Se há uma franquia em clara necessidade de se reimaginar, era Saints Row. Enquanto ela realmente nunca se levou a sério (salvo, talvez, pelo título original de 2006), o combo apresentado em Saints Row 4 e Saints Row: Gat Out of Hell tornou um tanto quanto desafiador seguir com a franquia daquele ponto.
Mas, se anos de produções hollywoodianas e videogames nos ensinaram algo é que, não importa o quão profundo seja o buraco criativo no qual você se meteu, há sempre uma mágica palavra capaz de te salvar e abrir o seu horizonte: reboot. E foi essa a rota escolhida pela Volition para o primeiro título original da série desde 2015 e o primeiro jogo do estúdio desde Agents of Mayhem em 2017.
Ao contrário de outros reboots, no entanto, Saints Row busca levar a franquia para mais próximo ao que ela era entre Saints Row 2 e 3 (especialmente o terceiro jogo), mantendo ainda o tom mais leve e irreverente que ajudou a conquistar um nicho e criou uma legião de fãs por aí, deixando mais de lado os absurdos narrativos dos jogos subsequentes. E há uma série de desafios de se olhar para jogos de 10 anos atrás como inspiração em um mercado de jogos que se tornou bem diferente desde então.
Saints Row te coloca, novamente, no papel do líder do grupo de criminosos conhecidos como Saints. Ao contrário dos jogos anteriores, não só essa nova gangue não tem relação com os 3rd Street Saints, mas a história em si conta toda a origem dessa nova gangue. O protagonista, chamado de Boss durante quase todo o jogo, começa como um mero novato em uma das três gangues que brigam pelo controle de Santo Ileso (uma cidade bastante inspirada em Las Vegas).
Logo de cara, o jogo faz questão de estabelecer que o protagonista tem dois talentos especiais: matar gente e explodir coisas. Graças a isso, trabalhar com os Marshall, uma gangue/corporação paramilitar internacional, para pagar as contas parece a melhor saída. Porém, graças ao seu temperamento um tanto quanto impulsivo e ao falhar em uma missão dada pelo chefe dos Marshall, Boss logo se vê desempregado.
Cabe a ele então colocar seus principais talentos em conjunto com seus três colegas de quarto para criar sua própria gangue, os Saints (com o nome sendo decidido de forma bem legal) e tentar construir o seu próprio império do crime para dominar Santo Ileso através de todo tipo de crime ou falcatrua possível.
É um plot simples e bem direto ao ponto, mas que funciona. Saints Row não é o tipo de jogo que precisaria de uma história megalomaníaca cheia de reviravoltas ou linhas narrativas grandiosas. A simplicidade aqui funciona a favor do jogo, com o seu sucesso vindo muito do quão carismáticos os personagens são, especialmente o quarteto principal, e como eles fazem mesmo a constante sequência de acontecimentos absurdos funcionar.
As diferentes histórias por cada um dos personagens secundários é muito bem-vinda também. Neenah é uma ex-piloto/mecânica da gangue Los Panteros, especializada em carros; Kevin, um DJ que fazia parte da gangue de anarquistas anti-capitalismo focada em festas chamada Idols; e Eli, um aspirante a coach e empresário sem envolvimento com gangues que acaba se tornando o braço direito do Chefe no planejamento das atividades dos Saints.
Outros personagens vão sendo apresentados ao longo do jogo, com cada uma das gangues tendo seus próprios líderes, que funcionam como os principais antagonistas do título Seu objetivo é bem simples: dominar cada vez mais território, expandir e proteger as atividades dos Saints e se tornar a gangue mais poderosa da cidade. Com isso, novos personagens também vão surgindo para lhe auxiliar na administração de coisas como lojas de carros roubados, golpes em seguradoras, tráfico e tudo mais.
Sua progressão ao longo do jogo é divida em missões, que lhe ajudam a avançar com a história principal e missões secundárias, incluindo aí todo tipo de atividade “extra” imaginável. Isso inclui missões específicas para subir o nível dos seus negócios ou atividades secundárias para protegê-los, missões de extermínio na qual é necessário matar alvos para ganhar dinheiro.
O mapa conta ainda com pequenas atividades secundárias, como a procura por itens especiais que podem ser impressos em 3D para decorar o QG dos Saints, locais para tirar foto que servem como fast travel ou lixos para serem vasculhados para ganhar itens raros. O mapa, que é dividido em nove distritos, conta com uma boa quantidade de coisas para se fazer, mas sem passar do limiar que tornaria tudo excessivo e cansativo demais, te recompensando pela exploração sem te encher o saco.
Ajuda bastante que explorar o jogo é divertido graças às boas mecânicas de direção que o jogo possui. Como todo bom simulador de crime do mundo aberto, existe uma vasta quantidade de carros, armas e roupas para personalizar a sua experiência, tudo muito distinto e único entre si. Cada região possui seus próprios segredos, com atividades rápidas e recompensadoras.
Cabe dizer ainda que o jogo te recompensa muito bem por completar as missões e explorar tudo o que o jogo tem a oferecer graças ao simples mas interessante sistema de progressão presente aqui. O jogador pode equipar até 04 habilidades distintas, que são destravadas ao subir de nível, e até 05 vantagens, que você precisa destravar o slot com dinheiro e conquistar ao completar objetivos secundários das várias atividades distintas do mapa.
Habilidades são um tanto quanto mais limitadas, mas bem poderosas. Elas podem ser usadas utilizando a barra de Fluxo e são, essencialmente, ataques especiais que te ajudam em combate. Vantagens, por outro lado, são pequenos “perks” que te ajudam em coisas específicas, como se mover mais rápido enquanto está agachado, mirar melhor com hipfire ou correr mais rápido.
É possível ainda melhorar as suas armas. Ao entrar na loja Friendly Fire é possível comprar uma arma para o seu arsenal, com o jogador podendo carregar uma de cada tipo. O jogo conta com um arsenal bem variado, com cada uma das armas presentes agindo de forma bem distintas. Além disso, nessas mesmas lojas, é possível gastar dinheiro para melhorar o nível da arma, o que pode ser feito até três vezes.
Se há algo a reclamar, no entanto, fica pela estrutura das missões do jogo que é bastante repetitiva. Quase todas as missões se resumem a dirigir até um certo ponto, enfrentar ondas de inimigos, fugir do local e enfrentar um último grupo de inimigos. Com uma ou outra dessas fases sendo opcional.
Algumas raras missões fogem dessa estrutura, como aquelas em que é necessário usar a Wingsuit, e é difícil apontar como poderia ser diferente, mas é algo que chama a atenção. Dito isso, o diálogo e a história de cada missão geralmente compensa pelo simples e completo absurdo das situações que os Saints se metem.
Essa repetitividade, no entanto, está longe de ser o maior problema de Saints Row. Isso fica por conta dos problemas técnicos vistos no jogo e do sistema de combate que claramente precisa de alguns ajustes. São pequenas coisas, mas que acabam afetando bastante a experiência, especialmente em um jogo focado em exploração e em atirar nos seus inimigos.
Primeiro, sobre a performance, fica o registro que, se você tem uma TV 4K, eu recomendo que opte por jogar em 1440p. Apesar do jogo ficar muito bonito em 4K, a taxa de quadros é sofrível, com o jogo sofrendo bastante com slowdowns no PS5. Já em 1080p, apesar do framerate ser ótimo e constante, o visual fica bastante serrilhado. Curiosamente, em 1440p, o jogo consegue se equilibrar e entregar uma experiência adequada em todos os aspectos.
Cabe dizer também que, só no modo em 1440p eu não sofri com glitches ou bugs no jogo. Especialmente no modo de resolução em 4K se tornou bem comum ver inimigos clippando pela tela ou inimigos simplesmente desaparecendo e se tornando impossíveis de se acertar. Após trocar para a resolução apontada, o jogo se manteve bastante liso e estável, evitando os serrilhados vistos em 1080p, mas mantendo uma taxa de quadros agradável aos olhos.
Com relação aos problemas envolvendo o gameplay, quase todos ficaram única e exclusivamente por conta das mecânicas de tiro do jogo. Ele conta com um sistema de mira automática que constantemente tenta brigar com o controle sobre quem está no comando na hora de atirar.
Isso significa que, ao contrário de jogos similares com essa mecânica, ele não direciona a mira e te deixa ajustar livremente, mas trava e tenta te impedir de ajustar a mira o tempo inteiro. Isso acaba fazendo com que você tenha uma de três opções: 1) só atirar do jeito que ele quer (isso quando ele reconhece o alvo); 2) ficar numa constante disputa pelo “controle” que te fará desperdiçar muitas balas; ou 3) apelar pro hipfire com uma frequência excessiva.
Não é a pior coisa do mundo, já que no fim das contas você acaba se adaptando, mas para um jogo de tiro, é algo que não deveria existir da forma como é. Ainda assim, é algo que, com pequenos ajustes, pode ser resolvido. A outra parte do problema é que a hitbox dos inimigos é bem inconsistente, então mesmo tiros (ou ataques físicos) que deveriam acertar acabam errando, aumentando a frustração com o combate.
Por fim, o sistema de menus do jogo é um tanto quanto estúpido. Para acessar tudo que há de importante, você precisar apertar o trackpad do DualSense e então escolher a opção que você quer. Se você estiver a pé, isso geralmente funciona, mas, como acessar o menu não para o jogo, tentar acessar o mapa enquanto dirige é uma receita para o desastre iminente.
Nada disso tira o fato do jogo ser bastante divertido, graças a variedade de coisas a se fazer. O mapa é consideravelmente grande e a cidade de Santo Ileso é muito bonita, com o cenário desértico se contrapondo a prédios modernos e as cores vibrantes do jogo. O sistema da “mesa do império” que te permite construir novos negócios também tem um claro impacto no visual da cidade, tornando tudo ainda mais vivo e mais vibrante.
Considerando tudo isso, é bem fácil dizer que Saints Row é um jogo muito divertido e que, se você tem interesse naquilo que ele se propõe a ser, você vai ter uma experiência bastante positiva com ele, especialmente se conseguir relevar os problemas que o jogo possui. A Volition pode não ser a desenvolvedora tecnicamente mais proficiente da indústria, mas os jogos dela tem uma clara identidade e valem bastante a pena.
Em um mundo em que a dominância de GTA se tornou tão expressiva, simuladores de crime se tornaram cada vez mais raros. Ainda assim, Saints Row segue fazendo por merecer o seu público cativo graças ao seu bom humor, mecânicas sólidas, mundo vasto e divertido de se explorar e o constante esforço em transformar os Saints na gangue mais absurda e memorável da indústria dos videogames.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Deep Silver.
Veredito
De várias formas, Saints Row é um jogo que olha para o seu passado com reverência, tentando manter muito do que deu certo enquanto o atualiza para uma nova geração de jogadores (e consoles). Ele consegue fazer com muito mais acertos do que erros, mas ainda assim é um jogo que não deve agradar a qualquer jogador. Se você é fã do tom e da proposta dele, é inegável que há dezenas de horas de diversão a se tirar daqui.
In many ways, Saints Row is a game that looks back on its past with reverence, trying to keep much of what worked in the past while updating it for a new generation of players (and consoles). It manages to do it with many more hits than mistakes, but it’s still a game that shouldn’t please any player. If you are a fan of its tone and proposal, it is undeniable that there are dozens of hours of fun here.
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