O que você faria se a maior parte de sua vida fosse decidida de maneira aleatória, com um lançar se dados? Se de fato todas as pessoas tem a exata mesma chance, será que então este seria um mundo justo? Estes são os principais questionamentos que você terá ao embarcar na jornada de Even em Lost in Random, o mais novo título do programa EA Originals, da Eletronic Arts, selo para jogos independentes publicados com o logo EA. Neste caso, a desenvolvedora é a Zoink, estúdio sueco que também teve o primeiro título lançado no selo, Fe.
Antes de começar de fato a comentar sobre Lost in Random quero já explicitar que o título não possui legendas em português e grande parte da graça e/ou sentido da história se baseia no entendimento de piadinhas e trocadilhos com nomes e palavras. Tentarei ao máximo contextualizar o que for muito necessário, mas talvez algumas coisas possam ficar soltas caso você não entenda a ideia que queriam passar. Fica já o aviso que jogar sem entender o idioma poderá impactar sua experiência.
No reino de Random o principal lema é “random rules“, ou seja, todos confiam nas “leis aleatórias” e também acreditam que tudo randomizado é justo. Existe um grande dado no reino, da rainha, que serve para definir o destino de praticamente tudo o que acontece. Quando uma criança faz 12 anos ela é convocada a jogar o dado para definir qual será seu destino. Em um dado D6 normal, cada número representa uma das seis cidades onde esta pessoa estará destinada a seguir sua vida. O resultado é definitivo e naquele momento caso você não esteja onde deveria estar você é levado para onde foi definido pelo dado, afinal, “random rules!“.
Em Lost in Random você conhecerá as irmãs Even e Odd (Par e Impar), que vivem na cidade de Onecroft. Odd acaba de completar 12 anos e é obrigada a jogar o dado da rainha. Logo no começo aparenta que ela estaria tirando 1, porém o dado dá uma virada final, mostrando a face do número 6. Tirar seis é o sonho de grande parte da crianças de Random, pois sonham em viver na cidade mais rica e próspera, junto com a rainha e com muito luxo. Odd então é levada de sua família para onde os dados definiram que ela deveria viver.
Um ano se passa e Even tem diversos sonhos estranhos com Odd, sentindo que algo está acontecendo e que precisa buscar sua irmã. Ela também começa a ver uma espécie de fantasma que acredita que seja algum tipo de mensagem de Odd. Sendo assim, Even decide fugir de casa e seguir em uma jornada em busca de sua irmã por toda Random (ta aí o nome Lost in Random). Será que de fato o que aconteceu foi uma decisão “aleatória”?
Ao conseguir fugir escondida de Onecroft, Even encontra Dicey, um dado incompleto (apenas conseguindo tirar os números 1 e 2) que vira seu par nesta jornada. Antigamente diversas pessoas possuíam dados em Random, porém, após uma guerra há muitos anos e também com a implementação das leis da rainha, todos eles estavam praticamente extintos e possuir um era considerado um crime. A única pessoa que hoje poderia ditar as random rules era a rainha. Ao mesmo tempo que Dicey chegou para ajudar Even com seus poderes como um dado, sua jornada também ficou mais perigosa já que andar com Dicey a tornava um grande alvo.
Uma forma de resumir a história de Lost in Random é dizer que é jornada do herói bem clássica. Todos os elementos estão presentes, algo que acaba já sendo esperado para títulos do gênero, porém, achei que o formato foi seguido tão a risca que eu não tive muitas surpresas com a história. Já conseguia prever quando ia ter algum momento mais forte, algo que iria me deixar revoltado ou alguma reviravolta. Não estou dizendo que o plot é ruim, pelo contrário, é bom e divertido. Em alguns momentos até me lembrou um pouco da trajetória dos irmãos Baudelaire nos livros (ou filme/série de TV) de Desventuras em Série, inclusive pelo estilo gótico adotado para os cenários, que me lembrava bastante o cenário sombrio que Lemony Snicket queria passar.
Já que falei um pouco do estilo gótico, de maneira conceitual posso dizer que ele foi bem adotado no tema. Os cenários e personagem refletem este estilo meio sombrio sem precisar deixar o título com um ar de jogo de terror para adultos. Ao mesmo tempo eu também senti que não houve muita diferenciação entre os lugares durante todo o título. Eu tinha a impressão de que as cidades teriam ambientações diferentes (e mais luxuosas) de acordo com a numeração do dado que representavam, mas confesso que fui achando tudo muito parecido. Não tive a impressão de que OneCroft era muito diferente de Two-Town ou Threedom, por exemplo, visualmente falando.
Pensando pelo conceito em si de cada cidade, isso foi vendido muito bem para cada um delas. Em Two-Town, por exemplo, tudo era em pares, incluindo a própria cidade. Os residentes também possuíam dupla personalidade e vários personagens tinham nomes que fazia par de alguma forma com outro. O prefeito, por exemplo, Mayor, tem como par Royam, que é mayor lido ao contrário. Não vou revelar particularidades de cada local pois vai estragar sua experiência mas, novamente repito, não entender o idioma tira toda a imersão de cada local. Em alguns momentos a imersão do conceito da cidade é tão boa que você chega a ficar irritado com o modo que algumas pessoas estão falando ou estão agindo.
Os gráficos são bonitos e estão no ponto do esperado pro estilo. Não tem nenhum fator UAU de nova geração. Não percebi muita perda de qualidade ao jogar no PS5 ou no PS4 Pro (a diferença maior se dá na performance e no carregamento mais rápido). Porém, no próprio PS5 me incomodei com alguns pequenos serrilhados e também na textura facial de diversos personagens. Outra coisa também foi não perceber muita diferenciação entre os NPCs genéricos e os com alguma relevância para história e/ou quests. Isso reforça um pouco o que disse anteriormente de ter uma sensação de coisas repetitivas pela falta de variedade visual. Também senti em diversos momentos que o cenário possuía muita névoa desnecessária.
Agora sobre o que muitos vieram aqui para saber: as batalhas do jogo. Logo ao iniciar você faz um pequeno prólogo, que consiste em uma luta utilizando outra personagem. Aparecerão até alguns comandos na tela que servirão para ambientar naquele momento, mas confesso que nada daquilo me serviu muito quando tive a primeira luta utilizando Even e Dicey. Ao contrário do que foi mostrado, você possui apenas um estilingue que não causa dano algum nos inimigos. Apenas serve para acertar partes do corpo deles que liberam cristais, para que assim você possa encher sua barra de poder e utilizar o dado para jogar cartas. Somente com as cartas que você consegue criar armas ou causar algum tipo de dano.
Confuso? De fato no primeiro momento também fiquei um pouco. Fazendo uma comparação meio ruim, é como se fosse um mix do modo de batalha de cartas de Kingdom Hearts RE: Chain of Memories (do remake mesmo, não o original de GBA) com o formato de ação de Birth By Sleep. Você tem um deck de até 15 cartas e poderá usá-las conforme o número tirado no dado. Essas cartas podem tanto te dar armas, transformar seu estilingue, curar, criar modificadores para seus golpes, colocar armadilhas no campo de batalha (algumas que também te afetam!) ou até mesmo te beneficiar de alguma forma. É muito importante adaptar seu deck constantemente conforme você vai aprimorando Dicey e começa a conseguir tirar números maiores no dado.
As lutas são bem dinâmicas e em alguns momentos é necessário sim de uma estratégia para escolher as melhores cartas de sua mão caso tenha tirado um número baixo. Existem batalhas contra chefes em Lost in Random e todas são bem legais. Mas o que dá o grande diferencial para o título são os jogos de tabuleiro (board game arena). Estas batalhas além de possuírem inimigos como qualquer outra também possuem um tabuleiro e uma peça em campo. Cada uma dessas arenas possui uma dinâmica única, desde apenas chegar até o fim do tabuleiro como cenários cíclicos onde é preciso pisar em casas específicas para realizar algum tipo de objetivo.
Batalhas podem te dar como prêmio dinheiro, cartas ou algum item para quest, mas nada de experiência. Não existe evolução de nível para Even em Lost in Random. Todo seu “aumento de força” se dá ao conseguir novas cartas (na maioria das vezes comprando no vendedor Mannie Dex) ou ao liberar novos números para Dicey. Não vejo isso como um problema, porém em alguns momentos acabava sentindo preguiça quando aparecia alguma luta aleatória no caminho. O dinheiro ganho não é relevante o bastante e em algumas vezes você pode matar muito mais inimigos do que o necessário (já que existem momentos que alguns deles nascem de forma infinita) sem ganhar qualquer recompensa extra.
Uma coisa bem chata em Lost in Random é a necessidade de ficar procurando “vasos” pelo mapa para atirar com seu estilingue e ganhar dinheiro. É MUITO cansativo e infelizmente acaba sendo a principal forma de se ganhar dinheiro. Além disso, existem também alguns lugares especiais que possuem um símbolo de dado na parede, onde Dicey pode entrar e conseguir algo também (uma quantidade um pouco maior). A única utilidade do dinheiro é comprar cartas, então, caso queira mudar o deck rapidamente precisará farmar pelo cenário.
O jogo possui alguns pequenos puzzles, com alguns deles liberando páginas de um livro de história, uma espécie de colecionável. Outros farão parte de algumas side quests (opcionais), que também ajudam a aprofundar mais na história daquele local ou de algum personagem recorrente. O tracking de ambos em cada “capítulo” pode ser visualizado na página do mapa, no menu. Se você busca a platina lembre-se sempre de finalizar todo o local antes de avançar com a história.
Me diverti bastante com Lost in Random e gostei da experiência que ele me trouxe, mas ao mesmo tempo não sinto que me marcou muito. O título possui um bom custo benefício e vou recomendo para quem gosta do estilo, em especial de um formato de combate diferentes, porém, não sei se jogaria novamente em algum momento. Vou preferir ficar de olho para acompanhar qual será o próximo título da Zoink, já que consigo imaginar mais coisas interessantes vindo do estúdio no futuro.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Eletronic Arts.
Veredito
Lost in Random é um jogo que diverte e consegue te deixar bem imerso no mundo gótico de Random. O sistema de batalhas foge da mesmice e ainda traz como ponto forte o formato em jogos de tabuleiro. Uma boa opção para conseguir jogar uma história completa durante uma semana de maneira descompromissada.
Lost in Random is a great game that manages to immerse you in the gothic world of Random. The battle system runs away from sameness and also brings the board game arena format as a strong point. A good option if you want to play a complete story in an uncompromising way.
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