Um aventureiro com um belo chapéu explorando ruínas e buscando relíquias arqueológicas, que acaba enfrentando perigos inimagináveis, armadilhas mortais e enigmas ancestrais. Sim, estamos falando de cinema, mas claro, não é de Indiana Jones. Nos últimos anos, uma franquia europeia de animações tem se destacado dentre os mais pequenos, e recentemente recebeu seu terceiro longa, batizado por aqui de As Aventuras de Tadeo e a Tábua da Esmeralda. Como nos velhos (e não tão bons, neste caso) tempos, nada melhor para promover um filme infanto-juvenil que um adaptação para os videogames.
Tad the Lost Explorer é, portanto, um derivado oportuno para fortalecer uma marca junto ao seu público-alvo e, visto por este prisma, é possível compreender algumas de suas principais características. A primeira delas, talvez a mais evidente, é uma certa inconsistência narrativa. Ainda que nos apresente uma história que, a princípio, independe de conhecimentos prévios, ela acaba se baseando em arcos que parecem um tanto quanto desconexos entre si, e mesmo remendados por algumas cenas de corte em formato de HQ com belas ilustrações, acabam sendo só uma coleção de eventos que se aproveitam de cenários característicos desse tipo de aventura para justificar suas missões que, no final das contas, se resumem a sair do ponto A para pegar algo no ponto B, ou então juntar uma série de coisas e assim seguir para a próxima tarefinha.
Desta forma, há dois modos de aproveitar aquilo que está sendo contado: ou você conhece os filmes, sobretudo o mais recente, e reconhece personagens, situações e objetivos a partir de uma compreensão contextual, ou simplesmente aceita uma ordem de situações comuns e simplesmente se desprende desse aspecto. Confesso que como um adulto que conhece a série de filmes por tabela, foi mais fácil ao menos acompanhar a trama, ou o arremedo disso, mas no final isso acaba sendo só um detalhe, já que me importei muito pouco com o que acontece. Por outro lado, já ter visto aquilo sendo contado de outra forma ajudou a minha filha pequena – que acaba sendo meu parâmetro para essas questões – a se envolver mais com o que estava acontecendo, e até preencher, para si mesma, as lacunas que o jogo deixa.
Pelo lado positivo, não há qualquer cerimônia para que o nosso herói atravesse o mundo para buscar seja lá o que ele precise. Isso torna o jogo dinâmico e objetivo em sua compartimentalização, com fases muito bem definidas. Basicamente, são quatro pontos centrais – a selva de Veracruz, a Universidade de Chicago, o Museu do Louvre em Paris e as pirâmides do Egito – cada qual composto por uma área aberta explorável em três dimensões com a câmera acompanhando o personagem pelas costas (em uma mistura simplória entre Uncharted e Super Mario Odissey), recheadas com algumas sub-fases de plataforma linear com visão lateral. Esta mistura de estilos, ainda que cada um deles tenha suas limitações, acaba se mostrando um dos melhores trunfos da produção, apresentando variedade e pontos de respiro que evitam que ele se torne repetitivo e que, portanto, canse o jogador.
Se há uma diversidade de estilos, há também formas diferentes de abordagem. Tad Jones é o protagonista e, assim, o principal personagem controlável, mas também assumimos o controle de outras duas heroínas, cada qual com algumas especificidades de movimentação, como por exemplo o salto duplo de Sara (um controverso interesse romântico do aventureiro) e a flutuação de Ra-Mon-Nah, uma múmia faraó claramente inspirada em Cleópatra. Além disso, cada passagem também exige uma certa habilidade diferente: enquanto as fases 2.5D são pautadas no estilo plataforma, há cenários que exigem um comportamento típico de mundo aberto (mesmo considerando que são mapas pequenos) e outros que até valorizam a abordagem furtiva.
Claro que, ao se considerar a quem o jogo é destinado, não se deve esperar nada muito complexo em nenhum destes segmentos. O trecho mais desafiador é, sem dúvidas, uma fuga aquática, mas é também a mais curta. No mais, tudo é permissivo e de simples solução, incluindo alguns poucos puzzles que, mesmo assim, são uma adaptação muito digna de games mais ambiciosos do gênero. Nada, claro, que não tenhamos visto antes, mas que certamente é uma ótima entrada para crianças no mundo dos quebra-cabeças dos videogames. Além disso, a falha é parte do processo e não há praticamente qualquer tipo de punição, já que o jogo retoma quase sempre do mesmo ponto quando se cai em um abismo, se afunda na areia movediça ou se é capturado pelos seguranças de uma instalação, por exemplo. Não há contagem de vidas, não há prejuízo para coletáveis, não há qualquer artifício punitivo.
Falando neles, aliás, o exercício mais complicado é mesmo encontrar todos os extras que o jogo oferece. Há três tipos deles: pincéis, em grande quantidade como anéis ou moedas; fotografias que registram momentos importantes da franquia; e artefatos arqueológicos, que na prática pouco importam para a jornada em si, mas que acabam sendo um incentivo a mais para se buscar por caminhos alternativos e bifurcações fora da linha padrão. Para os interessados em troféus, são esses colecionáveis os únicos responsáveis em evitar a platina automática ao se finalizar o jogo, já que as conquistas mais difíceis são exatamente as que exigem que se coletem todos esses itens. Achar tudo, como já é de se imaginar, não é das tarefas mais árduas, e nada que um pouco de paciência nas andanças não resolva.
Ainda que essa falta de consequências seja uma facilidade que tire um pouco da responsabilidade do jogador e permita com que ele seja desleixado e desconectado com uma responsabilidade envolvente, ela acaba mascarando um dos maiores problemas da produção, que é a falta de precisão da jogabilidade. A movimentação é simples como deveria, mas um tanto quanto enroscada e cheia de pequenos enroscos, principalmente em terrenos acidentados ou cantos mais complexos. Não é raro ficar preso em um degrau comum, uma moita pelo caminho ou algo do tipo, e tive que recarregar o save em três ou quatro oportunidades simplesmente por não conseguir me desprender de coisas assim. Há arestas que devem ser corrigidas em atualizações corriqueiras, mas que até então devem ser evitadas.
Mais complicado é o sistema de saltos, muito presente em trechos de plataforma. o timing é problemático, a precisão da direção é caótica e o equilíbrio em beiradas (algumas agarráveis e outras não) e pedaços curtos de chão geram alguns erros bobos e injustos. Como quase nunca nos é exigida precisão milimétrica, essa dificuldade técnica involuntária influencia pouco na experiência geral e, portanto, são questões que se anulam sem-querer-querendo. Não é a forma ideal de se relativizar problemas de gameplay, mas é importante chegar à conclusão que mesmo não sendo o melhor dos mundos, o jogo fica longe de inviabilizar para seu público. Outras questões, como interação com dispositivos, são bem mais tranquilos, e a câmera, sempre ela, é algo com que se preocupar quase sempre.
Por sua vez, o sistema de combate (se é assim que podemos chamar) é tão ruim quanto engraçado. Afinal, usar uma galinha de borracha (com comportamento de bumerangue) como arma não é bem o que aprendemos por aí como algo efetivo contra morcegos, vigias e escorpiões gigantes. Uma pena que também seja algo truncado, já que é necessário estar alinhado com adversário para que uma mira seja acionada e aí sim o arremesso será efetivo mesmo que faça uma curva improvável. Ou seja, seu algoz pode estar em linha reta na sua direção e, sem esse alvo automático, não há como atingi-lo. Pior é que, dependendo da distância, pode ser que você seja atacado antes da sua arma mortal retornar e oferecer dano ao adversário. De novo, nada de muito sério, já que são poucos os perigos desta natureza. Equilíbrio, no final das contas.
O aspecto audiovisual, por outro lado, é extremamente satisfatório na maioria do tempo. Além de fazer jus à animação, com personagens caricatos bem modelados e leveza na abordagem, o jogo é extremamente bonito naquilo que escolhe mostrar. É surpreendente como alguns cenários são bem representados, e o mais exuberante é, sem dúvidas, o das escavações no Egito, com as grande pirâmides e a icônica Esfinge montando um belo panorama com o amarelado das areias escaldantes e o sol impiedoso no horizonte. Cenários noturnos e ambientes internos cumprem igualmente seus objetivos e se, claro, não é um jogo que exige o potencial gráfico das máquinas atuais, consegue se aproveitar esteticamente do que fora estabelecido na sua mídia original.
A banda sonora poderia ser um pouco mais explorada, e diálogos só por texto tiram um pouco da imersão, ao contrário das conversas das cut-scenes que, caricatas como deveriam ser, animam as coisas. A localização para o português está somente em sua versão da terrinha em texto, mas tirando por uma ou outra expressão, pouco se nota e quase nada influencia no entendimento e no contexto. Presente o tempo todo, a música segue mantendo o tom lúdico da coisa toda, e se acaba sendo um pouco repetitiva em longas sessões, acaba, sem brilho, cumprindo seu papel também, tal como ruídos e outros efeitos de ambiência, seja no alto-falante do controle, seja na TV ou no headset, que poderiam ser mais generosos na construção do espaço cênico.
Como um todo, Tad the Lost Explorer é um típico jogo derivado com o qual nos acostumamos sobretudo entre as décadas de 1990 e 2000, que busca se aproveitar da repercussão da obra original e, ao mesmo tempo, funciona como uma ferramenta de marketing para a mesma. Mas o faz de forma simpática e até envolvente, sendo um produto acima da média pela característica mais descompromissada intrínseca de seu tema. Para cada defeito, incluindo os mais graves, há um atenuante que evita tornar o game irritante; para cada problema há uma simplificação que nos faz releva-lo e seguir adiante fingindo que está tudo bem.
Se não é dos jogos mais criativos do ano, se já é uma derivação de um produto cheio de clichês e inspirações óbvias, Tad the Lost Explorer é divertido e, dentre as opções no mercado para o público mais jovem, é sim uma boa recomendação. Para adultos, obviamente é um jogo cheio de limitações em todas as suas características, mas para quem procura algo que se pode jogar com filhos, netos ou irmãos mais novos, Tad tem seus atrativos, é engraçadinho daquela forma abobalhada, e estrelar um jogo tão desengonçado quanto ele mesmo não deixa de ser uma feliz coincidência.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Gammera Nest.
Veredito
Tad the Lost Explorer tem uma série de limitações técnicas e conceituais. Mas considerando o universo onde se inspira e o público ao qual se destina, tem méritos em adotar um tom leve e um humor bobo como poucos jogos atuais e, portanto, se provar uma experiência divertida para se compartilhar em família.
Tad the Lost Explorer has a number of technical and conceptual limitations. But considering the universe in which it is inspired and the audience it targets, the game has merits in adopting a light tone and a silly humor like few titles nowadays and thus proving to be a fun experience to share with the family.
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