Há um risco ao se resgatar um clássico querido, pois lidar com a nostalgia dos fãs e reproduzir a essência do produto fonte são questões muito delicadas. O debate sobre fidelidade em remasterizações e remakes está em alta, especialmente pelo recém-lançado de Shadow of The Colossus da Bluepoint, e, agora, pela renovação do consagrado RPG da Square Enix – Secret of Mana ou Seiken Densetsu 2 no Japão.
Quais aspectos deverão ser preservados? O novo produto deve ser o mais fiel possível ao original ou deve incorporar técnicas contemporâneas e buscar pela fidelidade ao real? São perguntas difíceis e, qualquer que seja a escolha, certamente causará divisão na comunidade. É um atrito inevitável, embora existam exemplos no mercado que demonstram um ponto de equilíbrio.
Antes de adentrar nas diferenças do remake, uma breve introdução. Secret of Mana é um RPG de ação, lançado originalmente para o Super Nintendo. Sua característica mais peculiar é a belíssima direção artística, manifestada em sprites que conservaram a elegância visual do jogo até hoje. Para a época, seu gameplay também tinha seus méritos, visto que era possível selecionar um diversificado arsenal de armas, com animações e propriedades diferentes. Outro destaque era a possibilidade de jogar a campanha inteira em coop, com mais dois amigos.
A cutscene de abertura no remake contém belas peças de arte que ilustram acontecimentos do passado. Em Secret of Mana, uma fonte de energia chamada Mana foi alvo de ganância dos seres humanos, provocando a ira dos Deuses. A mana utilizada pelos homens foi direcionada para a construção de uma fortaleza áerea, que mais tarde foi utilizada para combater as bestas enviadas pelos Deuses.
A guerra devastou o mundo, diminuindo drasticamente as fontes de Mana disponíveis, e só foi interrompida graças à aparição de um herói que portava uma espada sagrada. A aventura em Secret of Mana acontece muitos anos depois desses eventos, com o protagonista encontrando a espada do antigo herói e, posteriormente, partindo em uma nova jornada para restaurar a força dessa arma.
No meio da jornada, o personagem principal encontra mais dois aliados e, juntos, vão em busca da semente de mana em oito templos espalhados pelo mundo. A história do original foi traduzida de forma fiel ao remake, assim como as personagens e a estrutura da aventura.
Abordando estritamente a composição do mundo de Secret of Mana, a fidelidade no remake é incrível. Objetos e construções foram posicionados de forma idêntica, respeitando as mesmas escalas. Uma flor amarela situada na curva de um rio, presente na versão original, está na mesma posição no remake. Em suma, os jogadores já familiares com o original vão presenciar o mesmo mundo, mas agora construído por meio de polígonos.
E assim chegamos ao aspecto mais polêmico do novo Secret of Mana, a alteração da identidade visual. Comparado aos sprites e pixelart do original, o remake não traz o mesmo charme nos gráficos. Tal característica deve desagradar os entusiastas do original, mas não é tão ruim para os novatos. Há de se reconhecer os esforços empregados no remake de Secret of Mana que, no departamento visual, está muito à frente da renovação feita em Adventures of Mana. Apesar da semelhança nos gráficos, Secret of Mana tem melhores texturas, elaborados efeitos de transparência na água, maior qualidade das sombras, entre outros aspectos.
Pelo menos a arte da versão 16-bit foi preservada em forma de minimapa no Remake, servindo para matar um pouco da saudade. Uma pena que não exista um meio de apreciar a versão original nesse produto do mesmo modo que há para as músicas. Sim, é possível alterar a trilha sonora para a versão original a qualquer momento. Relativo às novas composições sonoras do remake, algumas ficaram boas, outras descaracterizadas. Ao fazer um balanço, as músicas originais ainda são melhores. “The Color of the Summer Sky”, talvez a faixa mais emblemática do jogo, devido ao tempo acelerado e adição de instrumentos, não ficou bem adaptada no remake.
O problema da reimaginação de Secret of Mana foi alterar o que não se devia e preservar o ultrapassado. Fica óbvio a superioridade da identidade visual da versão de 1993, mas é compreensível a mudança para gráficos poligonais, visto que isso representa custos de produção menores e maior facilidade de adaptação do projeto, especialmente na hora de portar para outras plataformas.
A mudança na imagem poderia ser relevada se o gameplay fosse aprimorado nesse projeto. O combate é rudimentar e monótono, todos as características do original foram mantidas. Aceitável em seu tempo, hoje as mecânicas de Secret of Mana não são muito divertidas. Embora seja um RPG de ação, é preciso esperar a barra de stamina chegar aos 100% para desferir ataques com força total. Menos do que 100%, o dano é muito baixo ou o Miss (erro) é garantido, dependendo do inimigo.
A frustração só aumenta com o andamento do jogo, pois surgem inimigos mais fortes e maior é a dificuldade de acertá-los. O uso de magias também interrompe toda a ação do jogo, tornando as batalhas desnecessariamente longas. É preciso esperar o momento da invocação até o acerto para o jogador retomar o controle – isso aborrece ainda mais em lutas contra chefes, visto que as magias são mais constantes.
O menu e o inventário passaram por ajustes nesse remake, mas o formato circular para todas as opções é pouco intuitivo. Para piorar, cada personagem tem seu próprio menu e vagar entre as ações de cada personagem é um processo bastante confuso. Leva algumas horas até o jogador acostumar com tal sistema, algo que poderia ser facilmente descomplicado.
Outro problema dessa versão é a inteligência artificial pouco desenvolvida. Não espere muito esforço de seus companheiros na batalha. Além disso, é recorrente que seus parceiros fiquem travados em alguma parte do cenário e não consigam se reagrupar. E não são apenas os personagens aliados que agem de forma estranha, alguns chefes e inimigos atacam espaços vazios e proporcionam um pouco de humor na hora errada.
Mesmo para aqueles não guardam qualquer referência do original, o gameplay retrógrado deixa Secret of Mana difícil de ser aproveitado plenamente. Contudo, o jogo ainda reserva qualidades. É um JRPG que resgata certas tradições e que deve agradar alguns saudosistas. O jogo possui um equilíbrio entre exploração, interações com NPCs em vilarejos, sistema de progressão das personagens, ítens/dinheiro como recompensas e algumas lutas desafiantes.
A narrativa foi incrementada no remake, todavia é simplória para os padrões atuais. Os personagens não se destacam por seu carisma, até porque a implementação da dublagem não aderiu muito humor ou carga dramática e emocional quando deveria. Ficou estranho também a inexistência de animação labial durante os diálogos – os personagens ficam paralisados enquanto falam.
Não há como deixar de mencionar o preço praticado pela Square Enix em Secret of Mana. Os R$143 cobrados na loja brasileira ou 40 dólares na americana são exagerados. Definitivamente não é um remake com melhorias e exemplar dedicação que mereça o valor pedido.
Veredito
O grande inconveniente do remake de Secret of Mana é que se alterou o que não precisava e, o que carecia de renovação, foi preservado. O remake desse jogo podia ser mais refinado e fãs de longa data provavelmente compartilham do mesmo sentimento. É um RPG japonês que resgata aspectos clássicos do gênero, mas que deve contemplar somente jogadores novatos sem qualquer referência do produto original.
Jogo analisado com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
Secret of Mana’s biggest drawback is the changes where it didn’t have to, and what needed an update, was preserved. The remake could be more refined and longtime fans probably share the same feeling. It is a Japanese RPG that rescues classic aspects of the genre, but should only contemplate new players without any reference to the original product.
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