A profusão das plataformas de streaming ampliou, em todos os sentidos, o acesso a produções audiovisuais de muitos lugares dos quais pouco ou nada sabíamos antes. Certamente, hoje consumimos produtos alemães, espanhóis, sul-coreanos, latino-americanos e, pasmem, até brasileiros de uma forma muito mais democrática do que 10 anos atrás. Ainda assim, estamos muito distantes de ter uma ideia mais ampla dessas produções, que por vezes chegam a nós por caminhos bem mais tortuosos do que o planejado inicialmente. Assim que recebemos MeteoHeroes Saving Planet Earth! para análise, surpresos ficamos ao saber que este era não mais do que uma derivação de uma série animada de relativo sucesso em seu país de origem, a Itália.
A importância disso? Conhecimento prévio dos princípios narrativos e envolvimento emocional com personagens, algo que pode influenciar diretamente nos aspectos de imersão, sobretudo considerando o público-alvo. Falamos sobre isso na época da análise de Patrulha Canina: Super Filhotes Salvam a Baía da Aventura, e vale também para MeteoHeroes: uma produção de escopo menor quando comparado aos grandes blockbusters da indústria dos games faz algumas escolhas que definem onde investir esforços, e quando são um desdobramento de algo iniciado em outra mídia, essa escolha fica ainda mais latente. Bastam apenas alguns segundos para que se evidencie o fato do game não ter nenhuma grande preocupação em nos seduzir narrativamente, porque considera que isso já é uma bagagem que o seu nicho trará da produção televisiva.
A ausência de qualquer introdução mais contextual, claro, não inviabiliza a compreensão do que se trata o jogo (que traz uma localização de textos para o português, só que de Portugal), mas acaba falhando em não dar muito sentido para o que propõe ao jogador. Em resumo, MeteoHeroes Saving Planet Earth! é um jogo de plataforma 2D (ainda que se utilize de modelos tridimensionais) onde controlamos intercaladamente cada um dos seis protagonistas da franquia (Fulmen, Nix, Nubess, Pluvia, Thermo e Ventum), cada qual com poderes elementais específicos, em uma jornada por diversas localidades ao redor do mundo para frustrar os planos de acabar com o meio ambiente arquitetado pelo nefasto Dr. Makina e defendido pelos seus Maculans, que basicamente são um tipo de minions do vilão. E sim, há alguns episódios da série para se ver no Youtube, algo que precisei buscar para ter mais substância na escrita desta análise.
Essa descrição que elaborei (confesso, com a voz do narrador dos comerciais da Sessão da Tarde) é tão genérica e rasa quanto o texto que é oferecido ao jogador para situá-lo em cada missão. Sem uma motivação mais sofisticada ou qualquer apresentação do time de protagonistas, somos colocados em missões que se resumem a travessia de um ambiente relativamente labiríntico para coletar três itens específicos daquele cenário (como peças de uma bicicleta ou itens de limpeza, por exemplo), além da oferta de exatas 100 moedas por nível. Em um total de 9 fases, o jogo oferece cerca de 2 a 3 horas de campanha considerando a idade indicada para o produto e a vontade de se coletar tudo.
Ainda que os heróis se revezem na aventura – são dois em cada fase, cada qual com sua metade – há um sentimento de frustração ao perceber que o sistema de gameplay é exatamente o mesmo para todos eles, sendo possível usar o salto comum e o salto duplo, um escudo de efeito temporário e um projétil. Todos tem suas habilidades especiais, mas há poucas oportunidades onde podemos utilizá-las em pontos definidos, normalmente para superar um obstáculo ou acionar um dispositivo e, mesmo assim, é provável que utilizemos cada poder somente uma ou duas vezes durante toda a campanha. Para enfrentar os inimigos, basta utilizar o padrão de defender um golpe e contra-atacar com um arremesso comum, algo que se mantém do começo ao fim contra os 4 tipos de inimigos disponíveis.
O maior problema do jogo, porém, é o design simplório de cada ambiente, algo que torna o avanço protocolar e normalmente enfadonho. Nas fases mais elaboradas, há 3 ou 4 andares a se explorar até encontrar o caminho certo. Em outras, basta seguir em frente subindo ou descendo de plataformas, quando muito. São pouquíssimas as passagens onde é necessário pensar o mínimo para seguir adiante. Não há puzzles ou qualquer incentivo que não a coleta de itens, que no final só se justifica para quem tiver interesse em troféus porque não mudam em nada na experiência ou na recompensa in game. A falta de desafio não está somente na ausência de qualquer elemento que ofereça um perigo real ao jogador, mas principalmente em não causar qualquer sensação de urgência, salvo a parte final da última fase que destoa do resto.
Soma-se a isso a inexistência completa de uma narrativa emergente que justifique minimamente a ação de chegar do ponto A ao ponto B de cada fase. A proposta é basicamente subir e descer em plataformas e quando alcançar o final, alguma coisa acontece para lembrar o jogador que se trata de um jogo com motivações de educação ambiental. Então você anda, anda, anda mais um pouco e lá no final aparece uma frase dizendo que você, sei lá, tirou o lixo da laje e construiu um jardim elevado. Ainda que dê uma impressão de abordar problemas no mundo todo – pelos cenários e, considerando as poucas pistas, pela nacionalidade dos heróis – a visita a certas cidades e pontos reconhecíveis é só mais um engodo, uma desculpa esfarrapada para colocar um monumento real no fundo do cenário.
O estilo artístico, aliás, é limpo e bastante coerente com aquilo que já existia na animação. A elaboração dos ambientes, porém, se sai melhor, mesmo sem qualquer brilho, com objetos e construções low poly quase que feitos de massinha de modelar que se sobressaem na comparação com o formato tridimensional de personagens originalmente 2D. Texturas e até elementos de profundidade e iluminação cabem bem ao que o jogo se propõe, mas os bonecos parecem lisos, mal acabados e sem qualquer naturalidade tanto em termos de expressão quanto na movimentação robótica e pouco responsiva. O tema musical, porém, daquelas que funcionam como um jingle pegajoso, se destaca por trazer uma sensação de brincadeira e jovialidade, e não é de se estranhar que seja herdada da mídia original e não uma iniciativa do jogo em si.
Por sua vez, até pela simplicidade de gameplay, o modelo de colisão e a precisão dos comandos funcionam a contento. a barra de estamina do escudo é de se destacar em meio a tantos equívocos e a liberdade de controle nos saltos é louvável. Eu realmente acredito que o jogo se beneficiaria, porém, se tivesse um pouco mais de cuidado ao conferir mais personalidade para cada um dos seus protagonistas, e que evitasse que a solução para um obstáculo alto seja sempre, por exemplo, chamar um helicóptero para colocar um degrau a mais para escalada. MeteoHeroes Saving Planet Earth! é fácil de se aprender, fácil de dominar e responde bem aos comandos, mas de uma forma tão pouco instigante que nem chegam a ser pontos positivos.
Em minha experiência – uma vez mais, acompanhado pela minha filha, que com 5 anos parece ser parte do público-alvo ideal para a produção, mesmo que não conheça a série animada – o que mais me incomodou foi a ausência de simpatia para com o game, que em momento algum se propõe a dialogar com o jogador a ponto de fazer com ele se importe de verdade com quem está controlando, por onde e para quê. Não demora nem uma fase toda para que nem saibamos, por puro desinteresse, quem estamos controlando, onde é a cidade ou o que se espera fazer no final. A meta é pegar esse boneco qualquer, andar por aí, pegar moedas, e terminar o nível. É nesse aspecto que, possivelmente, um conhecimento prévio externo poderia ajudar não por mérito da produção, mas por desespero em se apegar a algo que importe.
Corrói a avaliação do jogo o fato de não haver qualquer artifício que o justifique. A vontade de terminar é quase nula, a de retornar para refazer algo só pelo colecionismo é para crianças viciadas em conquistas (se é que alguma delas existe) e a de jogar de novo só para se divertir é completamente inexistente. O game sofre de dois problemas crônicos, que é o licenciamento só pela desculpa de se encaixar uma skin conhecida em mecânicas absolutamente bobas e ultrapassadas; e a percepção de que ser dedicado a crianças justifica a inexistência de desafio, interesse, curva de aprendizagem ou contexto. MeteoHeroes Saving Planet Earth! (salvo a luta contra um chefe), subestima seu público de uma forma inexplicável.
Os méritos da temática da conscientização ambiental, oriundos da ideia original e não do game, desaparecem por completo quando não há nada que funcione nessa direção. Há até soluções preguiçosas e que contradizem o próprio jogo, como achar um tronco de árvore na calçada e precisar obrigatoriamente decidir que precisa queimá-lo para seguir adiante. Se o conceito da defesa equilibrada com o ataque tem lá sua originalidade na comparação com o padrão do gênero de pular e atirar, ele logo perde o efeito ao ser a única ação possível da primeira à última fase. Para cada ponto que poderia se tornar algo interessante, há uma série de soluções mal implementadas e sem qualquer resquício de criatividade ou, pelo menos, boa vontade.
Este é um caso de puro desperdício temático em uma produção sem qualquer motivo de existir, já que nem ideias promissoras têm. Com todo o cuidado de compreender o escopo da produção, que se encaixa inclusive no programa Playstation Talents, o jogo parece muito mais um exercício de escola de programação do que um produto que se leva a sério e que realmente respeita (ou entende) minimamente o seu público. O modelo independente está cheio de ótimos exemplos de como propor coisas divertidas e inovadoras com poucos recursos, tanto para um público infantil como para outros nichos específicos. MeteoHeroes Saving Planet Earth!, definitivamente, não é um deles.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Gammera Nest.
Veredito
Tudo o que de melhor há em MeteoHeroes Saving Planet Earth! é herança da animação original, e mesmo assim o tema, personagens, e traço são mal transportados para o mundo do game. Há um ou outro relance de jogabilidade que dá esperanças, mas qualquer boa vontade é esmagada por um produto simplório e aquém até das melhores intenções de se gostar dele.
Everything that is best about MeteoHeroes Saving Planet Earth! is inherited from the original animation, and even then the theme, characters, and artwork are poorly transported into the game world. There is an occasional glimpse of gameplay that gives hope, but any goodwill is squashed by a simplistic product and falls short of even the best intentions to enjoy it.
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