Musashi vs Cthulhu – Review

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De um modo geral, todos nós adoramos um crossover, e não é por acaso que universos compartilhados fazem tanto sucesso. Mas se tem um tipo de encontro que eu gosto ainda mais é aquele que coloca dois mundos completamente diferentes em colisão. Exatamente por isso, quando ouvi falar pela primeira vez da produção brasileira que colocava um samurai lendário que supostamente teria vivido entre o final do século XVI e início do século XVII diante do maior dentre os monstros criados pela mente brilhante (e um tanto quanto perturbada) de H. P. Lovecraft, não hesitei em me candidatar a conferir o quanto antes o resultado.

Musashi vs Cthulhu, desenvolvido pelo estúdio tupiniquim Cyber Rhino Studios e que conta com financiamento público leis de incentivo fiscal tão comuns na produção audiovisual brasileira, é uma ideia que, em síntese, é simplesmente genial. Hordas e mais hordas de inimigos vindos das profundezas sombrias surgem do nada, liderados pelo indescritível Cthulhu, e somente o maior espadachim de todos os tempos poderia enfrentá-los. Esse sujeito é conhecido como nada menos que Miyamoto Musashi, figura histórica quase mítica, bastante conhecida graças a tantas obras documentais e de ficção, como quadrinhos, filmes e romances, inspirados em seus feitos excepcionais.

Musashi vs Cthulhu

Este encontro é o pano de fundo para um jogo que consegue se inspirar em uma série de outras coisas que já vimos antes, e ainda assim se provar extremamente original e único. Ao contrário do que qualquer tela capturada pode fazer imaginar, este não é um game de ação de progressão lateral convencional, mas sim uma espécie de arcade moderno. Sem muitos melindres, o modelo é apresentado em um rápido tutorial da forma mais direta possível: nossa tarefa é derrotar o exército das trevas, mas sem percorrer um pretenso caminho do ponto A até o ponto B. Ao invés disso, será necessário massacrar cada inimigo que vem até nós em ondas cada vez mais intensas e complexas, mudando somente de direção. Nós não vamos até eles, mas sim o contrário.

Isso significa que não há qualquer controle sobre caminhada, e estamos restritos a seis comandos de ataque: enquanto triângulo, círculo e xis são responsáveis respectivamente por ataques alto, médio e baixo, à direita, as direções no d-pad para cima, esquerda e baixo fazem exatamente o mesmo, só que do lado esquerdo da tela. Ou seja, não andamos, pulamos, agachamos ou fazemos qualquer outro movimento que não atacar na direção e na altura corretas. Há mais um comando, na verdade, no botão quadrado, dedicado para um tipo de provocação, mas é um complemento que serve a uma habilidade que será melhor explicada mais adiante.

Musashi vs Cthulhu

A primeira coisa a se fazer assim que o jogo inicia, portanto, é reprogramar a nossa memória muscular, porque o princípio básico de se movimentar com os direcionais e agir com os botões de ataque será subvertido. Entender que o direcional para cima faz a mesma coisa (só que espelhada) que o triângulo, é algo que parece óbvio ao se assistir um trailer de gameplay, mas um pouco mais complicado de se automatizar na hora em que estamos com o controle em mãos. O tutorial, aqui, funciona como o curso de formação de motorista na vida real. Você pratica de forma controlada os princípios básicos, mas não vai muito além disso. Aprender a dominar o conceito é algo que se faz somente quando a coisa está valendo de verdade.

Em sua essência, os objetivos do jogo são claros: quanto mais inimigos você derrota em cada run, mais pontos faz. Funcionando de forma infinita na prática, o jogo é um típico modo de um contra todos até morrer, e mais do que vencer a própria personificação do horror, a ideia é se manter vivo enquanto tenta superar sua última marca na pontuação. Não há uma narrativa mais sofisticada embutida, nem qualquer tentativa de se estabelecer o desenvolvimento de um roteiro propriamente dito. Também não se parece com a moda dos roguelites atuais, já que não há quaisquer melhorias a se incorporar para a próxima tentativa ou ponto final a se atingir. Musashi vs Cthulhu é, sem mais e sem menos, um infinite run de samurai contra monstros lovecrafitianos.

Musashi vs Cthulhu

Por um lado, essa ausência de uma estrutura narrativa pode ser um pouco frustrante dado o tamanho das duas temáticas envolvidas. Eu, um fã médio de ambos os mundos, gostaria de ver uma trama mais tradicional e onde estes personagens poderiam chegar em um embate tão desproporcional quanto épico. Também imaginei cenários e ambientações inventivas e cheias de referências imprevisíveis, e ao entender que tudo se desenvolve sempre em um mesmo cenário tradicional japonês, ficou uma sensação de querer algo a mais. Todo o elemento contextual do que ou de quem são aqueles personagens, portanto, fica por conta de um compêndio escrito, disponível no menu principal do jogo.

Em contrapartida, mais do que ser o que eu gostaria que fosse inicialmente, o game está propondo uma outra coisa, revivendo tempos onde mecânicas mais simples eram o estopim para um princípio competitivo altamente viciante da era dos fliperamas. E particularmente, eu realmente fiquei atordoado pela forma como aquilo se mostrou provocativo. Sem burocracias ou variáveis, o jogo dá três chances por run, e uma vez que a última barra de vida se quebra, tudo volta ao princípio com apenas um comando, sem muito tempo para se lamentar.

Musashi vs Cthulhu

A pontuação zera e começamos tudo de novo, com adversários pouco variados chegando em ondas relativamente aleatórias. Cada tentativa é diferente da anterior, testando não só a nossa automatização de movimentos, como também nossa capacidade de reação ao inesperado. Há como aguentar um pouco mais graças a uma barra de vitalidade que se enche conforme acertamos bons combos ou quando, nos breves intervalos entre uma horda e outra, acionamos a já citada provocação. Com esse recurso cheio, podemos empurrar inimigos em um comando errado, ou defender um ataque que deveria nos atingir. Essa defesa afasta todos os inimigos por alguns instantes para nos dar um respiro, assim como acontece quando somos atingidos fatalmente.

A base da experiência parece, em um primeiro momento, bastante simples. Os inimigos vem caminhando em nossa direção e, quando entram no alcance de nossas lâminas, os acertamos em seus pontos fracos. Vermes são baixos e só podem morrer com ataques adequados; insetos podem vir a meia altura ou mais alto; inimigos humanóides podem ter um ou mais pontos fracos em qualquer uma das três alturas, algo muito bem marcado por destaques no design padrão, e não demora muito para que eduquemos nosso olhar para procurar esses sinais mais do que saber qual é a categoria de inimigo. Logo surgem outros com padrões distintos, como teleportadores ou o cachorro demoníaco que irritaria até um monge budista, mas nada que transforme demais o sistema de jogabilidade. Acerte, elimine quem vier pela frente ou por trás, porque qualquer erro é fatal.

Musashi vs Cthulhu

Com um visual desenhado a mão que lembra o traço pesado e estilizado de alguns mangás de época, Musashi vs Cthulhu é belo em sua objetividade. Faltam cenários diferentes para dar um pouco mais de diversidade à ambientação, e os inimigos são poucos em suas diferenças, mas esses elementos estéticos são muito mais uma atenção à premissa do que algo que influencia na essência do jogo. Ainda que reconhecíveis das obras citadas, tanto protagonista quanto adversários são como peças em um tabuleiro, skins de arquétipos que atendem ao modelo de jogo. Assim como a interface bastante econômica, tudo parece ser o mais limpo possível para priorizar a ação rápida e o reconhecimento imediato do que deve ser feito. Não há floreios ou distrações.

Isso não significa, porém, escassez de recursos visuais. As animações dos movimentos, secas como deveriam ser considerando a velocidade exigida pelo jogo, remetem diretamente aos princípios do combate por espadas tão tradicional de um Japão feudal. Aliás, a simbologia vista na obra dialoga diretamente com um tema que volta à moda na cultura pop (se é que algum dia não esteve lá) graças a produções como o seriado recente Xógum: A Gloriosa Saga do Japão (Star+), o excelente jogo Ghost of Tsushima que está em alta na mídia graças à sua versão de PC lançada nos últimos dias, e até mesmo o novo Assassin’s Creed Shadows, que leva a franquia para aquele período histórico.

Musashi vs Cthulhu

Esse apuro visual responde graficamente a um nível mais profundo do sistema de pontuação do game. A princípio, cada eliminação vale um ponto, mas o desempenho traz alguns adicionais que são importantes na perseguição por recordes. Combos bem encaixados e o timing de execução são importantes. A precisão dos movimentos, evitando ataques vazios, e a sequência sem ser atingido também são importantes. Ou seja, quanto mais perfeita for a execução, mais pontos serão creditados, o que significa que pode haver tentativas em que derrotamos menos inimigos que trazem um melhor resultado e vice-versa. E é aqui onde Musashi vs Cthulhu brilha de verdade, porque nos faz querer fazer mais do que sobreviver por mais tempo e valoriza o estilo bem executado.

Não faz muito tempo que lamentei a pobreza de conceito apoiada na aparente simplicidade de um modelo de gameplay em um jogo completamente diferente deste, o Pool Party. Mas de semelhante, há uma ideia minimalista, algo que por si só pode ser bom ou ruim, dependendo da implementação e do quanto aquilo, em sua base, consegue cativar o jogador. Se lá a coisa se mostrou vazia de significados a médio prazo, aqui é exatamente o contrário. Seja como desafio pessoal, seja como modelo competitivo assíncrono nos rankings on-line, é impossível se desapegar do jogo, e não será difícil encontrar aquela desculpa esfarrapada de “só mais uma tentativa”, porque as partidas são muito rápidas. E de tentativa em tentativa, lá se vão horas até o nosso corpo não aguentar mais.

Musashi vs Cthulhu

A excelência na execução não isenta a produção daquela sensação de oportunidade perdida, entretanto. Este grande encontro de universos é um dos maiores chamarizes da produção, e aquilo que ela tem a oferecer ganha muito ao atrair o público pelo título, mas perder a oportunidade de desenvolver, mesmo que de forma emergente, uma narrativa que consiga englobar coisas tão díspares é uma pena. A falta de desenvolvimento de personagens, a ausência de uma linha condutora das ações, tudo clama por uma atenção na construção de motivações que aqui inexiste. Se não chega a ser um problema do jogo, porque no final das contas fica claro que nunca foi a intenção, no mínimo cria uma vontade de ver o que poderia ser algo que ninguém imaginara antes. Uma saudade daquilo que não vivemos, por assim dizer.

Esta indústria vital parece estar passando por uma constante crise de criatividade, e modismos são repetidos até a exaustão. Propostas diferentes são cada vez mais raras, seja porque os jogos de maior investimento não arriscam tanto dinheiro em algo inovador, seja porque mesmo o mercado independente acaba cedendo à tendências para que estúdios menores continuem existindo. Musashi vs Cthulhu, no entanto, ainda que não reinvente a roda e se apoie descaradamente em duas marcas consagradas, tenta algo novo de uma forma sólida e muito bem resolvida. As mecânicas extremamente econômicas, porém cirúrgicas e fluidas, bem como o sistema de reiteração constante que impele o jogador a tentar sempre uma vez mais em busca da pontuação perfeita, ambas são características funcionam muito bem, a ponto de ser um dos meus jogos favoritos desde ano.

Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela QUByte Interactive.

Veredito

Rápido e objetivo, Musashi vs Cthulhu não traz qualquer contextualização que justifique o encontro desses dois mundos. Mas compensa seu desinteresse narrativo com uma jogabilidade viciante, afiada e muito precisa em busca daquele ponto a mais nos rankings mundiais ou da satisfação pessoal de ter ido um pouquinho mais longe.

80

Musashi vs Cthulhu

Fabricante: Cyber Rhino Studio

Plataforma: PS4

Gênero: Ação

Distribuidora: QUByte Interactive

Lançamento: 16/05/2024

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Quick and to the point, Musashi vs Cthulhu doesn’t provide any contextualization to justify the meeting of these two worlds. But it makes up for its lack of narrative with addictive, sharp and very precise gameplay in search of that extra point in the world rankings or the personal satisfaction of reaching a little bit further.

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Quick and to the point, Musashi vs Cthulhu doesn’t provide any contextualization to justify the meeting of these two worlds. But it makes up for its lack of narrative with addictive, sharp and very precise gameplay in search of that extra point in the world rankings or the personal satisfaction of reaching a little bit further.

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