Assim como Ape Out e Untitled Goose Game, Pizza Possum é um jogo de revolta animal contra tudo o que o cerca. Porém, diferente da violência do jogo do gorila e da sabotagem metódica dos puzzles do jogo do ganso, o jogo do gambá faz sua diversão ao deflagrar o caos da comilança incessante.
Como é um game arcade bem direto ao ponto, a análise também será simples. Você controla um gambá (do tipo que, em Recife, chamamos de timbu) que vive escondido em tocas à margem de uma cidade de ares italianos, dominada por cachorros. O rei é um cãozinho chamado Bella Chonki e mandou fazerem uma pizza enorme cujo aroma se espalhou até alcançar a periferia do gambá, que logo se determina a roubá-la.
Tal como é comum ver timbus atacando cestas de lixo em certos lugares, o protagonista de Pizza Possum é um grande ladrão de comida, se empanturrando com tudo o que vê pela frente. Pode ser polêmico jogar para garantir que um gatuno assumido consiga seu butim, mas a temática de alimentação suaviza a questão. Afinal, como escreveu o dramaturgo Bertolt Brecht, “comida primeiro, depois a moral”.
Mesmo assim, meu filho de quatro anos questionou: “por que ele quer roubar a pizza do rei?”. Exceto pelo óbvio da natureza do animal faminto, a resposta vai depender de quem vê a situação. Eu considerei que roubar a pizza é a forma do timbu fazer seu ataque debochado à autoridade que ele acha ilegítima, uma provocação ao poder instituído, representado por um cão mirrado cuja única fonte real de domínio é a obediência dos outros, mantendo em ciclo um sistema de soberania retroalimentada.
O que você disse? Estou divagando? Ok, vamos voltar ao lado simples de que falei.
Temos uma cidade grande. Em uma ponta, o gambá. Na outra, a pizza. Nosso trabalho é fazer o salteador chegar até ela. Há muitos portões fechados pelo caminho e a maneira de abri-los é encher o medidor de pontos até obter uma chave. A pontuação vem, é claro, de devorar frutas, legumes, pães, peixes e bolos, varrendo tudo o que for comestível para dentro da pança.
Meu filho questionou mais uma vez: “por que comer muito dá uma chave?”. Essa é uma das belezas do conceito arcade: o objetivo precisa ser claro e direto, não verossímil.
Os maiores obstáculos, porém, são os muitos cães de guarda espalhados pelo caminho. Se te veem, perseguem com afinco e chamam outros vigias para a caçada. Por isso, você deve aproveitar o terreno para se manter fora dos olhares alheios e se esconder em arbustos para esperar o perigo passar. Os outros habitantes locais, como os porcos, apenas fogem de você.
Ainda que tenha o elemento de furtividade, o principal ainda é a fuga tresloucada para evitar ser pego. Se isso acontecer, o gambá retorna ao último checkpoint para tentar prosseguir na obstinação.
Uma escolha fundamental foi a de introduzir o modo cooperativo: o gambá chama seu amigo guaxinim, outro bicho conhecido por fuçar o lixo, para fazer o rebuliço na vila canina. Juntos, precisarão comer mais para abrir os portões, mas obtêm a vantagem de quando um é capturado, o outro pode dar um esbarrão no cachorro para libertar o colega e continuar o banquete. Ou seja: só fracassam quando ambos são agarrados pelos guardas.
É de se notar que duas pessoas podem jogar com um único controle, metade para cada. É desconfortável e requer prática, é claro, mas opções sempre são bem-vindas.
Os dois jogadores atuam em uma tela dividida dinâmica que se parte à medida que um se afasta do outro. Certamente é um modo eficaz, mas o ângulo muitas vezes prejudica ao deixar o personagem correndo nas bordas da tela, com pouca visibilidade do que está adiante — pode cair diretamente nos braços de um cão.
Felizmente, o gambá e o guaxinim encontram caixas com itens especiais para ajudá-lo a se proteger. Elas contêm munições limitadas, como bombas de gás e disfarces de cachorro, e melhorias passivas, como ímã para atrair a comida e máscara de ladrão para dificultar a detecção. Aqui entra um aspecto vindo dos roguelites: o conteúdo das caixas é aleatório e toda a pontuação feita é acumulada para liberar automaticamente novos itens e acessórios que podem brotar delas.
Dessa forma, mesmo quando capturado pelos cachorros, o gambá progride um pouco mais rumo às chances de equipamentos melhores para auxiliar na próxima tentativa. Por outro lado, o cenário é fixo e a falha não o leva de volta ao início.
Mesmo assim, há um desafio típico daquele gênero: ao vencer a primeira vez, você recebe a coroa do rei, que dá mais uma habilidade para se impor sobre seus perseguidores. Se vencer novamente sem ser pego, ganhará a segunda coroa. Se for pego, perderá a coroa. O jogo diz que, ao obter a terceira, algo acontecerá e… bem, é apenas um “final verdadeiro” que não está à altura do esforço de fazer três runs consecutivas sem ser pego.
Parece-me uma escolha duvidosa e de baixo incentivo prometer algo indefinido como recompensa para o um desafio que qualquer erro pode colocar tudo a perder. Isso soa mais como uma maneira artificial de prolongar um jogo admitidamente curto. Levei cerca de uma hora para concluir a missão pela primeira vez, após muitas capturas. As vezes seguintes foram reduzidas até que eu consegui fazer uma rodada em 20 minutos, que vocês podem ver no vídeo de gameplay no canal do PSX Brasil.
Existe fator replay pela estrutura ampla do cenário, permitindo explorar algumas rotas diferentes. A diversão imediata também é garantida, mas ela não dura muito. Em duas ou três horas de repetição, você sente que já viu tudo o que o jogo tinha a oferecer e não nutre expectativas para a tal surpresa de obter três coroas.
Para esse prazer efêmero, o pequeno estúdio Cozy Games colocou um preço condizente: R$ 37,90, ou 6,99 dólares. Vale a pena? Sem dúvidas. No entanto, mesmo sendo divertido, caótico e bem-feito, fica a sensação de que Pizza Possum é apenas uma demonstração generosa de uma ideia maior que foi aproveitada pela metade.
Ainda que o preço crescesse junto com o jogo, eu gostaria de ver ao menos três cidades para explorar e devorar, ou mesmo variações da mesma cidade, como missões noturnas, sob chuva, objetivos secundários, etc..
Prefiro finalizar em um tom elogioso ao tratar de dois aspectos positivos: visuais e som. Como podem ver nas imagens, os gráficos têm um colorido caloroso de cidade litorânea e a arquitetura varia entre os diferentes locais, passando por praças, escadas, telhados, cemitério, vinícula e cozinha, entre outros. A simplicidade do jogo é enriquecida pelos detalhes que dão peso ao mundo. A água é um bom referencial em games: transparente, ondulante, de cores vívidas e brilhantes, dá para ver que foi feita com empenho em Pizza Possum.
Já a música é dinâmica, o que torna o jazz uma escolha muito apropriada. Caminhe calmamente e a música praticamente sumirá. Seja perseguido e a agitação surgirá nos instrumentos. Coma demoradamente um dos alimentos gigantes e a bateria dará voltas eufóricas. Um trabalho de som que não é comumente visto em jogos, muito menos nos humildes como este.
Minha conclusão é que gostei do jogo o suficiente para desejar o sucesso que dê aos seus criadores as condições e a motivação para introduzir DLCs com novas cidades repletas de comida para o gambá e o guaxinim se esbaldarem uma vez mais.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Raw Fury.
Veredito
Pizza Possum cumpre o que promete e o caos de pilhagem arcade é muito divertido, um banquete arcade bem-feito que fica ainda melhor para quem quer roubar comida a dois no modo cooperativo. No entanto, como toda comida gostosa e efêmera, deixa o gosto de quero mais.
Pizza Possum delivers on its promises as the arcade looting chaos is a lot of fun. This game is a well-made arcade feast that’s even better for those who want to steal food as a couple in co-op mode. However, like all delicious and ephemeral food, it leaves you wanting more.
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