O que você diria se eu iniciasse a análise de MEGATON MUSASHI W: WIRED dizendo que o jogo é basicamente uma mistura de várias e várias coisas que já vimos antes, e em especial, tudo parece partir de uma mescla (quase) improvável entre Yu Yu Hakusho e Neon Genesis Evangelion? Se é uma síntese reducionista, ainda que não completamente equivocada, essa foi a primeira sensação que tive nas primeiras horas enquanto estive imerso nessa leve distopia que vem se reciclando há cerca de três anos, dentre versões iniciais, revisões e adaptações, até chegar no atual estágio cheio de falhas e com alguns bons acertos. Felizmente, o que veio depois ajudou a estabelecer o game em uma identidade um pouco mais própria.
A trama pós apocalítica não é muito distante do que já estamos acostumados. Em um futuro não muito distante, o nosso belo e delicado planetinha azul é invadido sem dó e nem piedade pelos Draktors, uma raça alienígena tecnologicamente superior que elimina algo em torno de 99% da população terráquea, tudo para terraformar a nossa casa e torná-la um lugar mais adequado à biologia dos novos moradores, com direito a um belíssimo buraco no melhor estilo do último filme solo do Superman, o controverso Homem-de-Aço. Aquilo que sobrou da humanidade é realocado em grandes abrigos controlados e tem a sua memória alterada para que ninguém se lembre da desgraça toda e, assim, aceitem uma nova realidade relativamente pacífica.
Esta ação não é obra dos nossos novos hóspedes, obviamente, mas sim do governo mundial unificado, que ainda resiste à invasão e se utiliza de um sistema de guerrilha para manter o combate vivo. Os últimos esforços da humanidade foram concentrados em uma organização de elite que administra grandes robôs em missões em campo e que precisam de pilotos com altíssimas habilidades muito específicas, que são escolhidos dentre jovens que se destacam de alguma forma. É nesse contexto que conhecemos Yamato Ichidaiji, o nosso principal protagonista desta aventura, um estudante de bom coração, mas marrento e com a personalidade forte, que está sempre se metendo em brigas, principalmente contra o seu maior inimigo no colégio, um cara alto, loiro e líder de uma pseudo-gangue de baderneiros.
E não é que, mesmo como desafetos, ambos são recrutados e precisam começar a trabalhar juntos até que se entendem e se tornam amigos quase inseparáveis? Qualquer semelhança com um tal de Yusuke Urameshi e sua relação com o valentão Kuwabara são pura especulação, mas posso dizer, para não me adiantar muito nos spoilers, que as semelhanças com a obra de Yoshihiro Togashi não param por aí. Yamato, o magrelo da vez em Megaton Musashi, precisa aprender a dominar suas habilidades e o seu temperamento para se tornar o piloto de um desses gigantes de aço, aqui chamados de Rogues, e enfim iniciar um levante de resposta e libertar a Terra das mãos de seus algozes.
A trama do jogo, se não é das mais espetaculares ou originais já vistas, certamente dá peso à obra. O texto e os diálogos são um tanto quanto repetitivos, modorrentos e pouco provocativos, mas permitem que o jogo estabeleça um bom ritmo de progressão, mesmo para quem prefere seguir adiante só com a linha principal, se esquivando de diálogos complementares – e são muitos, já que todo conterrâneo do herói parece ter algo a dizer para ele – e se pautando pelas ações guiadas da narrativa. Desfilando por todos os maiores clichês do gênero, com pontos de virada pouco surpreendentes, e ainda trabalhando com sub-tramas típicas de dramas adolescentes, a história aqui contada ainda consegue entregar um belo pano de fundo para a ação em si.
Esta dicotomia entre o que é contado e como se conta não é uma divisão puramente didática para esta análise, já que ela é o cerne da experiência em MEGATON MUSASHI W: WIRED. São basicamente dois os momentos essenciais do game: no primeiro, transitamos em nossa cidade – ou seria uma colônia? – a pé, conversando com as pessoas na rua, visitando lojas e passeando por praças, monumentos e pela escola onde estudamos. Encontramos pessoas, descobrimos segredos, fazemos novas amizades, sendo algumas delas bem improváveis, dialogamos bastante e, em algumas poucas vezes, fazemos alguma escolha contextual.
Estas passagens são relativamente longas e desenvolvem as tramas principal e secundárias, oferecendo muito pouco em termos de interatividade e se limitando aos diálogos e a coleta de alguns itens aqui e ali. Mesmo que tenham um tímido elemento de tridimensionalidade, ele se configura com os clássicos visuais 2D de mangás e animes, e o trânsito pela cidade me fez lembrar, em formato (e não em outro aspecto) os RPGs de alguns anos atrás da franquia Soth Park, como o saudoso The Stick of Truth. Aqui, cada sprite é bonito, bem desenhado e muito bem encaixado com o universo do jogo, mesmo que a movimentação pareça uma animação de recortes e não um desenho mais tradicional. É limitado e pouco profundo, mas funciona relativamente bem.
Na outra esfera, quando finalmente nos encaminhamos para a batalha, somos convocados por nossos novos chefes para entrar no cockpit e descer a porrada em tudo o que vier pela frente. Esta passagem modifica completamente a dinâmica dos controles, e no papel do mecha que controlamos, assumimos um típico jogo de ação totalmente 3D com visão em terceira pessoa, munidos de um modelo de combate rápido, apelativo e cheio de plasticidade de um bom e velho hack ‘n slash. Equipados com poderosas armas melee e outras de longa distância, tudo o que já aprendemos jogando Bayonetta, Devil May Cry e coisas parecidas tornará o que vem pela frente algo bem familiar, mesmo que o combate não se torne, em qualquer momento, algo tão sofisticado e diversificado.
A missão, na grande maioria dos casos, é atravessar um cenário externo em diversos lugares do planeta devastado derrotando hordas de inimigos em mini-arenas conectadas por estreitos corredores até chegar ao ponto final, enfrentar um chefão parrudo, derrotá-lo e voltar inteiro para a base. Não há muita diversidade do que fazer aqui, porquê todos os ambientes são absolutos caminhos de travessia do ponto A ao ponto B, sem desvios, segredos ou obstáculos. É lutar, seguir adiante, lutar de novo, seguir e pronto. O looping de gameplay, portanto, é o mais básico possível: desenvolva a história até chegar o ponto de uma nova ameaça, vá até a base, enfrente missões virtualmente idênticas e volte para continuar a história.
Tudo isso não significa, por sorte, que somos reféns do avanço da história quando queremos simplesmente sair quebrando a cara de tudo o que é alien, porque MEGATON MUSASHI W: WIRED tem uma infinidade indecente de missões paralelas. Não demora para que a central de missões nos seja disponibilizada para que assim possamos, a qualquer momento, botar em prática tudo o que já aprendemos. Há de tudo, desde a repetição de níveis já vencidos à caça ao tesouro; de chefes repetidos em outros cenários contínuos a desafio por tempo. Não falta espaço para sair quebrando tudo de novo e de novo e mais uma vez sempre que quiser. O que é discutível são as motivações para isso.
MEGATON MUSASHI W: WIRED não tenta disfarçar, em instante algum, sua vocação para o looting de equipamentos, como armaduras e armas, e principalmente de XP. A maior diversão do jogo, ouso dizer, não está nem na forma como a trama se desenrola, nem mesmo na ação direta, mas sim em toda a configuração das nossas máquinas. Sem nenhuma hipérbole, posso dizer que cada missão que dura entre seus 30 segundos até no máximo uns 7 minutinhos gera dezenas e dezenas de itens novos para a coleção. São braços, torsos, pernas, armas de fogo, espadas, martelos, modificadores de equipamento e mais uma tonelada de coisas que são, na maioria, lixo para ser reciclado, e quando muito, trazem um ou outro item melhor que aquele que está equipado.
E o perigo, para quem é viciado nesse aspecto, é simplesmente gastar muito mais tempo cuidando do robozão do que o usando em campo. Com categorias de raridade que vão, como de costume, do comum ao lendário, todos tem seu próprio nível, com características e estatísticas próprias, alguns com poderes elementais e vantagens mais pontuais. Se você, assim como eu, fica no inventário de jogos como Diablo por horas fazendo continha de cabeça pra saber se vale a pena trocar a sua espada épica de duas mãos nível 35 por lâminas duplas nível 36 raras porque dão mais ataque por segundo mesmo sendo menos poderosas, então este jogo aqui será um deleite.
Mas a customização está longe de se resumir a essa parte mais tradicional. Podemos montar ainda nossa placa-mãe com mais centenas de opções a serem desbloqueadas em uma árvore de habilidades gigantesca, podemos embutir chips em cada cantinho como se fossem runas; podemos desmontar coisas inúteis para forjar novos equipamentos; podemos criar visuais diferentes para não ficarmos parecendo um brinquedo reciclado; podemos configurar personagem por personagem com novas habilidades pessoais que mudam as estatísticas do conjunto; podemos comprar e equipar adesivos e outros cosméticos para deixar a coisa mais estilosa… e mais um monte de outras coisas para tornar tudo ainda mais próprio. E, olhando por uma prisma como o de Dragon Age: Inquisition, há ainda certos setups que podem ser mais proveitosos contra um tipo de inimigo, o que significa, por vezes, montar builds de acordo com o adversário.
Faz tempo que não encontro algo tão complexo (em volume, não em dificuldade), de se customizar quanto é MEGATON MUSASHI W: WIRED, e, como um vício inexplicável, basta uma nova missão de mais cinco minutos e outros 30 itens novos para voltar pra oficina e começar tudo de novo. É claro que chega um ponto onde se está bastante satisfeito com o trabalho acumulado e as coisas se estabilizam, certo? Errado! Muitas das ferramentas mais interessantes, como a melhoria de itens defasados, são liberadas muito mais adiante na trama, mudando totalmente a lógica. E mesmo quando estamos com o nosso mecha devidamente batizado e bem preparado, eis que o time cresce e cresce de novo, nos dando a gloriosa tarefa de fazer tudo isso para mais do que uma máquina. Se esse volume de construção é bom ou ruim, depende do perfil do jogador.
Já no aspecto audiovisual, há que se concordar que o jogo tem, como em sua essência, dois lados bem distintos. As ilustrações em si são lindas, as passagens mais narrativas trazem vários aspectos que lembram ótimos grafic novels, com um traço elegante, limpo e sem qualquer receio de usar cores ou de rechear os ambientes com muitos detalhes. Visitar a casa do protagonista central – por várias vezes, alternamos no controle de outros personagens secundários, aliás – o mercado ou a base militar nos dá a dimensão de que houve um trabalho de direção de arte bastante caprichado, que não é exigente tecnicamente mas bastante competente no que se refere a beleza do produto, e o maior defeito aqui é a repetição, já que há tantas idas e vindas que estamos sempre passando pelos mesmos lugares várias e várias vezes.
Do outro lado da moeda, estão os combates, que tem até suas vantagens com uma boa geração de partículas, uma ótima velocidade de ação mesmo com muitos elementos em tela e uma modelagem de inimigos e robôs boa o suficiente para o que está proposto. Porém, a ambientação é visivelmente o pior lado da obra, com cenários extremamente genéricos e restritos, abusando de texturas que já seriam pobres duas gerações atrás e, o pior, totalmente sem qualquer propósito ou atratividade. Chega a ser triste pensar que o primeiro deles, aquele que está no tutorial de combate, é o que há de mais exuberante na produção, com prédios esfarelando e algumas ruínas ao fundo. De resto, dos desertos às florestas, das instalações industriais às montanhas, é tudo paupérrimo. Jogos dos Transformers no PS2, por exemplo, são muito mais bem desenvolvidos nesse quesito.
O design de som, em comparação, melhora um pouco, com efeitos convincentes e músicas, ainda que não fujam do espectro genérico, suficientes para embalar o quebra-quebra. Mesmo assim, é o trabalho de vozes que garante um patamar um pouco mais elevado, não por interpretações magistrais do elenco, mas porque funcionam bem com a temática e fazem uma entrega honesta. Se o desempenho estável é a melhor virtude técnica do jogo, ele certamente figura dentre os mais esquecíveis graficamente falando desta geração, o que não necessariamente é uma mancha indelével para esta produção da Level-5 porque claramente não é sequer uma preocupação que eles parecem ter tido.
Outro elemento sem brilho em MEGATON MUSASHI W: WIRED é o seu caráter multiplayer e, felizmente, sua parcela como serviço, já que por mais que apele para premiações para o login diário e coisas do tipo, isso nunca chega a incomodar demais e, se o jogador não se importar com isso, nem lembrará que estas opções estão lá. Contudo, para quem tem esperanças em se juntar a um esquadrão para batalhas complexas contra chefes brucutus ou mesmo para quem quer enfrentar um time de jogadores adversários em um mata-mata 3×3 em arenas, é importante dosar as expectativas, porque mesmo com servidores bem estáveis, achar partidas não é fácil. Portanto, aproveitar do multiplayer como elemento complementar do jogo pode ser algo bem vindo principalmente entre amigos que tem o game, mas focar esforços nisso pode ser um tanto quanto frustrante.
Falando do acesso a uma série de facilidades e funcionalidades, algo notável também é que chega um momento onde o jogador, se cansar do artifício da interpretação, o famigerado role playing, pode evitar a grande maioria das transições simplesmente usando da viagem rápida e o acesso aos diversos departamentos pelo menu central do jogo. Não é necessário, por exemplo, atravessar o mapa para ir até uma loja no centro comercial da cidade, ou correr até à base quando uma missão nos chama. Tudo, absolutamente tudo, tem seu atalho no menu. É uma praticidade que acaba sendo muito útil, admito, principalmente da metade para o final da campanha que gira em torno das 40 horas (ou mais) para quem, como eu, adora fazer tudo o que aparece para ser feito, mas é fato que isso acaba com o tempero de visitar algum lugar e se importar com aquilo.
Estes recrusos são bastante sintomáticos ao evidenciarem que MEGATON MUSASHI W: WIRED parece ter sido criado como um afago para os fãs do gênero Gundam, com robôs gigantes e poderes destrutivos. O nível de dificuldade só é alta para os mais apressados, porque quem tiver um pouquinho de paciência para upar seus equipamentos sempre e vão, consequentemente, enfrentar missões muito mais poderosos do que precisam sem muito esforço. A profundidade do combate também não exige tanto assim do jogador, com um comando de defesa básico dando equilíbrio para uma tonelada de ataques espalhafatosos e diversificados, mas em combos que todos nós temos em memória afetiva de tanto que repetimos nos God of War da vida. O jogo se preocupa com o espetáculo, com a essência frenética de batalhas monumentais, e não tanto com o entorno. É como se ele não se preocupasse em te ensinar, se preocupasse em brincar e se divertir junto contigo.
Este conjunto raso, seja no caráter da jogabilidade, seja no audiovisual, pode tornar o jogo pouco atrativo por quem espera por inovação ou um engajamento afetivo maior. A narrativa, mesmo que extremamente cafona, ainda funciona muito bem para o gênero e pode dialogar ainda melhor com um público mais jovem. Mas é na customização e na preparação dos gigantes onde está a maior diversão, o que não deixa de ser irônico já que este deveria ser o aspecto mais burocrático de passagem do que o ponto central da experiência. É como se, em um jogo de corrida, gostássemos muito mais de montar o carro, peça por peça, do que propriamente correr. Sejamos justos, entretanto: ser mecânico de mecha parece ser muito mais legal que mecânico de automóveis, e MEGATON MUSASHI W: WIRED faz a coisa ficar realmente bem divertida.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela LEVEL-5.
Veredito
MEGATON MUSASHI W: WIRED é um jogo ordinário na maioria dos seus aspectos, seja o estético, narrativo, ou de mecânicas de jogabilidade, mas a soma de tudo isso com sistemas de loot e de customização altamente viciantes torna este conjunto uma experiência surpreendentemente divertida.
MEGATON MUSASHI W: WIRED is an ordinary game in most of its aspects, be it aesthetic, narrative, or gameplay mechanics, but the combination of all this with highly addictive loot and customization systems makes it a surprisingly fun experience.
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