Shin Megami Tensei III: Nocturne é considerado como um dos melhores RPGs da época do PS2 e sua influência é bastante perceptível em demais subséries da Atlus como Persona, Dx2 e Devil Survivor. O HD Remaster traz uma nova oportunidade para jogadores veteranos se aventurarem novamente e para um público novo conhecer um título principal da série Shin Megami Tensei em consoles.
Primeiramente, jogar SMT3 com uma percepção atual, quase 20 anos após seu lançamento original, é uma experiência interessante de muitas formas além do próprio jogo, também sendo possível questionar o papel de Remasters na indústria atualmente e como esse título pode ou não alcançar um novo público. O HD Remaster de SMT3 traz, principalmente, melhores visuais e um nova dublagem em inglês com poucas alterações ao jogo em si, como uma nova dificuldade mais fácil chamada Merciful e na possibilidade de escolher a habilidade de demônios fusionados, algo que ajuda bastante no progresso da jornada. Para todos os efeitos, essa é basicamente a mesma experiência de quando foi originalmente lançado em 2003 no Japão.
Ao se analisar um Remaster, especialmente um fiel ao produto original como esse, é normal aceitar que os títulos da mesma época não tenham muitas das conveniências e padrões modernos que estamos acostumados atualmente. Alguns Remasters optam por realizar pequenas alterações em seus produtos originais para tentar se adequar a um público mais novo e/ou tentam trazer conveniências que não eram possíveis em seus lançamentos. Isso levanta a questão de quanto um Remaster deve ou pode mudar seu produto original para melhor atender os desejos e expectativas de um público moderno ? E, em especial, porque essa discussão com esse título em específico ?
Mesmo para os padrões da época do PS2, SMT3:Nocturne tem um design geral que remete à uma época muito mais antiga que seus contemporâneos.Trata-se de um jogo que não perdoa muitas falhas por parte do jogador, a história é demonstrada ao jogador de maneira minimalista e mesmo dicas sobre progressão são obtidas por conversas breves com NPCs espalhados e, muitas vezes escondidos, pelo cenário. Nocturne, em seu lançamento original, provavelmente foi considerado como uma versão moderna de RPGs antigos e, para melhor e para o pior, é exatamente essa experiência que jogadores irão receber com o HD Remaster.
Em minha experiência com o jogo, Nocturne tem vários conceitos interessantes e uma enorme pilha de elementos que servem apenas para frustrar o jogador. Muitos desses conceitos interessantes viriam a ser propriamente desenvolvidos em jogos posteriores da série Shin Megami Tensei, especialmente SMT IV Apocalypse, Devil Survivor e os Persona, mas sem todos os problemas presentes em seu antecessor.
Nocturne pode ser classificado como um Dungeon RPG, um gênero que desafia o jogador a preparar seus personagens e equipamentos com bastante cuidado para sobreviver às incursões nas Dungeons que, usualmente, são grandes e altamente perigosas com monstros e muitas armadilhas. O grande atrativo do gênero é preencher o mapa de cada dungeon, encontrar tesouros e caminhos secretos, resolver quebra-cabeças e eventualmente seguir para o caminho correto de seu objetivo enquanto se administra o bem-estar de sua equipe. É absolutamente normal (e até atrativo) que um título do gênero seja desafiador, mas Nocturne exagera em muitos aspectos simplesmente para atormentar o jogador, tornando-se uma experiência frustrante em muitos pontos.
Uma boa parte da qualidade de um bom DRPG depende do design de suas Dungeons, especialmente porque o jogador irá passar grande parte do seu tempo de jogo dentro delas. Os mapas em Nocturne usualmente tem uma única rota para seu objetivo, sendo que os desvios usualmente contém tesouros, NPCs para se conversar, lojas, locais para salvar o progresso e afins. Em alguns níveis, há também pequenos quebra-cabeças que testam a observação do jogador e servem para trazer uma variedade muito bem vinda nos desafios.
No entanto, gradativamente e com muito mais frequência, o jogo introduz mecânicas de forma inconveniente para o jogador. A Dungeon não tem luz e você precisa de um item para iluminá-la. Ótimo se você, por alguma razão, tem o item em mãos ou uma habilidade semelhante, caso contrário prepare-se para dar um longo desvio para a loja mais próxima. Você gosta de explorar todos os caminhos alternativos possíveis ? Muitos deles agora tem uma penalidade de retornar você para um ponto aleatório da Dungeon, efetivamente tornando-se verdadeiros testes de paciência e tentativa e erro até se encontrar o caminho correto.
Esse exagero do jogo em punir o jogador, de certa forma, também se estende ao sistema de batalha. Nocturne foi o primeiro título a usar o sistema Press Turn que tornou-se um dos grandes pilares de todos os Shin Megami Tensei subsequentes. O sistema Press Turn faz com que o jogador aproxime o combate de maneira estratégica, oferecendo mais ações por turno caso o jogador acerte fraquezas e críticos e penalizando, removendo ações, caso seus ataques errem, falhem, sejam absorvidos, etc. Jogando de maneira apropriada, é possível realizar o dobro de ações em um único turno e derrotar seus inimigos antes mesmo que tenham a chance de atacar. Da mesma forma, os inimigos também utilizam o sistema e eles também podem abusar das fraquezas do time do jogador, receber ações extras por ataques críticos e decimar o jogador e sua equipe antes de seu primeiro turno.
É um sistema de batalha que preza pela estratégia e que tem uma capacidade de dano altamente explosiva. Um jogador experiente provavelmente vai resolver grande parte das batalhas sem nenhum ou com pouco dano, permitindo que suas explorações de Dungeon sejam longas e frutíferas. No entanto, um crítico do inimigo no momento errado também pode levar rapidamente a um game over e algumas horas de progresso perdido. O risco constante é uma característica intrínseca ao Press Turn e demais sistemas de batalhas derivados dele, no entanto, títulos posteriores implementaram pequenos ajustes e itens para que o jogador tivesse uma chance de luta quando esses cenários extremos inevitavelmente acontecem. Por exemplo, Hama/Mudo são conjuntos de magias que instantaneamente matam seus alvos caso os acertem. Em vários títulos da série SMT existe o item Homúnculo que é utilizado caso o jogador seja acertado por uma magia Hama/Mudo. Em SMT 3 esse é um item que não existe, fazendo com que, muitas vezes, o jogador dependa da aleatoriedade e boa vontade do jogo para não encontrar um repentino game over.
Eu optei por explicar simplesmente a mecânica Hama/Mudo por ser uma das mais comuns e mais eficientes em destruir o progresso do jogador, mas também existem outras mecânicas ligadas ao combate que sempre contém algum detalhe feito especificamente para infernizar a vida do jogador. Magatamas é um sistema que permite customizar quais habilidades o personagem principal irá receber e ao se evoluir de nível ela pode curá-lo completamente ou causar um status negativo. Negociações permitem que demônios se juntem a sua equipe, mas o sucesso dela está atrelado as fases da “Lua” (não é de maneira irônica, já que a iluminação de Kagutsuchi realmente influencia isso), as técnicas utilizadas, ao humor do demônio e, principalmente, a um elemento de aleatoriedade. Algumas negociações simplesmente estão fadadas a falhar e o demônio irá sair com seus itens e dinheiro investidos. As batalhas ocorrem aleatoriamente e em alguns momentos elas serão bem espaçadas e em outros momentos você não poderá dar três passos sem enfrentar o mesmo grupo de demônios de novo e de novo.
Para todos esses problemas, existem estratégias para se lidar com eles dentro do jogo. Os status causados por uma Magatama podem ser curados com itens, a negociação tem uma chance maior de ser bem sucedida com as habilidades certas e existem itens que influenciam a taxa de encontros dentro de uma Dungeon. Não bastasse esses obstáculos, o jogo ainda insiste com mecânicas especiais que apenas inimigos e chefes podem utilizar como habilidades que dão muitos turnos extras e o jogador que se vire para não ser derrotado quando acontecer. O principal agravante é que o jogo não introduz nenhuma de suas mecânicas e suas explicações são muitas vezes superficiais e opcionais, fazendo com que praticamente tudo seja dependente de tentativa e erro por parte do jogador. Essa extrema falta de explicação é a principal razão pela qual eu jamais recomendaria Nocturne como introdução para a série Shin Megami Tensei, mesmo levando em consideração a nova dificuldade Merciful. Os veteranos da série provavelmente vão adorar revisitar o clássico de PS2, mas é também inegável que títulos posteriores evoluíram muito a experiência criada em SMT3.
A história coloca o jogador como o Demi-fiend, um dos poucos sobreviventes de um evento catastrófico que destruiu o mundo e basicamente eliminou a raça humana. Tóquio tornou-se uma terra desolada com inúmeros demônios e facções que lutam por poder e o vencedor desse conflito poderá decidir como um novo mundo deverá ser criado. Os poucos seres humanos que sobreviveram efetivamente tornam-se representantes dessas facções que têm visões completamente diferentes do mundo ideal que desejam criar. Uma das facções quer criar um mundo para aqueles que têm poder, outro quer criar uma sociedade isolacionista, outro pelo silêncio total e completo e por aí vai. As decisões do Jogador/Demi-fiend que irão influenciar esse conflito e irá resultar em um dos múltiplos finais do título. O avanço da história e toda a contextualização do mundo é feita em conta-gotas por meio de diálogos breves, cutscenes e conversas com NPCs, cabendo ao jogador reunir todas essas informações esparsas para que o conjunto da obra faça sentido.
Francamente, SMT3 Nocturne é um título que se beneficiaria mais de um remake completo do que de um HD Remaster. As pequenas mudanças feitas no HD Remaster são bem vindas, mas elas pouco ajudam em eliminar ou diminuir os problemas estruturais do título que o tornam uma experiência principalmente frustrante de ser jogado atualmente. Seriam necessárias mudanças muito mais abrangentes para tornar a experiência de jogo mais moderna e menos frustrante, no entanto, seria um Nocturne drasticamente diferente do produto originalmente lançado no PS2. Aí entra a discussão de até quanto um Remaster deve ou pode alterar seu material de origem para um público novo.
Reforço novamente que SMT3 é um título não recomendado para novatos na série por sequer ter explicações adequadas de suas mecânicas e existem opções melhores dentro da própria série SMT (SMT IV:Apocalypse, Devil Survivor, Persona 5 Royal, etc.) ou dentro do gênero DRPG (Labyrinth of Refrain, Operation Abyss, Demon Gaze,7th Dragon, etc.) para se ter uma experiência semelhante, melhor e menos frustrante para aqueles que desejam conhecer a série Shin Megami Tensei e/ou o gênero DRPG.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Atlus.
Veredito
Shin Megami Tensei III: Nocturne é um título extremamente influente, mas que para os padrões atuais é também uma experiência extremamente frustrante. O HD Remaster é recomendado para aqueles que já amavam o título e precisavam de uma boa desculpa para rejogá-lo, mas para o público em geral é melhor aguardar o lançamento de Shin Megami Tensei V.
Shin Megami Tensei III: Nocturne is an extremely influential title, but by today’s standards it is also an extremely frustrating experience. The HD Remaster is recommended for those who already loved the title and needed a good excuse to replay it, but for the general public it is better to wait for the release of Shin Megami Tensei V.
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