Uma das grandes injustiças dos videogames é o quão desconhecida e pouco influente a série Mega Man Battle Network é do público geral, em especial quando comparado com os jogos da série original ou Mega Man X e quando a Capcom parece disposta a reviver até mesmo Mega Man Zero enquanto os fãs tentam reanimar o cadáver apodrecido de Mega Man Legends.
Por sorte, desenvolvedores independentes seguem preenchendo lacunas importantes deixadas por esses jogos, encontrando formas de colocar o seu próprio sabor e interpretação em fórmulas imaginadas por estúdios com mais recursos, muitas vezes se valendo da sua criatividade para entregar experiências únicas e especiais, daquelas que você sabe que ficarão marcadas desde os primeiros momentos com o controle em mãos.
E se a Inti Creates nos deu essa exata sensação ao criar um “sucessor espiritual” de Mega Man X com a série Azure Striker Gunvolt, o desenvolvedor independente Thomas Moon Kang parece determinado a se valer da estrutura criada por MMBN (e seu sucessor Mega Man Star Force) e trazê-la para a geração atual com recém-lançado One Step From Eden.
A primeira coisa que chama a atenção é que é absolutamente insano e impressionante que One Step From Eden seja a criação de um homem só. Ainda que ele tenha tido ajuda com a arte e trilha sonora do jogo (3 artistas e 1 compositor estão listados nos créditos do jogo), Kang assumiu o papel de game designer e programador e, ainda que o jogo estivesse no radar de muita gente após ser financiado via Kickstarter em 2019 e receber o suporte oficial da Humble Bundle (hoje conhecida como Humble Games), o resultado final é de um primor ímpar.
Desde os seus primeiros momentos, One Step From Eden mostra as suas inspirações. O que temos aqui é um jogo de ação com combate em grid no qual o jogador e os seus inimigos ficam separados em um tabuleiro de 8×8 (com cada um dos dois lados do combate tendo 16 quadrados pelos quais se movimentar), com cada fase apresentando uma série de desafios distintos gerados aleatoriamente.
As duas grandes distinções que OSFE traz em relação a sua estrutura, que é bem reconhecível logo de cara, é a adição de magias a serem usadas através de uma série de cartas que vão sendo coletadas a medida que o jogador vai avançando pelo jogo e servem para torná-lo ainda mais poderoso e mais preparado para lidar com o crescente nível de dificuldade que o jogo vai colocando no caminho do jogador.
Isso traz ao combate uma profundidade gigantesca. Enquanto os personagens (existem um total de 09 a serem desbloqueados, sem contar as variações que cada um possui) começam com um pequeno deck de cartas padrão e possuem um ataque normal com R2, o sistema todo de combate gira em torno de utilizar as magias no tempo certo, uma vez que o dano causado por elas é exponencialmente mais alto.
Em ação, o jogador pode se utilizar de duas magias ao mesmo tempo, com uma carta sempre estando designada para o X e outra para o Quadrado. A medida que o jogador vai usando, novas cartas vão sendo adicionadas a sua mão (é possível ver a ordem que elas ficarão disponíveis através de uma barra no canto esquerdo da tela) e, quando todas são utilizadas, após um pequeno tempo para embaralhar, todas ficam disponíveis novamente.
Há uma variedade gigantesca de cartas a disposição do jogador, com elas se organizando em 11 diferentes tipos, cada qual funcionando de formas muito diferentes, variando desde o mais básico como magias a base de Gelo, Chamas e Trovão e incluindo lançamentos de projéteis, invocações de torretas e outras estruturas, recuperação de mana, magias de ataque em área, manipulação de baralho e bloqueio do cenário e vários outros.
A cada fase completada, o jogador pode escolher uma nova carta entre três das apresentadas para acrescentar uma magia ao seu deck e é apresentado com um mapa com diferentes rotas que podem ser seguidas, com o objetivo sendo completar oito desses mapas para chegar ao Eden, com cada um deles tendo uma desafiadora batalha final contra um chefe (que são os outros personagens do jogo) no último ponto da rota. Um dos pontos curiosos é que, após derrotar o chefe, você pode escolher entre matá-lo ou deixá-lo viver e, caso opte pela segunda opção, ele irá lutar ao seu lado como suporte.
Cada uma das rotas poderá te apresentar com batalhas, desafios de combate, tesouros, minichefes ou acampamentos para você se recuperar, sendo de fundamental importância o planejamento sobre qual rota seguir, já que qualquer dano sofrido ao longo do jogo não é recuperado automaticamente. Mas é claro, quanto maior o risco, maior a recompensa, com cartas poderosas sendo desbloqueadas ao se vencer desafios mais difíceis e mais experiência sendo ganha o que te trará outros dois recursos importantes: artefatos e dinheiro.
Os artefatos são cartas ganhas sob determinadas condições, em geral ao resgatar certos personagens nas fases ou subir de nível, e que vão dando determinados bônus ao jogador, de aumentar a quantidade de mana ou a velocidade de regeneração dela, recuperação de PVs sob determinadas condições, adicionam escudos e vários outros “perks” que vão te auxiliar ao jogo da jornada.
Já o dinheiro que o jogador vai ganhando a medida que derrota os inimigos ou destrói certos itens no cenário podem ser usados com mercadores espalhados por determinados pontos das rotas para comprar novas cartas, artefatos (sendo a terceira forma de se adquirir eles), recuperar pontos de vida (ou trocá-los por dinheiro), firmar pactos (que são efeitos negativos no campo de batalha que são ativados em troca de certos bônus como aumentar o máximo de PVs) ou adquirir itens que lhe permitirão melhorar as cartas do seu baralho ou até mesmo remover cartas que você não queira mais.
A questão é que você dificilmente vai conseguir completar One Step From Eden na sua primeira tentativa. O jogo se vale muito bem dos conhecidos elementos de Roguelite que se tornaram tão predominantes em jogos independentes ao longo dessa geração, com as cartas sendo concedidas aleatoriamente (apesar de ser possível “incentivar” o jogo a te dar cartas de determinados tipos ao definir o seu foco) e o jogo te incentivando bastante a falhar para aprender como o combate funciona e avançar.
Ao final de cada sessão, o jogo te recompensa com pontos baseados na quantidade de inimigos que você derrotou, tempo gasto e o quão próximo do Eden você chegou. Isso abrirá novas cartas, novos personagens jogáveis e novos modos para eles, com tudo isso podendo ser utilizado nas suas futuras runs pelo jogo, fazendo com que até mesmo as tentativas mais frustradas te rendem recompensas e exista uma constante sensação de evolução e aprendizado com o jogo, algo fundamental para qualquer jogo com elementos de roguelike.
Cada um dos personagens desbloqueados, em especial, apresenta um mar de opções ao jogador, com cada um deles funcionando imensamente diferente, com afinidades específicas para certos tipos de cartas e ataques bem distintos entre si, com só o funcionamento dos feitiços sendo igual, já que todos os heróis abrem um mar de possibilidades e estratégias distintas, aumentando exponencialmente o tempo de duração e diversão que o jogo traz.
Enquanto a personagem inicial do jogo, Saffron, uma jovem cientista militar, é capaz de lidar com todos os tipos de feitiço bem, possui um ataque básico igual ao do Mega Man, você irá destravar versões diferentes dela (como a Chrono, onde o ataque é substituído pela habilidade de parar o tempo) e outros heróis como Reva, uma ativista que usa um estudo gigantesco para refletir ataques ou Selicy, uma menina que dá um dash e ataca com uma lança de gelo.
Isso tudo se combina para fazer com que o sistema de combate de One Step From Eden seja extremamente divertido e mais do que suficiente para te manter preso a ele por horas e horas a fio, sem se importar com a relativa repetitividade dos cenários. Adicione a isso a existência de um modo cooperativo e um sistema PvP e o “fator replay” dele é gigantesco, ainda mais considerando o preço bem acessível pelo qual o jogo saiu.
Uma das poucas críticas que se pode fazer a OSFE é que ele definitivamente não é um jogo focado em narrativa, com só um senso geral de plot sendo passado ao jogador e olhe lá. Há um mundo bem, bem bonito aqui, que consegue através dos seus poucos diálogos (e são bem poucos mesmo), dos seus cenários e das ilustrações dos seus personagens capturar e transmitir bastante o misto de mundo pós-guerra sci-fi com magia que o desenvolvedor parecia ter em mente.
O aspecto técnico do jogo, aliás, é outro ponto que merece imensos elogios. O jogo roda perfeitamente bem no PS4 padrão e conta com alguns dos modelos de personagens mais bonitos que eu já vi, com uma pixel art primorosa, com uma identidade visual única e muito especial que, casada com a trilha sonora muito boa, tornam a ambientação do jogo algo bastante especial.
A única outra reclamação com relação a One Step From Eden é que os tutoriais são relativamente obtusos e simples, não apresentando muito bem o funcionamento dos sistemas do jogo, deixando muito a cargo do jogador aprender como os sistemas dele funcionam. Felizmente, o jogo está em português e até essa reclamação é relativamente vazia, considerando que se trata de um jogo focado em aprendizado por tentativa e erro.
Mesmo com essa relativa reclamação em relação a pouca história ou os tutoriais do jogo, One Step From Eden é incrível e absolutamente primoroso, sendo uma experiência divertidíssima e que irá render ao jogador muitas horas de diversão para aprender e dominar os seus sistemas e sendo devidamente recompensado por isso.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Humble Games.
Veredito
One Step From Eden é o impressionante trabalho de um só desenvolvedor, com um sistema de combate que tanto faz jus às suas inspirações quanto faz muito para igualá-las e superá-las e, ainda que a falta de uma narrativa segure um pouco o jogo, ele é facilmente uma das experiências mais divertidas lançadas esse ano.
One Step From Eden is an impressive work of a single developer, with a combat system that lives up to its inspirations, even surpassing them and, even if the lack of a narrative holds it back a little, it is easily one of the the most fun experiences released this year.
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