Mesmo para quem não é fã de esportes a motor, há um elemento brutal e, ao mesmo tempo, encantador nos chamados Monster Trucks, algo que os diferencia de qualquer outro veículo em eventos de entretenimento, e as artes audiovisuais sempre souberam explorar o exagero, a grosseria e o impacto destes verdadeiros monstros motorizados. Por sua vez, os videogames sempre tiveram seus bons representantes da categoria, mas nenhum jogo estrelado exclusivamente por estas máquinas se tornou especialmente memorável para grande parte de nós, jogadores. Monster Jam Showdown, nova produção da Milestone, dos excelentes Hot Wheels Unleashed 1 e 2, chega ao mercado com a proposta de se provar a franquia definitiva para assumir esse posto.
Funcionando exatamente como outros jogos de corrida, o game traz um modo principal, o Showdown Tour, que funciona basicamente como uma campanha tradicional, nos levando a eventos em várias regiões do território norte-americano. São eventos que intercalam circuitos acidentados em terrenos naturais em corridas de resistência e perícia, muito próximas de um modelo de rally; outras em circuito em formato de oito (8) estruturadas em arenas; e ações que exigem habilidades em manobras, em campos próprios para fazer esses caminhões voarem pelos ares das formas mais estapafúrdias possíveis, seja em formato aberto, seja em pista de obstáculos. Nos dois primeiros, vence obviamente quem chegar primeiro e nos dois últimos, quem fizer mais pontos em manobras, considerando combos e sequências que vão remeter até a jogos de skate, em um modelo de simples e rápida assimilação.
A multiplicidade de abordagens, porém, consegue o feito de se tornar repetitiva em pouco tempo, graças à pouca inventividade dos traçados e, principalmente, à ausência de outros modos que consigam explorá-las para além da campanha ou de um multiplayer modersto. Não existe, por exemplo, torneios complementares de uma ou de outra categoria, não há como montar um itinerário, ou realizar desafios específicos e customizados. Você pode basicamente seguir com a carreira, escolhendo quais regiões atacar primeiro, ou jogar com outras pessoas, seja de forma local em tela dividida (o que é ótimo para tardes preguiçosas de domingo com a família), seja no bom modo competitivo on-line, onde chora menos quem sabe ser mais hábil e impiedoso. A vida útil de Monster Jam Showdown, sobretudo no single player, é relativamente curta e oferece muito pouco uma vez que se supera sua rápida campanha básica.
Há desafios secundários que podem provocar o jogador a voltar para provas já vencidas; há um incentivo pessoal para buscar novas marcas; e há veículos e outros colecionáveis de personalização de perfil a serem desbloqueados, mas tudo isso é sempre muito mais bem-vindo para quem vai curtir o jogo ao lado de outras pessoas. A própria construção da identidade de jogador, com o card tradicional com moldura, figurinhas e frases de efeito é realmente visível e significativo quando a coisa parte para o lado competitivo, já que nem mesmo veículos desbloqueáveis adicionam qualquer novidade, considerando que todos eles são basicamente a mesma carcaça com skins divertidas, mas pouco influentes para além da novidade visual. Não há características próprias dos caminhões, não há complexidade no manuseio de cada um deles, nem formas de modificá-los para além de subir de nível geral.
O controle, aliás, é o aspecto mais controverso da produção, não por ser insuficiente, mas porque demanda uma certa adaptação do jogador que pode amá-la e odiá-la ao mesmo tempo na maioria das vezes. De partida, poder controlar o eixo dianteiro com um analógico e o eixo traseiro com o outro é algo realmente instigante. Fazer curvas utilizando um, outro ou ambos é um desafio enormemente recompensador, tal como fazer manobras malucas sem qualquer preocupação com a física no ar. O terreno pouco abrasivo é um convite para derrapadas ousadas, e também uma armadilha que pode transformar vitórias gloriosas em fracassos miseráveis. Completa o pacote dos comandos os inevitáveis acelerador, freio e bust, aquele movimento de “turbo” que não pode faltar a qualquer jogo arcade de corrida desde os primórdios desta indústria.
O problema não é precisar segurar o monstrão na pista, mas uma física arisca e pouco permissiva não pelo realismo, mas sim pela leveza dos caminhões, tão necessária para manobras. O mundo do jogo é dividido em dois extremos de obstáculos, que ou esfarelam como isopor, ou são rígidos como um bloco de diamante. Um simples desnível no terreno pode fazer nosso veículo rodopiar feito um pião de brinquedo; um galho da grossura de um braço se comporta como uma parede rígida e uma placa pode prender esses brutamontes num cantinho de forma irreversível. Com uma instabilidade imprevisível, passar pela moita errada pode custar muito caro ao jogador, o que torna o jogo carente de coerência temática. Faz tempo que não jogo algo com veículos tão sensíveis e delicados, onde o cuidado prevalece à força e à velocidade.
Se, por um lado, essa fragilidade nos leva ao limite da busca pela capacidade de adaptação e domínio dos controles, por outro exige uma técnica que não condiz com a falta de realismo claro do projeto. Um exemplo disso é o fato de que, no gelo, é comum que percamos o controle frontal ao escorregar sobretudo pós manobras mais arrojadas, algo que se poderia esperar de um jogo parrudo. Por sua vez, saltar de um precipício é um convite ao caos como se estivéssemos correndo em gravidade baixa. Sabendo disso, o design das pistas faz questão de diminuir os espaços e adicionar uma curva acentuada sempre que podemos voar, fomentando não a sensação de agressividade, mas sim nos lembrando da necessidade de cadência. É aqui onde o desafio sacrifica a diversão, porque, sejamos sinceros, ninguém adentra um jogo como esse para se apropriar de uma direção defensiva. Ter que evitar saltos milagrosos para não correr o risco de derrapar é sabotar as próprias intenções.
Esse level design problemático também se faz presente em outros cenários, incluindo arenas de manobras. Sim, a maioria emula versões reais de eventos do nosso mundo cotidiano, o que pode parecer um mérito. Não é. Poder saltar com um trambolho de cinco toneladas como se fosse um brinquedo de borracha e ter que se segurar porque a rampa está a 10 metros das arquibancadas é quase cruel. É como nos colocar na pele de um super-herói e nos obrigar a seguir as regras de um ser humano comum. A mistura entre a representação do mundo real e mecânicas mais leves e propícias para a confusão acaba comprometendo aquilo que de mais especial o jogo poderia ter, uma espécie de auto-sabotagem controlada que aumenta o desafio, mas pune a diversão.
O mesmo tipo de artifício pode ser percebido no aspecto audiovisual, que adiciona efeitos complicadores só pra tornar a vida do jogador mais miserável. Jogar a campanha, por exemplo, nos leva a efeitos climáticos extremos, como nevascas violentas e tempestades de areia pouco convidativas. São elementos que adicionam – ou deviriam adicionar – ainda mais adrenalina e perigo, mas que só faz do jogo algo ainda mais cauteloso, já que a IA não leva em consideração essas variáveis. Afinal, os adversários controlados pela CPU não se preocupam em ver ou não o traçado, em desviar de uma pedra escondida que pode causar uma colisão desastrosa. Até o reflexo de um olho d’agua, com um efeito meio tosco de claridade extrema, parece mais um bug visual do que um flare momentâneo. São artifícios muito bobos que só irritam ao invés de apimentar a disputa.
Quando não está tentando ser inconveniente, porém, Monster Jam Showdown é sim um grande acerto técnico, trazendo cenários muito bem desenhados com uma palheta de cor incrível. Desertos trazem um tom amarelado escaldante, com belíssimas texturas e um ótimo efeito de profundidade. Espaços de floresta oferecem uma vegetação vibrante, e mesmo cenários menos vistosos sabem bem como preencher os vazios com elementos gráficos que dão personalidade ao ambiente. Falta vida em espaços pretensamente com pessoas, mas sinceramente isso não faz muita falta, salvo para dar mais vibração a estádios e arenas. Por mais que esses elementos sejam primários em termos de colisão e movimentação, o jogo é inegavelmente muito bonito, mesmo não se colocando dentre os mais primorosos exemplos da geração.
O maior destaque, como não poderia deixar de ser, fica por conta das estrelas do show, com uma diversidade bem interessante de carcaças a serem desbloqueadas. Do caminhão zumbi ao carro de sorvete, do lendário Grave Digger ao icônico Megalodon, mesmo não tendo lá nenhuma diferença prática entre eles, é um verdadeiro deleite vê-los em ação. Impressionante é o modelo de destruição dos veículos, os quais podemos ver se desmontar, pouco a pouco, peça a peça, conforme os maltratamos das melhores formas possíveis. Não será raro sobrar só o esqueleto ao final de uma boa volta com saltos mortais, zerinhos e outras peripécias desajeitadamente divertidas. Pena não haver qualquer opção de customização das máquinas em si, salvo uma ou outra cor diferente para poucos deles.
O fã do esporte, um nicho bastante restrito, mas bem exigente, se verá representado também por todo um trabalho sonoro que sintetiza todos os principais arquétipos semânticos do gênero, com um narrador ensandecido vocalizando (somente no idioma original, mas com legendas e menus no nosso português brasileiro) manobras e ações pouco ortodoxas, o ronco exagerado de motores pesados e uma trilha musical cheia de boas canções no bom e velho rock ‘n roll interiorano estadunidense, tudo permeado por muitos efeitos sonoros metálicos típicos de oficinas mecânicas e ambientes tematizados. Artes, pinturas e todo o design exagerado de menus e interfaces acompanham o tema principal, trazendo para o jogo uma experiência de espetáculo típico das transmissões televisivas de eventos do tipo. Não faltam elementos estéticos para atender o que qualquer aficionado espera desta transposição.
Monster Jam Showdown é, dentre muitas qualidades e alguns equívocos de concepção, uma manifestação curiosa de problema de identidade. É um jogo que se compromete com elementos que são, na prática, antitéticos entre si. Buscar emular o realismo das dificuldades de se pilotar em condições extremas, simulando complicações de dirigibilidade, poderia ser um fator de aprofundamento em um sistema de direção extremamente simplista, o que seria bem-vindo não fosse algo que atrapalha aquilo que o jogo tem de melhor, uma diversão descompromissada que tenderia ao absurdo em favor do espetáculo.
Uma física permissiva a ponto de nos deixar girar de lado com um monstro mecânico como se fôssemos dançarinos de hip-hop é a mesma que nos faz capotar ao encostar em uma pedrinha durante uma curva quase perfeita ou grudar no veículo da frente como se estivéssemos enganchados. O game, por todos os cuidados possíveis aos quais nos abriga, nos faz cadenciar a bagunça e jamais abre espaço para que possamos, de peito aberto, abraçar o caos, como se tivesse vergonha de se assumir tão farofeiro como deveria ser. Somando-se esta crise de identidade à falta de ousadia em abrir mais possibilidades em modos distintos, Monster Jam Showdown se prova um jogo cheio de potencial, mas tal como um comediante introvertido, ainda está longe de atingir seus próprios limites talvez por ter vergonha de expor demais as suas melhores qualidades e abandonar amarras pré-estabelecidas.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Milestone.
Veredito
Monster Jam Showdown é, sem sombra de dúvida, um produto robusto e cheio de grandes qualidades ao transpor esse universo para o mundo dos games. No entanto, a pouca diversidade de conteúdo e principalmente sua crise de identidade entre elementos realistas e a pura galhofa impedem que ele seja tão divertido como poderia ser, aplicando a si mesmo um auto-boicote envergonhado.
Monster Jam Showdown is, without a doubt, a robust product full of great qualities in transposing this universe to the world of games. However, the lack of diversity in content and especially its identity crisis between realistic elements and pure banter prevent it from being as fun as it could be, inflicting a shameful self-sabotage.
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