Há um interessante debate a se ter sobre o que constitui o “melhor” jogo de um determinado subgênero e como diferenciá-lo daquele que talvez seja, mais subjetivamente, o seu preferido dentro daquele segmento. E isso se torna ainda mais complexo quando é preciso analisar um dos jogos que facilmente se encaixam em uma dessas opções.
E é exatamente essa a situação que Tactics Ogre: Reborn, a remasterização de Tactics Ogre: Let Us Cling Together que pudemos jogar antecipadamente para essa análise, nos coloca. O jogo original, seja em sua primeira forma quando foi lançado em 1995 para SNES e posteriormente para PSX em 1997, seja no aclamado remake para PSP lançado em 2010 que serve de base para esse relançamento, foi aos poucos se consolidando como a versão ideal do que um RPG Tático deveria ser, graças à riqueza e complexidade dos seus sistemas, atrelado à rica e complexa narrativa.
Muito disso é obra da genialidade da mente de Yasumi Matsuno, diretor da versão original que, após o reconhecido sucesso do título desenvolvido pela Quest, se juntaria a Square Enix e, já em seu primeiro título lá, seria responsável por redefinir o gênero e eternizá-lo através de Final Fantasy Tactics. E, embora esse último seja meu jogo favorito de todos os tempos, rejogar Tactics Ogre é uma fácil lembrança de que, quando tudo se encaixa, nenhum subgênero de um RPG consegue entregar a complexidade e desafio vistos aqui.
Contando a história do jovem Denam Powell, Tactics Ogre: Reborn é ambientado na ilha de Valeria, um reino anteriormente centralizado e dominado por um único rei mas que se vê jogado em uma intensa guerra entre diferentes etnias e facções buscando unificá-la sob uma única bandeira, ainda que exista uma “paz tensa” entre as duas principais etnias, os Galgastani e os Bakram.
Denam é parte de um grupo étnico menor conhecido como Walister, amplamente dominados pelos Galgastani, e parte de um movimento de resistência do seu povo liderado pelo popular Duque Ronway. Após uma rápida missão de resgate, Denam se vê caindo nas graças do Duque, recebendo comando da sua própria Ordem de Guerreiros ao lado de sua irmã, Catiua, e seu amigo de infância, Vyce.
No entanto, após se ver forçado a decidir entre sua consciência e sua fidelidade ao Duque, o futuro de Denam enquanto herói ou rebelde é posto à prova, cabendo a ele (através do jogador) decidir como irá se posicionar e como irá influenciar o futuro de Valeria e seu povo, com cada nova decisão decidindo o final da história e o seu relacionamento com os personagens ao seu redor.
A narrativa é um dos mais fortes e ricos de TO:R. O jogo consegue construir motivações e objetivos reais e diversos para cada um dos seus personagens e para cada uma das suas facções, raramente caindo em clichês ou personagens puramente malignos só por serem, reservando isso apenas para pequenos mercenários chefes de cada missão. Há uma clara sensação de nunca se saber para onde a narrativa irá e as consequências das suas decisões, forçando o jogador a realmente pensar e decidir em como lidar com a situação baseadas em suas consciências.
Isso faz com que a experiência como um todo seja bastante rica, trazendo narrativas incrivelmente diferentes a depender das decisões tomadas pelo jogador. Isso faz com que uma experiência que já é bastante longa e rica se torne ainda maior, com diversos finais, incluindo finais específicos com certos personagens, permitindo ao jogador assim aproveitar bastante o título. A presença do Wheel of Fortune e do World Tarot te permite economizar um pouco de tempo, indo direto para certas bifurcações da história após terminá-la pela primeira vez, mas ainda assim há muito a se jogar.
É uma história extremamente política e profunda, com diferentes tons de cinza influenciando cada passo e cada movimento, com mesmo decisões vistas como negativas podendo ser “justificadas” através do prisma da guerra. É uma considerável análise e reflexão sobre o que é, de fato, a luta por liberdade quando seu povo é violentamente oprimido e até aonde é justificável ou não ações militares violentas e o preço que o povo muitas vezes é forçado a pagar mesmo sem saber para saciar a sede de poder de líderes idolatrados.
Com toda a riqueza da sua narrativa, ela ainda fica em segundo plano pelo quão bom e revolucionário o sistema de combate de Tactics Ogre: Reborn é. Apesar de uma série de melhorias trazidas nesse relançamento, é preciso dizer que o cerne do sistema de combate segue intacto, ajudando a colocar em perspectiva o quão impressionante é que o jogo seja tão bom e tão consciente dos seus sistemas mesmo em uma época em que o gênero praticamente não existia, sendo que jogos atuais não conseguem fazê-lo com o mesmo nível de qualidade.
Isso significa que o padrão que viria a ser estabelecido pelo gênero ao longo dos anos, com personagens sendo movidos por um tabuleiro cada qual no seu turno já estava presente aqui. O jogador pode convocar até 10 unidades por batalha, fora unidades “convidadas” controladas pela IA, com guerreiros de diferentes classes, cada qual com seu raio de alcance de movimento e ataque, além de habilidades únicas e específicas de cada uma delas.
Uma das mais interessantes novidades dessa versão é que todo o sistema de progressão foi tornando mais direto e intuitivo, evitando assim a necessidade de atingir pré-requisitos específicos para equipar certos itens, com as restrições ficando por conta das limitações de classe, com cada personagem tendo 7 espaços de equipamento, 4 de magia, 4 de consumíveis, 4 de habilidades e 8 de ataques especiais chamados de “Finishing Moves”.
Um outro ponto de melhoria é que, ao contrário do que existia nas versões anteriores, não é mais necessário se preocupar com TP para usar habilidades ou melhorá-las. Habilidades agora são destravadas meramente subindo de nível e para usá-las em combate basta ter MP suficiente para tal, algo que era exclusivo para as magias em Let Us Cling Together e agora se estende a habilidades, técnicas de ninjutsu e war dances.
Outras adições interessantes foi o novo sistema de Charms, itens específicos que vão sendo adquiridos ao longo do jogo e que te permitem melhorar certas coisas das suas unidades. Existem Charms de experiência, de elemento ou de estatísticas, te permitindo assim customizar ainda mais suas unidades.
Outros pontos interessantes de qualidade de vida foi a adição de uma nova tela de batalha antes das missões, te permitindo ajustar o que for necessário antes do combate e a possibilidade de ver o campo de batalha antes de decidir quais unidades levar e se será necessário mudar a classe ou equipamento de uma ou outra delas.
Isso tudo é fundamental porque Tactics Ogre: Reborn é extremamente desafiador em combate. Embora o jogo te dê um certo tempo para se adaptar aos seus sistemas ao longo do primeiro capítulo, a limitação estabelecida pelo sistema de “Party Level”, que estabelece um limite de nível para sua equipe e te impede de simplesmente “grindar” e ficar super-poderoso para passar por certas áreas, te força a pensar e explorar os sistemas que o jogo coloca à sua disposição, sendo impossível vencer as batalhas meramente com força bruta, sendo a estratégia e pensamento rápido e eficiente a única solução.
Cada combate trará diferentes cenários e desafios importantes, com o clima impactando a movimentação das unidades e ajudando a explorar suas fraquezas, o aparecimento das chamadas Buff Cards que trazem importantes melhorias temporárias em batalha tanto para o jogador quanto para seus adversários, fora a inteligência artificial totalmente refeita para manter os combates incrivelmente desafiadores e sempre diferentes.
Isso tudo é só uma pequena porção dos sistemas que o jogo traz, havendo uma incrível riqueza de opções e sistemas importantes à disposição do jogador. Há todo um sistema de recrutamento de unidades e de monstros, um sistema de fidelidade de suas unidades influenciada pelas suas decisões, um sistema de crafting, missões secundárias, relíquias e dungeons especiais destravadas ao final do jogo… Muita coisa que não caberia nessa análise sem torná-la longa demais.
Dito tudo isso, Tactics Ogre: Reborn é um título incrível. É um jogo extremamente especial e cuja linhagem segue influenciando dezenas de títulos todos os anos, mesmo que alguns deles não o saibam. Apesar de parecer uma frase de marketing, cada pequeno momento com o jogo deixa claro que se trata, de fato, da jóia mais preciosa dos RPGs Táticos, sendo a verdadeira jóia da coroa de um gênero tão historicamente rico.
Esse é um título que deve e precisar estar no radar dos fãs ou interessados pelo gênero, seja você um fã de longa data que não teve a oportunidade de jogar Let Us Cling Together ou um novo jogador começando a molhar os dedos nos mares do gênero. Os únicos riscos que o jogo traz é te viciar no gênero ou estragá-lo pelo quão difícil é encontrar algo que chegue perto da perfeição vista aqui.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
Tactics Ogre: Reborn é um relançamento mais do que digno daquele que é, inegavelmente, um dos mais influentes e talvez o melhor RPG Tático de todos os tempos. As melhorias trazidas nessa versão o tornam mais acessível e melhoraram consideravelmente a experiência tanto para novos jogadores quanto para fãs de longa data e o tornam um título obrigatório para todos que tenham interesse no gênero.
Tactics Ogre: Reborn is a more than worthy re-release of one of the most influential and maybe the best Tactical RPG of all time. The improvements brought in this version make it much more accessible and improve considerably the experience both for new players as well as long time fans and make it a mandatory title for everyone that enjoys the genre.
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