Houve um tempo onde jogos de luta brotavam aos montes nos arcades e, mais tarde, nos consoles, todos na ânsia de emular sucessos estrondosos como Street Fighter II e, mais adiante, Mortal Kombat e The King of Fighters. Há uma série de ótimos games que não só conseguiriam notoriedade como criaram um legado próprio, e provavelmente você que nos lê agora tem suas próprias memórias e preferências. O gênero passa, pelo menos nos últimos 15 anos, por alguns ciclos de altos e baixos, e mais recentemente essas maiores franquias reencontraram seus caminhos para continuarem relevantes. É um momento de alta para o gênero, com ótimas produções que trazem boas ideias e que engrandecem ainda mais uma fatia do mercado que, se não ganha a atenção de outrora, se mantém viva e pulsante.
Phantom Breaker: Omnia não é o primeiro título da IP. Na verdade, já faz mais de 10 anos que vimos o primeiro jogo da série, lá no Xbox 360, e desde então já ganhou continuação, spin-off beat ‘em up e agora retorna ao x1 buscando abocanhar uma fatia do mercado e se apresentar como uma ótima alternativa para quem aprecia aquela boa e velha pancadaria digital. Ainda que não seja exatamente agressivo com novos jogadores, é um jogo que traz mecânicas bastante sofisticadas e recompensa a precisão, o estudo de personagens e a dedicação. Mesmo que possa passar despercebido por grande parte dos jogadores, certamente ele merece um olhar mais carinhoso, com grande potencial de engajamento não exatamente pela história, que está longe de ser revolucionária, mas pelo carisma que surpreende, mesmo pra quem verá estas personagens pela primeira vez.
Phantom é daqueles caras que só quer ver o circo pegar fogo. Cheio de mistérios e de promessas, ele provoca alguns dos melhores lutadores do mundo e não precisa de muita coisa para que um bando de gente se enfrente pelas ruas de Tóquio e outras tantas localidades. Não bastasse o caos instaurado, ele ainda consegue fazer com que versões de diferentes dimensões se encontrem de forma pouco amistosa e, bem, não tem muito segredo depois do plot estabelecido. Cada qual com suas próprias motivações e aspirações, todos buscam vencer quem aparecer pela frente e enfim, alcançar as glórias prometidas.
Phantom Breaker: Omnia surge com uma proposta claramente de múltiplo protagonismo e ainda que um ou outro personagem ganhe um destaque maior, todos tem o seu espaço. Não à toa, o modo história do jogo (que por força de embargo não pode ser exibido no vídeo de gameplay que você vê acima) funciona de forma muito similar ao que se vê naqueles modos arcades dos já citados Street Fighter e Mortal Kombat onde cada um tem sua narrativa sendo contada, só que de alguma forma, aqui essas diversas linhas se misturam quase que numa composição mosaical afim de criar um painel múltiplo, mas coeso. Jogar o modo principal, portanto, é lidar com diferentes pequenas campanhas individuais, com alguns requisitos para além da vitória em si, que, no fim, fazem parte de um todo. Há lá suas incongruências, mas não há dúvidas que funciona e oferece boas desculpas para se enfrentar o próximo desafio.
Não espere, porém, cenas animadas como grandes animes, tal como visto no recente Guilty Gear -Strive-, ou ao menos um sistema de diálogos complexos ou sofisticados. Na maioria do tempo, você verá aquelas cenas estáticas com diálogos escritos e falados (mais ou menos como em Street Fighter V) com falas como “eu quero o que eu vim buscar e se tiver que vencê-lo pra chegar lá, eu irei”. Aos poucos, algumas relações entre personagens são melhor desenvolvidas, há um ou outro momento mais surpreendente, mas no geral, as passagens entre lutas são muito mais um fio de ligação e de preparação do que algo para realmente empolga, o que não foge do padrão do gênero e, de qualquer forma, entrega mais do que a média. Ainda que possa se tornar cansativo para quem se aventura a fazer tudo de uma só vez, é um espaço onde jogadores solo passarão um bom e proveitoso tempo.
O modo single player principal, claro, não é o único e o jogo conta com aquela coleção já bastante tradicional dos jogos de luta: para se jogar sozinho, há os convencionais arcade e survivor, além de algumas outras variações. Há lutas “amistosas” contra um segundo jogador local ou contra a CPU, além daquela inevitável arena de treino livre para aprender, com calma, golpes, combos e estilos. Não poderiam faltar os modos on-line, obviamente, e são as duas opções mais objetivas possíveis: as partidas ranqueadas e as casuais, onde é possível entrar em salas de outros jogadores ou mesmo criar uma própria. Infelizmente não consegui encontrar partidas nesse momento pré-lançamento (quando só jornalistas tem acesso ao jogo), então não conseguirei avaliar com mais precisão o quão funcional está jogar o multiplayer on-line, estabilidade, balanceamento e tudo mais.
O tutorial, no estilo estático, acaba sendo um pouco frustrante (nos obrigando a dar uma consultada em um menu antes de colocar em prática em outro), mas funciona naquilo que se presta, não só porque é bem claro com os principais comandos, mas principalmente porque esse jogo não se dispõe a pegar na mão do jogador, relegando a aprendizagem à experimentação. E a descoberta é uma das partes mais interessantes de se conhecer cada personagem jogável. Também, como de praxe, há um modo galeria com diversas artes especiais desbloqueáveis que certamente vão atender os fãs mais, digamos, interessados na vida informal das personagens do jogo. Pois é, o fetichismo faz parte da construção do jogo, e deixo para você, leitor, julgar o quão relevante isso é.
Falando no elenco, composto na sua esmagadora maioria por mulheres, conta com 20 combatentes – inclui todos os personagens de Phantom Breaker: Extra como Kurisu Makise de Steins;Gate e duas inéditas criadas especificamente para Phantom Breaker: Omnia que são Artifactor e Maestra – e traz uma diversidade bastante satisfatória de estilos, ainda que favoreça, como conjunto, a velocidade em detrimento à força. Há guerreiras munidas com espadas ancestrais, bumerangues e outros tipos de armas de mão, e algumas contam com magias e ataques a distância. Contudo, a essência das batalhas está na imposição física e, talvez por isso, há que se entender bem alguns movimentos especiais para evitar o famigerado zoning, o que provavelmente será um dos pontos com que os desenvolvedores deverão tomar mais cuidado conforme forem surgindo jogadores mais especialistas em usar (ou quebrar) as principais características do jogo.
O estilo da jogabilidade usa e abusa daquele modelo já bem conhecido com três tipos de ataque convencionais (o fraco, o médio e o forte, duplicados nos botões frontais e nos gatilhos) além de um movimento específico mapeado originalmente para o X e do especial (ou três deles) originalmente disparados pela combinação de uma direção somada ao L2. Há ainda um super que funciona a partir dos 3 níveis de barra acumulados e da combinação de golpe forte com o L2. Acredite, não é tão complicado como parece na descrição e demora muito pouco para que se aprenda a dominar o modelo, que se furta de comandos compostos, como meia-lua e afins, e no final tudo se resume ao tipo de ataque e uma direção. Pessoalmente, na comparação com os gigantes do gênero, é dos sistemas mais otimizados que me lembro nos últimos anos, o que não significa ser fácil de se dominar, e sobretudo para se jogar a sério, seja nas dificuldades mais elevadas para modos solo, seja para o on-line ranqueado, será necessário ralar bastante para se alcançar a excelência.
Não acabou, todavia. A maioria das personagens conta com três modos distintos a se definir quando da escolha no menu de seleção. Basicamente, são eles Quick, Omnia, e Hard. O primeiro é muito mais adequado a jogadores que tem um estilo mais ágil, com ataques menos potentes mas com combos esmagadores e mais automatizados, enquanto o último, inversamente, é pautado por ataques mais contundentes, ainda que relativamente lentos. Ambos permitem o uso do super especial citado anteriormente. Omnia seria algo que equilibra ambos os modelos. Confesso ter me adaptado melhor a esse meio-termo, mas acredito que seja também a forma mais previsível e até mais confortável de se enfrentar, o que pode significar um desequilíbrio quando em estado competitivo. Compreender cada um dos estilos não só ajuda a customizar a experiência ativa, mas também a se preparar para enfrentar diferentes inimigos, adaptando comandos de esquiva, cancelamento e de contra-ataque ao adversário.
Visualmente, Phantom Breaker: Omnia consegue somar algumas modernidades a uma estética mais clássica de jogos em duas dimensões. Diferente do que é visto em outras franquias, aqui temos personagens e cenários produzidos realmente a partir de sprites 2D e não da modelagem 3D com filtros de cel shading. Isso garante ao game uma textura muito própria, quase antiquada, que lembra alguns dos melhores animes atuais e que transborda personalidade de traço. Cenários e efeitos de luz também ganham destaque ao trazer artifícios de profundidade e volume, ainda que seja possível notar uma ou outra textura de qualidade inferior aqui e acolá. Há um pouco de estranhamento na composição de personagens e adereços cenográficos, e nem sempre efeitos de sombra, a proporção ou a distância parecem certos, mas há uma licença poética a se considerar aqui.
Talvez o maior acerto nessa aspecto seja na elaboração de cada lutador e de cada lutadora. Como comentei sobre a galeria de imagens, há um fetichismo evidente, e isso pode incomodar algumas pessoas tanto quanto agradar outras, mas é fato que, evitando aquele efeito de “personagem de anime genérico” há sim personalidade, seja no figurino, seja na própria constituição física de cada uma das heroínas do jogo, algo que condiz com o background que as cerca. Uma vez mais, não é que temos aqui um estudo aprofundado da psique humana ou qualquer coisa assim, mas há identidade suficiente para que nos interessemos por cada um deles, por cada uma delas. Se você não tem a base dos jogos anteriores, é muito instigante querer descobrir quem são essas pessoas, e não é só porque são avatares estilosos.
Como conjunto da obra, Phantom Breaker: Omnia é uma ótima surpresa e eu realmente espero que não fique escondido nas sombras de jogos cujos lançamentos são bem próximos, como o conhecido King of Fighters XV ou o aguardado Persona 4 Arena Ultimax. Ainda que possa parecer um “mais do mesmo” quando se enquadra no estilo de jogos de luta com estética oriental, é um game de luta com muito coração, com certas limitações técnicas e com pouca originalidade no que se refere ao conteúdo, mas que traz um sistema de jogabilidade bastante sólido, ágil e divertido, personagens cativantes em uma história que não revoluciona o gênero mas cumpre aquilo que se propõe, além de ser equilibrado ao garantir uma certa acessibilidade para novatos e profundidade para os mais dedicados.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Rocket Panda Games.
Veredito
Phantom Breaker: Omnia surpreende ao oferecer conteúdo sólido e uma jogabilidade bastante robusta. Traz, ao mesmo tempo, simplicidade e sofisticação em suas mecânicas que se distanciam (um pouco) do estilo mais convencional sem contudo reinventar a roda. Há algumas inconstâncias aqui e ali, mas como um todo, o jogo é agradável, divertido e muito carismático.
Phantom Breaker: Omnia surprises by offering solid content and robust gameplay. It brings, at the same time, simplicity and sophistication in its mechanics that distance itself (a little) from the more conventional style without reinventing the wheel. There are a few inconsistencies here and there, but overall, the game is enjoyable, fun, and very charismatic.
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