Um mundo cheio de criaturas que mesclam entidades demoníacas com máquinas, cenários com cores e formas ultra saturadas que beiram o surrealismo estético e uma história não tão estranha assim, mas contada do jeito dos mais malucos. Poison Control tem muitos elementos exagerados que ora ou outra surgem para mexer um pouco com os padrões atuais no mercado de jogos e fica difícil inclusive delimitar gênero ou nicho ao qual se destina. Por um lado, esse é talvez o maior acerto da produção, que consegue inovar dentro do gênero shooter em terceira pessoa; mas por outro, fica a sensação de que a ousadia não consegue dar o passo adiante, e o game parece um daqueles casos onde o conceito é mais interessante que a execução.
Em termos narrativos, há um certo mistério a ser resolvido e que, aos poucos, vamos compreendendo um pouco melhor, ainda que a forma de se contar não seja tão simples assim. Basicamente, o jogador assume um personagem levemente customizável que se encontra em um mundo estranho, sem qualquer memória ou pista do porquê está ali. Sem tempo para muitos questionamentos, logo se vê no confronto com criaturas bizarras (que mais parecem versões malvadas de Marvin (do Guia do Mochileiro das Galáxias), e que mais tarde saberemos que são chamados de Kleshas. Com uma ajuda inesperada da entidade que se auto-denomina Poisonette, nossa heroína deve conseguir se livrar das ameaças e aprender os princípios básicos de como se comportar nesse novo universo.
Dividido de forma bastante tradicional em fases de começo, meio e fim, o jogo logo nos justifica essa organização em grandes círculos, que nada mais que são que infernos, ou domínios que estão povoados e envenenados por alguma entidade com seus medos, amarguras e ressentimentos. Daí vem a necessidade de purificação, por assim dizer, e a possibilidade de alguma redenção. Se a ideia remete rapidamente a Dante Alighieri, a referência acaba ficando na superfície e a história de alguém guiado pelo inferno por círculos ganha contornos próprios e muito particulares. O mesmo vale para os aspectos tratados no jogo, como violência e assassinato (temas que levaram ao rancor que inspira cada nível) e que são levianamente trabalhados em conversas que passam meio que despercebidos.
Por meio de diálogos relativamente longos com Poisonette e outras tantas personagens, cada uma mais excêntrica que outra, e outras fontes, como programas de rádio (?), o game vai desenvolvendo melhor aquele universo, oferecendo uma certa profundidade imersiva da lore de Poison Control. Ainda que não esteja devidamente localizada para o nosso bom e velho português, essa elaboração criativa é um dos aspectos mais interessantes do projeto e vale a pena se atentar a cada detalhe. O formato pode parecer cansativo em alguns momentos, principalmente para jornadas mais longas de jogatina, mas vale a pena se dedicar, mesmo que ele seja pouco influente para o jogo em si. Mesmo porque é a parte mais interessante de todo o game.
Isso porque no final das contas, o jogo em si se resume a duas ações principais: a primeira delas é usar algumas armas (ou algo que o valha) para eliminar os Kleshas que surgem pelo caminho, em uma mecânica de tiro bem tradicional, só que um tanto quanto imprecisa e simplificada, com armas de ataque mais contundente, outras com tiros mais rápidos, e assim por diante; e a segunda é uma ação de purificação, por assim dizer, eliminando o veneno espalhado pelos ambientes e, para tanto, é necessário cercar essas áreas com uma habilidade especial de Poisonette. Parece algo estranho para se descrever e é mais provável que se compreenda melhor a mecânica no vídeo de gameplay que acompanha essa análise, ali no topo. O jogo, aliás, é aquilo do começo ao fim.
Infelizmente, portanto, não há muito mais o que se oferecer ao jogador para além disso. Da trinca de aspectos essenciais – o design artístico, a construção narrativa e a jogabilidade – há muita ousadia e criatividade nos dois primeiros, mas o segundo não vai além. O level design sofre com a falta de mais possibilidades de ação, e se resume a corredores e bolsões com inimigos. Mesmo que a ausência completa de verticalidade na movimentação da personagem (algo que não seria um problema em si), a disposição do cenário é bastante simplória e agrega muito pouco no que tange a exploração. Há um baú de itens e moedas espalhado aqui e outro acolá, mas nada que realmente traga interesse por parte do jogador.
O resultado disso é um jogo bastante repetitivo e sem quaisquer variações estratégicas ou diversidade de ação. A dificuldade aumenta gradativamente, mas isso ocorre muito mais por um aumento na resistência dos inimigos e no volume de adversários no cenário do que por qualquer outro motivo, algo que acompanha as melhorias gradativas em alguns aspectos que resultam de opções de diálogo e a melhoria de armas com o “dinheiro” coletado ao se vencer inimigos e purificar áreas. O objetivo, contudo, se mantém o mesmo: siga para o próximo corredor, elimine o veneno, vença os inimigos, siga para o próximo corredor e assim por diante. Alguns chefes de fase trazem um pouco mais de frescor ao combate, mas não tanto assim. É uma experiência que pode se tornar repetitiva e, para ser melhor apreciada, precisa ser vivida em doses mais pulverizadas.
O desafio, por sua vez, é bastante receptivo ao jogador, e mesmo quem não tem muitas habilidades em velocidade e precisão em jogos de tiro se sentirá bem a vontade aqui. Ajuda o fato de poder repetir fases anteriores, seja para encontrar as medalhas – são sempre 3 para se coletar – que ficaram para trás, seja para subir o nível geral (o que significa aumentar também a barra de vida). Além disso, há alguns aspectos – sinergia, confiança, empatia, percepção e toxicidade – que podem ser melhorados indiretamente por meio de escolhas de diálogos e que acrescentam algumas vantagens, seja na resistência a ataques, maior poder de fogo, velocidade e outros. O que pode irritar aqui é que não há checkpoints, o que significa que morrer leva o jogador ao início da fase, perdendo tudo o que havia coletado e conquistado, incluindo a experiência. Com fases cada vez mais longas ao se aproximar do final, voltar do zero acaba se tornando frustrante.
Isto posto, é inegável que o estilo visual do jogo oferece uma profusão de cores ultra-saturadas e cada fase é um verdadeiro deleite para quem aprecia intensidade. Ainda que a modelagem de ambientes e cenários ofereça pouco com o que trabalhar, aquilo que está lá – basicamente corredores, área externa de preenchimento e alguns adereços cenográficos – não economiza nesse aspecto. Particularmente, gosto quando o jogo não tem nenhum pudor no uso de cores fortes e outros efeitos mais espalhafatosos quando isso é parte da proposta estética do trabalho. O problema de Poison Control não está no uso das cores, mas sim onde elas são aplicadas.
Curioso é que os ambientes de diálogo e outros espaços da interface são muito mais bem resolvidos, mesmo sem qualquer virtuosismo exagerado. Esses espaços funcionam, são bastante reconhecíveis para quem conhece produções deste mesmo estilo que brinca com a estética anime e parecem não fazer muito sentido quando em conjunto com o jogo em si, algo que parece ser uma consequência da experiência da dev Nippon Ichi Software (de Disgaea), maior com o 2D e os sprites do que com games tridimensionais como este. Há boas soluções, a exemplo de alguns elementos gráficos que ajudam a perceber um pouco mais de profundidade, como efeitos de névoa ou mesmo outras coisas menos óbvias que ficam voando, como adesivos ou flocos de neve. Mas ainda assim, esses efeitos parecem bem aquém do que se poderia esperar de um jogo de fim de geração PS4, mesmo de um escopo de produção menor que grandes AAA.
Salva-se, porém, o aspecto sonoro. Há realmente boas passagens com canções que abusam das guitarras e de batidas sintetizadas, agregando um pouco mais de animação a cenários e passagens que são só cópias com outras cores do que já foi visto antes. A dublagem é algo louvável, primeiro por haver um volume realmente grande de diálogos e segundo por trazer aquele clima de boas produções japonesas, enquanto os efeitos sonoros são corretos, até por não terem muito com o que funcionar dentro do escopo do game.
Como mixagem, não há do que reclamar, mesmo não havendo qualquer sofisticação, o que significa que jogar com o som da TV ou com headsets mais poderosos não oferece tanta diferença assim. É daqueles jogos que se você estiver jogando enquanto tem gente falando na sala ou quando está rolando um churrasco no quintal não faz diferença. Tecnicamente, não há muito o que destacar. Tanto no PS4 padrão quanto no PS5 o jogo roda liso (sendo que no segundo as telas de carregamento são virtualmente inexistentes), até por não haver muito o que pesar, e em fases com mais inimigos acumulados pode dar um ou outro engasgo, mas nada realmente notável. Não há um uso mais criativo dos sistemas de feedback mesmo do DualShock.
Como conjunto da obra, portanto, há pouco o que se celebrar em Poison Control. Você pode se divertir passando pelas fases, descobrindo os mundos, eliminando uma infinidade de Kleshas, tentando identificar as penúrias de cada inferno visitado, até buscar alguns troféus desafiadores, ou buscar compreender – se tiver uma boa leitura do inglês, é claro – a história que realmente foge um pouco do lugar comum, mas no final o game se resume a um gameplay simplório e pouco refinado, um estilo visual abusado, mas que não tem muito a oferecer, um design de níveis sofrível e um aspecto de replay baixíssimo. É um jogo curioso, com ideias promissoras, mas com uma execução esquecível.
Jogo analisado no PS4 padrão e no PS5 com código fornecido pela NIS America.
Veredito
Não há dúvidas que Poison Control surgiu de algumas boas ideias, mas infelizmente resulta em um jogo que consegue ser mediano (ou pior) em todos os seus aspectos, e nem mesmo uma história promissora consegue segurar a produção. No final, são cores fortes, mecânicas repetitivas e um até nunca mais.
There is no doubt that Poison Control came out of some good ideas, but unfortunately they result in a game that manages to be average (or worse) in all its aspects, and not even a promising story can hold back the production. In the end, it is strong colors, repetitive mechanics and that’s it.
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