente quando nos utilizamos, pasme você, de tochas confeccionadas para enxergar alguma coisa, mas que em vários momentos apresenta bugs e outras inconsistências técnicas desagradáveis. A geração de partículas também sofre e toda a ambientação artística da obra, mesmo com reconhecidos esforços pontuais, é lamentavelmente risível.
Há, claro, o multiplayer que tem a dádiva de melhorar coisas sacais simplesmente por estarmos jogando com alguém que nos distrai dos defeitos, mas mesmo isso não salva o game por muito tempo. Experimentei uma nova jornada com um amigo e tudo aquilo que eu já não havia gostado ficou pior. O combate, estando preparado ou não, é só uma repetição desesperadamente chata. A colaboração precisa de um recuo estratégico, seja para se renascer no último acampamento, seja para reanimação, então saber onde estabelecer as bases ou como abordar os desafetos demanda uma negociação interna, o que é bacana, mas por outro lado dividir tarefas corriqueiras mais parece aquelas conversas em casa de quem vai colocar o lixo pra fora e quem vai lavar a louça do almoço. O ritmo lento e o avanço moderado tornam até mesmo as interações cansativas. Dezenas de horas, não importa se sozinho ou acompanhado, parecem centenas.
Nem tudo é só desgraça, claro. Poder cantar enquanto espanca uma parede para coletar metais preciosos para assim potencializar o trabalho é um afago para uma tarefa repetitiva, e pequenos detalhes de decoração podem tornar uma pilha de lixo em um lugar que realmente dê orgulho de chamar de casa. Um barril de cerveja e algumas danças desavergonhadas são um respiro de engajamento emocional que nos lembra de vez em quando que estamos acompanhando a jornada de um povo briguento, sem modos, falastrão e sempre disposto, e não um avatar genérico de outros mundos. A curva de aprendizagem e de habilidades que cresce na medida certa dos desafios e da dificuldade dos inimigos, cada vez mais poderosos e numerosos, parece sempre justa, mesmo que vez ou outra estejamos face a face com algo para o que não nos preparamos direito. Tudo isso é correto, e se encaixaria bem se a essência estivesse no lugar certo.
Enquanto jogava, confesso que me preocupei em estar fazendo comparações injustas entre este jogo, adaptações anteriores como as já citadas aqui e, claro, os filmes dirigidos por Peter Jackson. Estaria eu torcendo o nariz porque, no final das contas, o jogo não se parece com as outras coisas pelas quais eu sempre fui apaixonado? Problematizar coisas assim pode ser algo fundamental para o olhar crítico, e a resposta pode ser surpreendente. Posso dizer que a preocupação se mostrava genuína não porque eu esperava um espelho, mas uma lembrança, um afago que seja, que até aparecem vez ou outra como easter eggs forçados, mas que nunca passam disso. The Lord of the Rings: Return to Moria frequentemente se esquece de seu maior trunfo, o de estar respaldado em uma das marcas mais importantes da história. É de se glorificar que o jogo não utilize suas bases como muleta, mas ao mesmo tempo, quando ele se esquece daquilo que lhe deu notoriedade, acaba se tornando algo comum, e nestes termos, ele é só pior que seus concorrentes.
Ouvir a voz potente de John Rhys-Davies na abertura do jogo é aquela pequena piscadela que aquece o coração de qualquer pessoa que goste da franquia, mas também cria uma responsabilidade para o jogo. Se você utiliza o mesmo ator de uma adaptação, e não um imitador qualquer como foi com o Gollum, você assume que sabe onde está se metendo e de onde partiu. Ao não se apropriar disso, há uma quebra de proposição, e o que sobra é tentar encontrar nas mecânicas aquilo que a lore não entregou. E quando lá, como cá, tudo parece menor do que poderia ser, não resta muita coisa para se agarrar. The Lord of the Rings: Return to Moria fracassa como um jogo que nos coloca no centro da reconstrução de uma dinastia, mas faz ainda pior como parte da mitologia que lhe empresta o nome, e é na soma de ambos onde ele não se sustenta. Pior do que The Lord of the Rings: Gollum, que ao menos incomodou, esse parece estar fadado a ficar na vala comum da indiferença.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Free Range Games.
Veredito
The Lord of the Rings: Return to Moria é, quando muito, um jogo medíocre de construção de bases e exploração do ambiente, mas na maioria do tempo faz tudo pior quando comparado a outras obras similares. Soma-se a experiência decepcionante de combate, uma história esquecível e uma estética sem brilho, e há aqui algo que é ruim como jogo, pior ainda como parte de um universo tão incrível como é o criado por Tolkien.
The Lord of the Rings: Return to Moria is, at best, a mediocre base-building and environmental exploration game, but most of the time it does everything worse when compared to other similar works. Add the disappointing combat experience, a forgettable story and lackluster aesthetics, and you have something that is bad as a game, even worse as part of a universe as incredible as the one created by Tolkien.
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