Tormenta. Nenhuma outra palavra é tão sinônimo de RPGs de mesa no Brasil quanto Tormenta. O cenário de fantasia criado em 1999 pelo Marcelo Cassaro, Rogério Saladino e JM Trevisan como um mero encarte da edição 50 da saudosa Dragão Brasil rapidamente se estabeleceu como um dos maiores expoentes do cenário nacional.
Ao longo dos anos, com a expansão iniciada após os títulos passarem para a tutela da Jambô Editora, novas expansões, romances, HQs (fora a icônica Holy Avenger) e tudo mais passaria a integrar o Cenário Expandido de Tormenta. É claro, como toda boa franquia multimídia em expansão no século XXI, uma outra fronteira precisaria ser cruzada: os jogos de videogame.
O primeiro projeto viria na forma de O Desafio dos Deuses, um jogo de plataforma 3D lançado em 2013 lançado para PC e Mac, desenvolvido pelo Laboratório de Jogos Digitais da Universidade Feevale em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. E dos estudantes e professores responsáveis pelo projeto eventualmente nasceria a 40 Giants Entertainment (cuja história você pode saber mais ouvindo nosso podcast).
Agora trabalhando em parceria com a 1C Entertainment e com o estúdio inteiro trabalhando de forma dedicada ao jogo, a 40 Giants lança seu primeiro jogo como um estúdio oficial, o Reverie Knights Tactics. Contando uma história mais contida mas ainda ambientada em Arton, o jogo deixa a estrutura de um beat-em-up visto no título anterior e abraça o enorme potencial apresentado por um RPG de Estratégia.
A narrativa gira em torno de Aurora, uma jovem Clériga de Tanna-Toh, a deusa do conhecimento de Arton. Após o seu pai desaparecer junto com um grupo de aventureiros que buscavam solucionar um mistério nos entornos de Rarnaakk (a versão globinóide da antiga capital élfica de Lenórienn), Aurora é encarregada de partir em uma expedição para encontrá-lo e trazer de volta o conhecimento perdido para o templo de Tanna-Toh.
Ao longo de sua jornada, Aurora contará com o apoio de três importantes aliados: Brigandine, a melhor amiga de Aurora e uma membro da guarda de Malpetrim que usa seu escudo para atacar; Fren, um elfo caçador contratado para guiar Aurora por Lamnor; e Hellarion, uma plataforma móvel imbuída de parte da energia de Helladarion, um artefato vivo que lidera a ordem de Tanna-Toh.
Juntos, o grupo parte em sua jornada e contará com alguns aliados que os auxiliarão com dicas e sugestões sobre como desbravar as perigosas florestas de Lamnor e suas várias ameaças. Reverie Knights é um jogo bem direto em sua narrativa, gastando pouquíssimo tempo com diálogos bobos e focando muito no avançar da história e em explicar melhor o mundo em que o jogo se passa.
Isso significa que, se você não é fã de longa-data de Tormenta, não se acanhe. RKT é um jogo extremamente focado em si mesmo, contando uma história totalmente separada e bem estruturada naquele universo, mas sem deixar de lado uma série de referências e easter eggs para quem está acostumado com Arton. É legal saber algumas das menções, mas tudo que você precisa saber para entender a história de ponta a ponta será explicado com bastante cuidado.
Cabe então dizer que, apesar da curta duração (cerca de 14 a 15 horas para terminar uma campanha, fazendo todas as poucas missões secundárias), Reverie Knights Tactics conta sua história com muito sucesso. A jornada de Aurora e o crescimento dela e do restante da equipe é notório e apesar de se encerrar de forma satisfatória, fica um gostinho de quero mais e um forte desejo de ver mais coisas sendo contadas com esses personagens nesse mundo.
Felizmente, RKT tem um considerável fator replay graças a uma mecânica em específico: o sistema de Ordem e Caos. Em determinados diálogos, Aurora terá que fazer uma escolha e a depender da escolha que for tomada, isso aumentará o seu alinhamento com a Ordem ou com o Caos.
Apesar da narrativa como um todo ter um final estabelecido, essas decisões mudam consideravelmente o meio da história, e a própria personalidade da Aurora é bem diferente a depender do alinhamento escolhido, já que alguns diálogos automáticos também mudam pelo alinhamento. Isso faz com que, caso você queira ver tudo que o jogo tem a oferecer, você precisará jogar pelo menos duas vezes fazendo escolhas distintas (especialmente necessário se quiser platiná-lo) e não há uma escolha “certa” em momento algum.
Um último ponto importante da narrativa é que, em certos momentos, você precisará resolver certos quebra-cabeças para avançar. Eles vão de um pequeno minigame para abrir baús a um quebra-cabeça importante que precisa ser solucionado para poder avançar a história no final de cada um dos três atos do jogo.
O combate de Reverie Knights Tactics consegue equilibrar de forma (quase) perfeita os requisitos mais importantes de um RPG de Estratégia. Se você conhece o gênero, já sabe o que esperar daqui. Um mapa visto por câmera isométrica, dividido em um tabuleiro com quadrados à lá xadrez/dama, o jogador e os adversários movendo seus personagens em turnos alternados e uma limitação de pontos de ação te forçando a se mover e agir de forma estratégica.
E RKT faz isso muito bem. Cada personagem possui duas ações por turno, podendo usar os dois pontos para concentrar melhor a ação escolhida, seja se movimentando para mais longe ou atacando com mais força. Além dos tradicionais ataques, defesa e uso de itens, cada personagem pode equipar até três habilidades (e você vai desbloquear muito mais que isso) que gastam MP para serem ativadas.
Os quatro personagens se encaixam em um determinado arquétipo diferente e saber como movimentá-los e manipular os mapas da melhor forma é essencial. Você terá armadilhas no mapa que precisam ser observadas e usadas à seu favor (ou contra você), mas também precisará se manter atento aos movimentos de cada inimigo, já que o menor dos erros é punido com bastante agressividade pelos inimigos e perder um dos seus personagens pode colocar toda a batalha à perder.
É claro, se você não for dos jogadores mais experientes com o gênero, RKT possui um modo história, no qual os combates ainda são bem divertidos, mas você recupera todo seu HP e MP após cada batalha e os ataques inimigos são um pouco menos punitivos. No entanto, no modo normal, você precisará gerenciar recursos, se curar por conta própria (salvo quando seus personagens subirem de nível e em pontos-chave da história) e realmente exercitar seu cérebro.
Se isso não for desafio suficiente, cada mapa possui uma série de desafios secundários a serem cumpridos e que te forçam a pensar bastante sobre como cumprí-los. O êxito te recompensará com mais EXP e mais Cogni, a moeda utilizada para desbloquear artefatos na sua base, itens que podem ser equipados no seu personagem e que darão melhorias às estatísticas do personagem.
Além desses artefatos, a customização se limita a escolher em qual das três características melhorar ao evoluir seu personagem (Força, Astúcia e Defesa) e quais habilidades destravar e equipar. Não é muito, mas essa simplicidade te permite focar no combate e na história sem perder muito tempo em menus pensando nos mínimos detalhes da progressão da sua equipe.
O ponto negativo de RKT fica por conta de uma série de pequenos bugs que acontecem no jogo. Personagens somem em certas animações, modelos de inimigo desaparecem do nada apesar de claramente estarem no mapa, animações um pouco lentas e outras coisinhas do gênero. Nada que quebre o jogo ou torne a experiência ruim, mas precisam ser apontados.
No todo, Reverie Knights Tactics é um ótimo jogo e é mais um da série de bons exemplos da fase incrível que os títulos brasileiros vivem atualmente. Cabe destacar também a beleza das artes do jogo (todas feitas à mão) e a boa trilha sonora que ajudam a enriquecer consideravelmente a experiência.
Assim, é impossível não recomendar RKT se você é fã de Tormenta ou fãs de RPGs de Estratégia. Se ambos os pontos apelam pra você, ele se torna então um jogo que obrigatoriamente precisa ficar no seu radar para breve. A experiência como um todo vale muito a pena e irá te divertir imensamente.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela 1C Entertainment.
Veredito
Reverie Knights Tactics faz jus ao legado de Tormenta e constrói uma ótima história com um combate bastante desafiador e satisfatório. Apesar de alguns problemas técnicos, merece a atenção dos jogadores.
Reverie Knights Tactics lives up to the legacy of Tormenta and builds a great story with very challenging and satisfying combat. Despite some technical problems, it deserves the attention of players.
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