The Last of Us Part II – Review

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Abrir esta análise de The Last of Us Part II, nova empreitada da Naughty Dog em um exclusivo de (muito) peso do PlayStation 4, é talvez a tarefa mais difícil desta fase que se iniciou, para mim, assim que tivemos a confirmação do recebimento do jogo para análise – ou provavelmente bem antes, quando o jogo foi oficialmente anunciado. Não porque não tenha muito o que dizer, já na verdade é exatamente o oposto disso. Mas principalmente porque dialogar com a obra, depois do seu final, ainda seja algo que vá para muito além do hoje, do agora, destas sensações imediatas.

Parte do trabalho, contudo, é conseguir sistematizar em poucas linhas os diferentes aspectos da produção, que chega praticamente sete anos após o primeiro capítulo desta saga pós-apocalíptica e que apresentou Ellie, Joel e um sem-fim de personagens memoráveis. Agora, cinco anos depois (em termos da passagem de tempo dentro da saga), os encontramos de novo tentando lidar com um mundo ainda mais hostil e, sobretudo, com as consequências de cada escolha que fizeram. Afinal, os segredos dos últimos momentos do jogo original certamente marcariam ambos os protagonistas para sempre.

Na trama (considerando o que podemos falar sobre ela para não estragar a sua experiência) acompanhamos Ellie, já com seus 19 anos e em plenitude física. A personagem, que já foi, ao mesmo tempo, sidekick e macguffin (dispositivo de enredo, que pode ser um objeto, elemento ou pessoa de interesse em uma construção narrativa que motiva protagonistas e antagonistas no andamento da história) do primeiro game, agora assume o protagonismo em uma jornada muito mais pessoal e intimista, sem pretensões ou expectativas de heroísmo ou transformação social. No mundo de The Last of Us, não há, e provavelmente nunca houve, espaço para vitórias que não sejam sobreviver um dia a mais.

Nossa velha conhecida, porém, não está sozinha. Como tem se tornado uma tendência em alguns dos games de maior destaque da geração, a companhia de um ou mais NPCs funciona de duas formas: como uma solução de equilíbrio para batalhas, já que mesmo tímida (e as vezes só circunstancial), uma ajuda é sempre bem-vinda; e principalmente como uma estratégia narrativa similar ao melhor amigo (em outras mídias e linguagens audiovisuais), se mostrando alguém para quem a protagonista revelará seus pensamentos, seus planos, seu ponto de vista, ajudando não só o jogador a entender o que fazer e o motivo para isso, como também oferecendo alguns elementos de desenvolvimento de personagem, criando ligações e favorecendo a imersão.

Mais do que ter alguns arquétipos clássicos ao seu lado – uma melhor amiga, um mestre, um desafeto, etc. – que servem à narrativa mais convencional, a melhor escolha aqui é dar aos adversários e antagonistas rostos e, principalmente, nomes. Ao longo da jogatina, enfrentaremos basicamente dois grupos bastante distintos de sobreviventes, com suas próprias ideologias, suas percepções de mundo, seus métodos de combate, etc., além, claro, dos infectados que, como já sabemos, não se configuram como um grupo social e estão mais próximos de uma versão mais realista e bestial de mortos-vivos. Já era de se esperar, todavia, que o game não se detenha muito em explicar quem são eles e como surgiram, compreendendo que essa informação já foi explorada e debatida na época do primeiro jogo.

Então o que temos é um desenvolvimento muito mais ambicioso em torno daqueles que estão tentando, à sua maneira, seguir com a vida depois do fim do mundo, e que acabam trombando com o núcleo do qual fazem parte Ellie, Joel, Dina, Tommy e outros. Há, contudo, muito mais foco em um desses grupos em comparação ao outro, por motivos que se justificarão ao longo da campanha, mas que significa perder a chance de acrescentar mais camadas de profundidade ao universo narrativo da franquia. Afinal, é mais fácil, mais distante combater vilões sem identidade e colocá-los no mesmo pacote dos infectados que já não tem qualquer traço de personalidade. Ainda que tenhamos um recorte de seus pensamentos e olhares, faria bem ao jogo dar o mesmo nível de atenção do que é dado ao outro lado.

Assim, com algumas parcerias esperadas (e outras nem tanto) temos um pouco mais de Ellie durante todo o jogo, algo que nos ajuda e nos atualiza sobre o atual momento de um mundo se organizando, de uma pessoa que basicamente cresceu e amadureceu já no meio dessa bagunça toda. Ellie não conhece o que foi a civilização em seu auge antes da desgraça se alastrar, a não ser pelas histórias que ela ouve, pelos fragmentos que coleta de um mundo que já não existe mais. Esse fascínio por um passado tão distante não é algo realmente novo, mas que se encontra aqui em um estado mais maduro, até porque ela está, mais do que nunca, buscando entender seu lugar nesse mundo, se é que ele existe.

The Last of Us Part II, deste modo, trabalha com uma expectativa diferente do que visto anteriormente. Se antes havia o intento do que iria acontecer ao final da aventura, de como realmente eles estavam fazendo aquilo que precisavam fazer para um bem maior, agora a aventura se trata de caminhar, a passos largos, para o fundo, para os lugares mais profundos e obscuros daquilo que entendemos por humanidade. Se aquilo que nos difere dos infectados é a nossa consciência, a nossa percepção crítica do universo que nos cerca, o quanto isso nos faz ser melhores do que eles? E até onde isso pode nos levar? O quão violentos podemos ser para provar quem realmente queremos mostrar que somos melhores?

Essa brutalidade, como adiantamos nas nossas primeiras impressões sobre o game, é uma das marcas mais evidentes. Seja no aspecto narrativo e na construção dessa jornada, seja na experiência audiovisual, seja nos termos da jogabilidade, Ellie é uma arma absolutamente mortal. As mecânicas do jogo, em seu conjunto, permanecem muito familiares para quem jogou o game de 2013, sobretudo se o revisitou mais recentemente. Armamentos são basicamente do mesmo tipo que já conhecíamos, e ferramentas auxiliares, como bombas e molotovs estão lá, com um ou outro ajuste, mas com as mesmas funções básicas.

Facas e ferramentas de combate corporal também retornam e trazem consigo toda a crueza violenta que se poderia esperar. Ellie está longe de ser a personagem delicada e insegura de outrora, e sabe lidar com infectados e humanos com a mesma frieza. Tacos de beisebol, pedaços de cano enferrujados, ripas de madeira e outros instrumentos improvisados podem ser bastante efetivos quando a coisa aperta e o corpo-a-corpo é necessário (e isso vai acontecer com frequência quando não se tomar cuidado com a munição). As animações estão excelentes, mas o maior impacto está no peso das coisas, uma vez que cada pancada é muito bem representada. Você sente a força empregada no movimento, sente o esforço. E isso valoriza o combate bem executado.

Grande parte do mérito desse sistema de combate próximo está no esquema de esquiva, algo novo na franquia e que tem sido bastante exaltado ao longo de toda a divulgação do game – desde seu primeiro vídeo de gameplay. E não é para menos, já que é um detalhe que faz toda a diferença. É um movimento relativamente simples e fácil de se aprender, mas nem tão tranquilo assim para se dominar. Vale aquela máxima de que se executado na janela adequada de tempo, dará uma vantagem enorme para o contra-ataque, mas do contrário, abre ainda mais espaço para o fracasso. E quanto maior a dificuldade escolhida no começo do jogo, menor essa janela de precisão do movimento e maiores as consequências para a falha.

No mais, o sistema de tiro é algo muito similar ao que já conhecemos do primeiro jogo e, de certa forma, da linha Uncharted também. Claro, a dinâmica aqui é outra, o tiroteio precisa ser mais comedido, os recursos são bastante limitados e basta alguns segundos em combate aberto para ficar sem a munição que se economizou o jogo todo. Mas mirar, atirar, utilizar tijolos e garrafas para distrações e outros recursos auxiliares, sobretudo explosivos, não serão segredo para mais ninguém. Quem se dá bem com o primeiro game, aliás, pode se arriscar nas dificuldades mais elevadas logo de início, já que a curva de aprendizagem nesse caso será muito rápida. Tirando a esquiva, os demais movimentos tem melhorias mais sutis, estão mais fluidos, mas são basicamente os mesmos.

O mesmo pode ser dito sobre o sistema de crafting. Sim, você continuará abrindo cada gaveta e armário atrás de gotas de álcool ou trapos velhos, dentre outros ingredientes, para produzir seus próprios recursos de cura ou de combate. São raríssimos os casos de encontrar elementos como kits médicos e granadas já prontos e será necessário sempre criar tais equipamentos. Facas e armamentos corpo-a-corpo mais letais precisam ser produzidos também, e mesmo um silenciador (com validade limitada) para a pistola depende dessa manufatura. A exploração é parte da experiência e vasculhar todos os cantinhos possíveis (e até os questionáveis) terá seu valor. Cada bala conta, cada caco de tesoura ajuda.

Também ficaremos a jornada toda atrás de dois elementos que fazem a diferença na evolução da protagonista: os medicamentos, que permitem melhorias e aprendizagens novas no sistema de escuta, na produção melhorada de itens, na saúde e em outros aspectos, em uma árvore de habilidades bastante direta e que pode evoluir a qualquer momento do jogo (desde que se tenha a quantidade mínima necessária); e as peças, que permitem melhorias em cada um dos principais armamentos, como dano, estabilidade e coice, incrementos estes que podem ser adicionados aos equipamentos nas mesas específicas espalhadas pelo cenário. De novo, tudo isso é muito coerente com a que foi estabelecido antes, e tudo é facilmente reconhecível para quem já jogou o game original.

Por fim, os colecionáveis também voltam a estar presentes, sendo possível colecionar bilhetes, manuscritos e cartazes que contam um pouco mais do passado dos lugares e das pessoas que ali estiveram. As HQs do primeiro jogo dão lugar a cartas de um deck de cardgame de super-heróis e os pingentes dão espaço a outras coisas. Para quem gosta de finalizar o jogo sem deixar nada para trás, taí um grande desafio: buscar todos esses objetos aumentará bastante o tempo de exploração, como já é tradicional nos games da Naughty Dog, e incentivará o replay dos capítulos, que podem ser acessados diretamente do menu após terem sido vencidos uma primeira vez.

Aqui, essa exploração tem um elemento que também influencia diretamente nas estratégias de enfrentamento de grupos maiores de inimigos: os ambientes estão muito mais amplos e cheios de alternativas de acesso. Lembrando algo já presente em jogos como a nova trilogia Tomb Raider e, obviamente, Uncharted 4 e Lost Legacy. O jogo continua sendo linear em sua essência, com alguns momentos pontuais – ainda que abundantes – com áreas abertas e com múltiplos níveis verticais. O acesso com movimento de salto (também destacado em vídeos comentados pelos realizadores) não é lá tão diferencial assim, mas oferece uma nova dimensão na abordagem desses espaços tanto quanto frestas e buracos pelos quais se pode passar agachado ou rastejando.

Assim, diferente de outros games onde há um caminho mais determinado para se acessar certos locais da região, aqui é possível, na maioria das vezes, entrar sim com estilo e coragem pela porta da frente, mas também aproveitar um buraco no chão, um acidente geográfico, uma moita mais volumosa, uma rachadura, que oferecem um fator surpresa criativo que pode se adequar melhor às escolhas feitas pelo jogador. Tudo isso somado ao fato de poder se esconder na grama alta ou mesmo na mais rasteira, segurar um inimigo como escudo humano, e aproveitando o bom e velho “jogue uma garrafa para chamar a atenção dos inimigos”, cria possibilidades bem interessantes de enfrentamento a grandes grupos. Os inimigos, por sua vez, também tem seus próprios recursos para equilibrar isso tudo. Óbvio.

No lado dos humanos, o grande diferencial está no uso de cães farejadores por um dos grupos, que conseguem nos rastrear mesmo nos lugares mais escondidos. Para quem tem facilidade em acabar com uma comunidade inteira de pessoas, mas nem tanto para confrontar cachorros, é uma má notícia, já que estes são inimigos bastante difíceis de se despistar. A maior adição, porém, está numa melhoria considerável na inteligência artificial. Certos grupos tem bastante facilidade em flanquear e cercar, enquanto outros tem sistemas bem efetivos de comunicação. Portanto, nem sempre dá para agir como em um shooter de murinho, escondendo e atirando, porque é questão de tempo até ser cercado, nem esperar que corpos pelo chão passarão despercebidos, ou serão notados somente por quem passar pelo local. Basta alguém notar nossa presença que poderá avisar os outros e criar um inferno para se safar.

Claro, nem tudo é tão perfeito assim e há momentos em que os inimigos não tem aquela visão perimétrica e, portanto, não conseguem ver algo bem ao lado, bem como há outras passagens onde eles simplesmente parecem adivinhar onde estamos sem qualquer pista. Também não são tão intuitivos assim quando nos perdem de vista e seus movimentos são bastante previsíveis. No caso dos infectados, para não entrar em muitos detalhes, há novas variações que podem ser mais resistentes ou mais espertas que as já conhecidas. Nada mais crível, já que anos se passaram e o fungo pode desenvolver outras características dependendo do ambiente e de outras variáveis, algo que também ajuda a evitar a mesmice.

O trunfo aqui está no belíssimo trabalho de design de níveis evidenciado em cada nova região que se abre. Áreas mais amplas parecem, em um primeiro momento, basicamente arenas com acidentes e objetos espalhados, mas bastam alguns minutos estudando o local para compreender como o desenho desses ambientes foi bem trabalhado para valorizar o planejamento, o movimento estratégico e uma tática de caçada mais inteligente. A vegetação variável sempre oferece muito espaço para se esconder, os carros pútridos e os prédios destruídos oferecem os acessos supracitados, mas tudo sempre parece muito natural, muito orgânico em termos de composição.

Ainda vamos encontrar carros e barreiras arrumados em alguns cenários de uma forma mais conveniente e artificial, concessão utilizada para favorecer o gameplay em jogos do gênero, mas percebe-se que integrar esses elementos a uma construção de mundo coesa foi uma grande preocupação, e talvez o maior desafio quando se trabalha com áreas que vão além de trilhos controlados. Essas áreas ainda tem lá as inevitáveis paredes invisíveis que limitam a movimentação mesmo em meio a uma mata, mas elas incomodam pouco. É estranho não ultrapassar um arbusto um pouquinho maior, ou um barranco de menos de 2 metros, mas está dentro do esperado. Há mais liberdade, há mais espaço para explorar a natureza, e ela está belíssima.

Sim, o jogo é tão belo quanto se percebe nos vídeos lançados até aqui. Se o game anterior elevou o nível e exigiu o máximo que o PS3 tinha a oferecer em termos gráficos, posso dizer que The Last of Us Part II faz o mesmo pelo PS4, ainda que de forma muito salutar, e mesmo nessa fase antes do lançamento, esteja muito bem otimizado e rodando lisinho, inclusive na versão padrão do console. O movimento da vegetação é algo incrível, e não deveria ser diferente, uma vez que passaremos muito tempo nos espreitando no meio do mato. Se Uncharted 4 já mostrou uma fluidez natural impressionante, espere algo ainda melhor aqui. É surpreendente que esses ambientes abertos consigam manter uma diversidade estética que funcione tão bem quanto os ambientes internos.

Outro aspecto que impressiona é o nível de detalhamento de construções e ambientes abandonados. A forma como a natureza toma conta de alguns lugares, e os fungos de outros, cria uma dicotomia interessante que considera muito do que pode ter acontecido naquele local, como um microcosmo dinâmico. Cada objeto, do console de PS Vita que já vimos em trechos exibidos no State of Play à caneca de um quarto de criança, do bilhete de despedida ao monitor do escritório, tudo conta um pouco mais sobre quando o desastre aconteceu e como a sociedade parou no tempo ali. Ainda que não tenhamos nos retraído ao estado tribal em termos de tecnologia e organização social (como vimos em Horizon Zero Dawn) até por ter se passado pouco tempo desde o marco zero, o tal outbreak day, parece distante o pensamento de como era o dia-a-dia de poucos anos antes, até porque grande parte dos sobreviventes, tal como Ellie, mal se lembra de como as coisas eram antes.

Esse mundo bastante melancólico está representado não só no nível de detalhamento de seus ambientes, mas também na composição da paleta de cores. Sim, temos alguns vislumbres de dias bonitos, céu aberto e cores intensas, mas à medida que o tempo vai passando, que vamos nos envolvendo com a missão de Ellie, os dias vão ficando mais chuvosos, a tempestade piora, a noite fica mais intensa. É como se o ambiente estivesse refletindo um estado de espírito da personagem, carregado com seu fardo. É uma forma muito sofisticada de incorporar elementos psicológicos na narrativa, unindo uma excelência técnica na elaboração visual da passagem de tempo ao lugares mais sombrios da mente da protagonista.

Isso não significa, necessariamente, que o jogo abuse somente da escala de cinza. O alcance da matiz é impressionante e a saturação de cores mais quentes, se apropriando da iluminação incandescente de tochas e de explosões, ou de tons mais frios, se apoiando muito na aridez do concreto ou na textura da água, oferece belíssimos contrastes. A sombra esconde os perigos, mas a luz não torna nada tão seguro assim. E a geração de partículas – um recurso tão alardeado para esta geração – tem aqui uma função de sufocamento, de clausura, quase que um aviso constante de que não importa o quanto ela afete a saúde de Ellie, mas sim o que se esconde onde estão os esporos.

Tudo é bonito, tudo é tecnicamente apurado, mas isso não significa que não seja brutal. A expressão facial de Ellie, em cada momento, sobretudo quando está eliminando seus inimigos furtivamente, está para além do esforço braçal. Tudo é sofrido, tudo é penoso, tudo o que ela faz, cada novo passo, cada novo inimigo vencido, cada escolha tomada… tudo está tendo um custo. Um custo físico, sim, porque a personagem não é tão parruda como era Joel, mas algo além. É como se parte de sua alma se perdesse cada vez que ela se rende à crueldade. E ainda assim, não dá dúvidas em sua mente. Mesmo que alguns de seus atos lhe pareçam extremos por alguns segundos, tudo é justificável para ela. Não há meios, e sim fins. Um fim, na verdade.

Então não espere que a violência gráfica seja mais amena à medida que a técnica de execução esteja mais apurada. Na verdade, a diversidade de formas como um crânio se explode, um corpo de esfacela ou um machado se crava nas costelas de um pobre coitado é ampla, e tudo é muito seco e direto, sem meios-termos ou melodrama. Definitivamente, não há aqui o tom exagerado de produções “gore“, ou da estética de terror de criaturas. Tudo parece mais sério, mais grave. Dito isso, tenha certeza de estar preparado para um conteúdo gráfico mais maduro, uma violência menos glamourizada. Não é um espetáculo sádico. Para sentir o peso das ações, é fundamental que não se admire o extremismo ao qual essas pessoas estão sujeitas.

Claro, nenhum desses aspectos teria o impacto que tem se não fosse um trabalho exemplar também no design de som. A elaboração musical é incrível, com todas as influências folk norte-americanas que se permite, sobretudo pela diegese de onde e quando o jogo se passa. Se a música é parte daquilo que faz a relação de Joel e Ellie desde sempre, a melancolia nos acordes que iniciam o jogo até a canção que toca enquanto os créditos finais sobem na tela cria uma história quase que própria, que trata em sons, e não em palavras, as relações mais humanas de The Last of Us Part II. Impossível não sentir cada nota tocada nesses velhos violões, provavelmente um dos últimos resquícios da arte e da cultura nesse mundo tão bruto.

Soma-se a isso uma interpretação muito tocante, muito sensível de todo o elenco – principalmente Ashley Johnson e Troy Baker – que consegue fugir do drama barato, de um sentimentalismo forçado, ao tratar o texto com uma objetividade singular. Destaque ainda para a versão localizada para o português do Brasil, com Luiza Caspary e Luiz Carlos Percy reprisando seus papéis, que não só manteve o elenco original, como trouxe adições muito bem-vindas para novos personagens que não devem, em nada, ao original. Para ser sincero e sem querer parecer protecionismo piegas, são poucas as vezes em que as vozes brasileiras funcionam melhor, nos jogos, que as gringas. O primeiro TLoU está na lista das produções que conseguem esse feito, mesmo com probleminhas de mixagem. O novo jogo, porém, está no mesmo nível, senão acima. Então, sim, prefiro a versão dublada em português à versão americana.

Para completar o conjunto da obra, o sistema de ruídos e ambiência é excepcional. Pequenos sons ou explosões e barulhos ensurdecedores funcionam muito bem em conjunto. O jogo valoriza o silêncio, e por isso mesmo sabe quando quebrá-lo nos momentos certos. O mundo de The Last of Us Part II, com toda a destruição que lhe é devida, é um organismo vivo, quase que um personagem por si só, e parar para ouvi-lo, seja para se preparar para uma emboscada, seja para curtir um segundo de paz, é algo muito recomendado. Utilizar um sistema de som bacana vale muito a pena. A imersão é instantânea, mesmo com uma campanha mais longa que a do original.

Contando novamente com a direção precisa e amadurecida de Neil Druckmann, a jornada é mais intensa e menos enquadrada no formato de jogo-de-estrada. Para esta análise, levamos em torno de 28 horas para terminar a campanha, e mesmo em uma segunda jornada, esse tempo não baixa tanto assim, visto que, como dito, o jogo valoriza a exploração e o crafting. Não vamos entregar quaisquer spoilers aqui dos eventos ao longo dessa caminhada, mas é importante dizer que há algumas sub-tramas muito interessantes que preenchem esse tempo de forma bastante intensa, ainda que o ritmo da narrativa, sobretudo no terceiro quarto, acaba caindo um pouco, para retomar o auge no final. Não é surpresa para ninguém que compreender bem a história toda depende de ter vivido o primeiro game, e é claramente recomendável jogá-lo (ou rejoga-lo) antes de cair de cabeça no novo jogo.

The Last of Us Part II é um dos games mais esperados do ano, sobretudo para os donos do PlayStation 4. Possivelmente, um dos mais esperados da geração e, bem, não é para menos. O primeiro game, há sete anos, conseguiu elevar o nível das narrativas de jogos para um caminho até então pouco explorado. Trouxe um desenvolvimento da relação entre personagens pouco visto na história, unido a uma jogabilidade redondinha e gráficos de primeira linha. Natural que a expectativa por uma provável – quase inevitável – continuação fosse alta. Felizmente para todos nós, esse novo capítulo da franquia supera o seu antecessor em vários aspectos, ainda que se aproveite sem qualquer tipo de ressalva de tudo o que a desenvolvedora aprendeu nesse período.

É um jogo que prima pelo equilíbrio entre técnica, narrativa e jogabilidade, fomentando um envolvimento emocional do jogador com seus personagens não pelo poder do protagonismo heroico ou da eterna luta do bem contra o mal. Aprendemos a gostar, a nos importar com Ellie não porque ela está fazendo o que é moralmente certo, nem porque é um sacrifício para o bem maior. Ellie é uma pessoa falha, quebrada, esculpida por um mundo estilhaçado. Uma garota que tinha algo de especial para muita gente, menos para si mesma. Nos importamos com Ellie não pelo que ela poderia ser no melhor dos seus sonhos nerds, mas pelo que ela é em um mundo onde o sentido de ser (e permanecer) humano em meio a monstros é um mero detalhe.

Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Sony Interactive Entertainment.

Veredito

The Last of Us Part II é um jogo visceral e impactante de várias formas. Ao manter a base bem-sucedida do seu antecessor e refinar aspectos de gameplay, consegue se estabelecer como uma continuação bastante coesa com tudo o que foi estabelecido, ao mesmo tempo que os ajustes na movimentação e no combate fazem deste um produto ainda melhor acabado. Sua narrativa imponente tem algumas pequenas inconstâncias de ritmo aqui e ali, mas traz nuances muito sofisticadas para todos os personagens e nos faz querer saber ainda mais sobre eles. Soma-se a isso uma construção audiovisual impecável e temos uma obra-prima digna e inesquecível.

98

The Last of Us Part II

Fabricante: Naughty Dog

Plataforma: PS4

Gênero: Ação / Aventura

Distribuidora: Sony Interactive Entertainment

Lançamento: 19/06/2020

Dublado: Sim

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

Comprar na

[lightweight-accordion title="Veredict"]

The Last of Us Part II is a visceral and impacting game in many ways. By maintaining the successful base of its predecessor and refining gameplay aspects, it manages to establish itself as a very cohesive sequel with everything that has been established, while the adjustments in movement and combat make it an even better finished product. Its imposing narrative has some rhythm inconsistencies here and there, but it brings very sophisticated nuances to all the characters and makes us want to know even more about them. Add to that an impeccable audiovisual construction and we have a dignified and unforgettable masterpiece.

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The Last of Us Part II is a visceral and impacting game in many ways. By maintaining the successful base of its predecessor and refining gameplay aspects, it manages to establish itself as a very cohesive sequel with everything that has been established, while the adjustments in movement and combat make it an even better finished product. Its imposing narrative has some rhythm inconsistencies here and there, but it brings very sophisticated nuances to all the characters and makes us want to know even more about them. Add to that an impeccable audiovisual construction and we have a dignified and unforgettable masterpiece.

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