A série No More Heroes nasceu como uma antítese ao que era popular na época de seu lançamento, o auge do Nintendo Wii. O console da Nintendo tinha a fama de um console de família e para jogadores casuais com poucos títulos para jogadores dedicados ou que tivessem um conteúdo mais adulto e violento. Eis que surgiu o primeiro No More Heroes, um título de ação que contava a história de Travis Touchdown, um otaku (termo pejorativo no Japão para indicar alguém dedicado demais a algum hobby) que ganha uma katana de luz em um leilão online e resolve desafiar os 10 maiores assassinos de sua cidade para conquistar Sylvia, a mulher que organiza as lutas entre Travis e os demais assassinos.
O primeiro título é um bom exemplo de “estilo sobre substância”. Os sistemas de combate eram bastante simples, mas funcionais e divertidos. Fora do combate, era possível explorar um open-world extremamente vazio e tedioso mesmo para os padrões da época, realizar bicos em forma de vários minigames para se obter dinheiro e usar desse suado dinheiro para se enfrentar os chefes. Ninguém lembra de NMH por uma jogabilidade incrível, mas pelo quão insanos e inesperados cada chefe era e como a história progredia de formas cada vez mais inesperadas. Se a substância do título era rasa, o seu estilo foi o que certamente destacou a série.
O primeiro título foi eventualmente portado para o PS3 e 360 com a versão Heroes Paradise que trazia gráficos em alta definição e algumas pequenas diferenças. Infelizmente, a versão de PS3 não se encontra disponível digitalmente ou com um port para plataformas modernas. A sequência, No More Heroes 2: Desperate Struggle, ficou presa no Wii até 2021 quando este recebeu um port para o PC junto do primeiro jogo e, no momento, não há uma versão de NMH2 em consoles Playstation. Travis retornaria para mais um título quase uma década depois com Travis Strikes Again: No More Heroes, este sim disponível no PS4 e que fizemos a análise aqui.
Toda essa longa introdução a série serve para contextualizar No More Heroes 3 quanto aos seus predecessores e o que jogadores devem esperar do novo título. Ao contrário do que se é normalmente esperado em sequências, tanto NMH1 quanto NMH2 tem pouquíssima importância em NMH3, sendo que os eventos de Travis Strikes Again têm uma influência maior no jogo atual e os sistemas de combate também foram largamente baseados nos existentes em TSA. Apesar das conexões, NMH3 é um título receptivo até para iniciantes porque, independente de sua experiência com títulos anteriores de Suda51, é uma tarefa fútil tentar fazer sentido lógico de sua história.
O começo de No More Heroes 3 é uma abertura inusitada e bastante impressionante. Vemos uma nave alienígena pousar na Terra, uma estranha criatura machucada, um menino que cuida e vira amigo dessa criatura, ambos cooperando para que possa escapar do planeta e uma promessa de se reunirem novamente 20 anos depois. Esse tempo passa, o menino cresce e o alien reaparece também como um adulto. Imediatamente, o alien lança um ataque destrutivo contra a cidade, mata o presidente e desafia os terráqueos a matarem ele e seus outros 9 lacaios conhecidos por serem os maiores assassinos intergaláticos existentes. Travis, um residente da cidade atacada, mata alguns aliens menores, veste uma armadura robótica digna de super sentai, voa até uma das naves com sua gata Jeane, assassina todos a bordo e já luta contra um dos lacaios do príncipe, efetivamente se tornando inimigo #1 dos aliens.
O início explosivo cria uma certa expectativa no jogador de não saber o que a história pode trazer e, também, da grande escala que esses confrontos podem tomar. Infelizmente, esse início não é um bom representativo de toda a experiência de jogo ou sequer de sua maioria. As lutas contra chefes sempre foram o ponto alto da série e, algumas delas, certamente fazem jus ao legado de NMH, alterando mecânicas de maneiras inesperadas para surpreender o jogador. Outras, no entanto, são bastante esquecíveis e “normais demais” para os padrões da série e chegam a ser decepcionantes simplesmente baseado no quão rotineiras são. O jogo efetivamente cria uma ilusão temporária de um título de ação de grande escala, mas não se compromete a manter essa visão durante sua duração.
No More Heroes 3, em termos de conceito e apresentação, têm muitas semelhanças com o primeiro No More Heroes. Se o original foi uma antítese e uma paródia ao que era popular em 2007, NMH3 tenta fazer o mesmo com 2021, ano de seu lançamento original no Switch. Travis veste uma luva semelhante aos controles do Switch, cada capítulo é dividido em episódios e todos tem um fechamento semelhante a uma série de TV da Netflix, a obsessão com heróis e universos compartilhados em multimídia e muito mais. Tematicamente falando, é bastante interessante ver esses elementos e que compõem o lado “estilo” do título. Infelizmente, o resultado também não é tão impressionante ou consistente quanto seus antecessores devido ao título dificilmente se comprometer com suas próprias ideias. Personagens e segmentos da história entram em cena e rapidamente são esquecidos para dar espaço para a próxima ideia ser desenvolvida. Isso resulta em uma sensação de insatisfação em grande parte da trama e em sua conclusão.
A estrutura de jogo também se manteve fiel ao original, ou seja, Travis precisa trabalhar na forma de mini-games para juntar grana e desafiar o próximo chefe. Os mini-games não são terríveis, mas também não há nenhum que se destaque em particular. Honrando seu predecessor, NMH3 também tem um mundo aberto, tedioso e absolutamente vazio. Ainda mais frustrante que o original, NMH3 tem áreas enormes no mapa e que são inacessíveis.Ainda mais grave é que o mapa não pode ser simplesmente ignorado, pois é necessário realizar um número mínimo de lutas antes de se enfrentar o próximo chefe. Se em NMH anteriores havia um nível com algumas lutas antes do boss, essas lutas foram picadas e jogadas de maneira aleatória no open world em NMH3 e que torna o processo ainda mais trabalhoso.
Como mencionado anteriormente, o combate é baseado ao que foi feito em Travis Strikes Again, ou seja, Travis tem acesso a ataques fracos, fortes, movimentos de luta livre ao atordoar um inimigo, desvios que diminuem o ritmo do tempo e habilidades especiais por meio de sua Death Glove. É um conjunto básico de combate nos dias atuais e que funciona adequadamente, sendo também o conjunto de mecânicas mais completo da série até o momento. Apesar do novo conjunto de mecânicas, NMH3 tem diversos problemas de balanceamento que podem azedar rapidamente a experiência do jogador.
Devido a minha familiaridade com títulos de ação, comecei o jogo no difícil e foi uma decisão que realmente não recomendo para os demais jogadores. Além de não permitir mudar a dificuldade de jogo após começá-lo, os combates mais frustrantes e desafiadores de NMH3 acontecem com grupos de inimigos normais ao invés dos chefes. As razões individuais para isso são muitas, mas os motivos particularmente agravantes são consequências do combate ser baseado em TSA e sem ter o devido cuidado de adequá-lo para a realidade do novo título.
TSA é um título com câmera isométrica e que permitia dois jogadores no combate e, portanto, os jogadores tinham visão completa do cenário e dos inimigos e com um potencial de dano considerável. NMH3 tem a visão regular de jogos de ação e uma AI semelhante a de TSA, portanto, inimigos vão atacar agressivamente em pontos cegos do jogador e, em alguns momentos, a câmera também pode-se perder pelo cenário e ficar em ângulos que efetivamente cegam o jogador. Os inimigos comuns também tem uma resiliência a dano enorme, sendo necessário uma sequência bastante longa e muitas vezes arriscada para se derrotar um único inimigo. Os mesmos inimigos, por sinal, causam danos consideráveis por ataque, portanto, poucos hits são o suficiente para dar um game over. Não bastasse isso, ainda há uma roleta que pode penalizar o jogador ao reviver.
Se os inimigos comuns são excessivamente problemáticos em grupo, por outro lado, é muito fácil para o jogador abusar de suas habilidades no combate contra chefes, pois esses acontecem de maneira individual e, ironicamente, os chefes não aguentam tanto dano antes de serem derrotados. Houveram combates que eu pulei estágios do boss sem sequer ver como seus padrões mudaram. A impressão deixada pelo combate é de algo que parou num estado simplesmente funcional, sem o devido balanceamento para deixá-lo completo.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela XSEED Games.
Veredito
No More Heroes 3 é um título que aguardava por bastante tempo por ser fã da série, mas que ficou aquém das expectativas em grande parte de sua experiência. É um título que demonstra momentos de grande potencial, mas que nunca se compromete em realizá-los de maneira plena, resultando em uma experiência que é única, mas insatisfatória.
No More Heroes 3 is a title that I’ve been waiting for a long time, but it didn’t live up to expectations. It’s a game that shows great potential, but never commits to fully realizing them, resulting in an experience that is unique but unsatisfying.
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