Jogos de plataforma são mais do que tradição, são um verdadeiro patrimônio artístico do nosso meio. Em quaisquer listas de melhores ou mais importantes de todos os tempos, é muito provável que teremos alguns bons exemplos do gênero que em vários aspectos acaba definindo a própria linguagem dos jogos eletrônicos e, exatamente por isso, sempre que uma nova proposta chega ao mercado, ela carrega consigo décadas de tradição, amadurecimento e refinamento da fórmula, juntamente com uma série de responsabilidades. Potata: Fairy Flower não é exatamente um estreante, já que sua versão para Nintendo Switch já está no mercado há algum tempo, mas é provável que muita gente esteja conhecendo o título agora, trazendo junto a inevitável pergunta: o que eu posso esperar deste jogo que já não vi em outros tantos antes?
Assumindo o papel de Potata, uma jovem bruxa cujo animalzinho de estimação não está bem de saúde, temos a responsabilidade dada por ninguém menos que a mãe dela, já mais experiente e conhecedora de boas fórmulas, de encontrar alguns ingredientes necessários para que ela possa preparar, claro, uma poção perfeita para ajudar a pobre criatura, e de quebra ainda recolher algumas frutas raras para renovar a famosa horta da família. O mundo que se abre para a heroína é cheio de encantos, cores e vida, mas também repleto de perigos e obstáculos que vão demandar dela astúcia e, principalmente, coragem.
Sem considerarmos que esta distinta senhora está enviando sua filha para uma série de desafios que podem lhe custar a vida, esta é uma aventura que assume um tom bastante leve e pueril desde o início e, mesmo trazendo alguns elementos um pouco mais intensos ao longo da (não tão longa) caminhada, é, de maneira geral, um verdadeiro estado de relaxamento para qualquer um de nós que esteja acostumado ao ritmo acelerado ou à seriedade e gravidade da maioria dos jogos no mercado atual. Há aqui um misto, no que se refere a tonalidade, entre o consagrado Ori and the Blind Forest e o subestimado e bem menos conhecido Hoa, que se permite cadenciar o ritmo não para a contemplação, mas pela proposital sensação de falta de urgência. Não há a necessidade de salvar o mundo o tempo todo, e ainda que Fox, mascote a ser curada, seja importante, o chamado ao qual atende nossa protagonista é muito mais sobre ela amadurecer neste nunca em relação aos outros do que sobre algo magalomaníaco.
Como dinâmica do projeto, podemos dizer que este é basicamente um jogo de plataforma 2D de progressão lateral com elementos de puzzle… ou talvez o contrário. Potata, para alcançar seus objetivos, precisa desbravar alguns cantos pouco convidativos da floresta aos arredores de sua casa, recolhendo frutas e enfrentando inimigos, por vezes em movimentos diretos utilizando sua poderosa espada de madeira, mas na grande maioria do tempo, simplesmente os evitando como uma criança deve fazer. Para isso, ela conta com alguns artifícios, como pedaços de madeira que serão transformados em pontes sobre precipícios (ou sobre a boca de monstros maiores), guloseimas para distrair feras mais ariscas, e chaves, muitas chaves para abrir baús opcionais com grandes bônus.
Todo esse loot, por assim dizer, tem dois objetivos: o primeiro deles, os itens mais comuns que funcionam como as moedas de Super Mario ou os anéis de Sonic, servem como a monetização do jogo, tanto para que possamos abrir novas áreas e comprar melhorias com um mago sombrio local, como até para realizar salvamentos complementares do nosso progresso. Isso porque ao alcançar pontos de checagem pela primeira vez, o jogo é salvo automaticamente, mas se quisermos fazer alguma coisa depois disso e voltar a salvar no mesmo lugar, há um custo. É uma forma interessante de se usar a funcionalidade, mas confesso que nem sempre isso funciona a contento. Não são raras as vezes onde salvamos passagens com muita frequência, com dois ou três minutos de diferença, e em outras oportunidades, onde é necessário alguma exploração labiríntica, podemos perder bastante tempo caso escolhamos esperar pelo próximo checkpoint original. Parte da possibilidade é saber quando arriscar abrir mão da nossa coleta e quando guardar para coisas mais importantes sabendo que tudo pode se acabar em um passo em falso.
Já o segundo tipo de coletável são itens que serão úteis tanto para cumprir parte da missão como para resolver quebra-cabeças, como peças de engrenagens e outros dispositivos, itens para algum NPC que nos fez uma encomenda e coisas assim. O inventário não chega a ser uma complicação porque é raro que estejamos carregando mais itens do que é possível cuidar, e na pior das hipóteses, sempre que terminamos uma fase e retornamos para casa, há um baú logo ao lado para guardar coisas sobressalentes. Tudo muito simples e bastante prático, deixando a dificuldade para a percepção do que utilizar em qual momento. Por exemplo, há uma criatura que gosta de cenouras e sempre que alimentado, pode abrir um caminho obrigatório ou nos dar alguma coisa em troca, mas nem sempre isso é tão óbvio, principalmente depois das primeiras horas da campanha. Saber quando utilizar itens ou quando é necessário procurá-los é muito provavelmente o maior desafio de Potata: Fairy Flower, que nunca chega a ser complicado demais em qualquer outra parte.
Sim, as batalhas contra chefes podem ser um pouco mais provocativas, alguns trechos de plataforma com tempo ou precisão pedem mais atenção, mas tudo é bastante acessível principalmente para os veteranos do gênero. Crianças podem ter um pouco mais dificuldade em alguns momentos, principalmente alguns puzzles que demandam um pouco mais de raciocínio e/ou resiliência, mas tudo pode ser contornado mesmo por quem tem menos habilidades com um pouco de insistência. A única falha maior, nesse aspecto, é que o jogo é bastante generoso em diálogos, por vezes com opções de resposta e conversas adicionais, mas não há qualquer localização para o nosso bom e velho português brasileiro. Se a história não tem lá grande profundidade, há algumas dicas e orientações importantes do que fazer a seguir que precisam de um entendimento ao menos básico do inglês, o que é uma pena. Já que os diálogos são somente via texto, seria ótimo ter a opção de jogar na nossa língua, principalmente por ser um produto para toda a família.
Se não há vozes, a boa notícia é que a sonorização do jogo é muito acalentadora. Aquela música tranquila de aventuras medievais mais simples de outrora ganha contornos mais emocionantes em poucos momentos, mas no geral é feita para que nos sintamos seguros e confortáveis, algo que também pode ser dito sobre a direção de arte que emoldura a ação como uma ilustração colorida de um livro infantil. Com formas suaves e transbordando fofura, o game flerta com uma estética mais estilizada pendendo a animação de recortes, sem contudo perder a fluidez acetinada de movimentos. As animações de personagens secundários e inimigos parecem restritas e pouco convidativas, mas é na construção de um mundo típico dos contos de fadas onde Potata: Fairy Flower encontra sua força. Pode ser que isso tudo contribua para uma dinâmica um tanto quanto morna que dificilmente nos faz sentar na ponta da cadeira, mas provavelmente essa nunca foi a intenção dos desenvolvedores.
A falta de um elemento surpreendente é, assim, uma das mais evidentes limitações do jogo. As mecânicas de plataforma, em momento algum, oferecem qualquer diferencial do que já vimos nos últimos 30 anos e, ao contrário, se satisfaz com o mais básico dos movimentos. Lento em alguns momentos e com um desenho de níveis simplório, Potata não tem muito a oferecer neste departamento depois que nos acostumamos com o ritmo de flores que abrem e fecham e com espinhos que sabemos, por cores, se são fatais em um único toque ou se consomem só um ponto de HP. Vencer inimigos com ataques diretos ou com dribles óbvios também não chega a ser algo que mude a percepção do jogador, e a coisa fica um pouco menos precisa quando se adiciona, de tempos em tempos, um tipo de vegetal explosivo, já que estranhamente há um delay na troca de ferramentas que pode complicar desnecessariamente a conjunção de diferentes movimentos em pouco tempo. Parece que pular, golpear um inimigo e arremessar uma bomba é coisa demais não para o jogador, mas para os controles da personagem.
A outra metade da experiência, porém, é um pouco mais estável, ainda que nem sempre muito bem contextualizada. Atravessar um campo cheio de aranhas perigosas para nos depararmos com um painel típico de Tetris parece uma quebra paradigmática tão grande que nos tira da imersão daquele mundo. Obviamente que estamos em um ambiente de jogo e não se espera que parar a aventura para resolver um enigma seja algo estranho porque isso está presente de games mais simples até os mais sofisticados, mas ainda assim tudo isso parece um tanto quanto deslocado aqui. Prefiro muito mais alguns percalços para acionar elevadores, empurrar pedras ou abrir passagens, estes também presentes em muitas fases surpreendentemente longas, do que telas com minigames alheios ao mundo de Potata. Uma pena que, neste caso, o level design mais fraco não favoreça a descoberta e a experimentação destas passagens, porque normalmente nada enrosca por muito tempo.
Em resumo, Potata: Fairy Flower é bom em tudo o que está propondo. Entretanto, bom pode não ser exatamente o suficiente para recomendar um jogo que se parece muito com outros tantos que são bem melhores que ele. Sua abordagem mais lúdica, calma e infantil poderia ser um grande diferencial principalmente em dias onde os jogos interessantes voltados ao público infantil ficam cada vez mais escassos, mas neste aspecto, para nós brasileiros, a barreira do idioma pode não ser algo intransponível, mas certamente aquilo que tende para um ponto negativo, principalmente em um jogo que mesmo sem uma narrativa tão complexa se apoia bastante em diálogos por vezes alongados demais para personagens interessantes de menos. Potata é sensível e um arquétipo impossível de não agregar simpatia que certamente encontraria um público muito fiel nos anos 1990, mas nos dias de hoje, o jogo pode só cair na vala comum de ser, dentre tantos, só mais um bom jogo de plataforma.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Sometimes You.
Veredito
Não há dúvidas de que Potata: Fairy Flower é um bom jogo de plataforma com temática infantil ambientado em um belo mundo de fantasia. Infelizmente, as mecânicas sem qualquer diferencial, falta de localização, puzzles desconexos e um level design sem brilho não o destacam num universo recheado de ótimas outras opções.
There is no doubt that Potata: Fairy Flower is a good child-themed platform game set in a beautiful fantasy world. Unfortunately, the lackluster mechanics, lack of localization, disjointed puzzles and a bad level design do not make it stand out in a universe full of great other options.
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