Sempre tive uma sensação relativamente estranha com LIVE A LIVE. Por anos e anos, havia uma aura de ser “aquele que eu deixei para trás”. O mítico RPG da Square que eu nunca joguei e nunca entendi todo o fuzuê sobre. Um que passaria o resto da eternidade exclusivo do Japão e cujo único apego real que eu tinha eram algumas belíssimas canções de uma das maiores compositoras de todos os tempos.
Quando o primeiro Octopath Traveler saiu e trouxe aquele pitoresco título de SNES de volta à consciência popular, me fazendo tentar dar uma chance a ele, mas ainda assim algo não “clicava”. Sempre foi fácil ver as ideias revolucionárias para sua época que o jogo possuía, mas não parecia ser o tipo de jogo que me encantaria quanto tantos outros clássicos daquela época.
O tempo, no entanto, tem um jeito pitoresco de nos fazer rever nossas opiniões. Afinal, essa mesma sensação havia ocorrido quando eu tentei jogar o primeiro OT. Mas, após ser avassaladoramente conquistado por Octopath Traveler 2 (e, convenhamos, a série é essencialmente a sucessão espiritual de LIVE A LIVE), é fácil ver que o errado era eu. Afinal, foi o sucesso do primeiro título que ensejou esse remake de LIVE A LIVE e com uma nova perspectiva sobre os incríveis títulos em HD-2D, apreciar o quão avantgarde esse pequeno título de SNES realmente é.
LIVE A LIVE é um pioneiro “RPG antológico”, no sentido de contar diferentes histórias fechadas em cada um dos seus capítulos. O jogo gira em torno de sete protagonistas diferentes, cada qual ambientado em um diferente período da história da humanidade, com histórias únicas refletindo alguma característica única e específica daquela era. Por motivos de spoiler, é melhor evitar maiores detalhes sobre o plot de cada um, mas é importante frisar que nenhuma ambientação se repete.
Isso significa, naturalmente, que cada capítulo tem sua própria “gimmick”, algo que específico que só aquele protagonista consegue realizar. Por exemplo, Pogo, protagonista da pré-história, consegue rastrear monstros usando seu olfato, enquanto Oboromaru, o protagonista do final do período Edo do Japão, consegue se esconder de inimigos usando uma habilidade shinobi. Essa variedade de habilidades ajuda a tornar cada capítulo bastante distinto dos demais.
O jogador também tem total liberdade para jogar cada um dos 07 primeiros capítulos na ordem que preferir, não havendo qualquer impacto no final do jogo baseado em como você decidir lidar com as diferentes histórias. Cada capítulo é, de fato, bastante conciso dentro de si, com algumas decisões mudando um pouco o desenrolar dos capítulos e o seu sucesso final, mas não afetando muito os diferentes finais do jogo, já que estes são mais baseados no que é feito nos dois capítulos finais do que em suas ações iniciais.
Dito isso, embora alguns dos capítulos sejam bastante superiores aos outros, é muito impressionante o sucesso narrativo que o jogo tem em toda a sua história, incluindo aí os capítulos finais. O jogo consegue fazer com que Pogo seja um protagonista carismático sem falar uma palavra (afinal elas ainda não existiam à época) ou que em seu silêncio e brevidade, Sundown Kid consiga passar toda sua dor e conflitos internos.
Isso é especialmente contrastado por protagonistas mais falantes como o Akira ou o Shifu, dando a todo o elenco de protagonistas um ar bem único e distinto mesmo quando caminham por alguns clichês. Isso não quer dizer que as histórias sejam perfeitas, com alguns protagonistas deixando a desejar mesmo com os ajustes feitos com o remake em relação ao jogo original. Ainda assim, com a quantidade de coisas distintas que o jogo tenta fazer e a curta duração de cada capítulo (nenhum deles passa das 3 ou 4 horas de duração), é inegável que fique a sensação de que cada história poderia ter sido melhor destrinchada e talvez rendesse um jogo completo por si só.
Dito tudo isso, os capítulos envolvendo Shifu, Oboromaru, Pogo e Cube são de longe os meus favoritos pela forma como lidam com ambientações relativamente únicas e as gimmicks especiais de cada capítulo. Todos eles lidam de uma forma inesperada com a estrutura de um RPG e fazem com que LIVE A LIVE tenha sido elevado de uma curiosidade histórica com status cult para um jogo que de fato será lembrado por mim por muitos e muitos anos.
Um outro ponto em que LIVE A LIVE é incrivelmente único é no seu sistema de combate. Embora ainda seja um RPG por turnos na qual cada um dos personagens em combate tenha uma barra de ação que vai se enchendo com o tempo até que aquele personagem tenha seu turno para atacar, a forma como isso é disposto e os elementos estratégicos únicos que eles trazem o tornam bastante divertido.
A principal novidade que o combate traz é que, ao invés do tradicional sistema de sua party de um lado e os inimigos do outro, todos os personagens ficam espalhados ao longo de um tabuleiro de 7×7 no qual é possível mover seu personagem livremente durante o turno dele. Isso faz com que o jogo nem seja um RPG de estratégia nem um RPG por turnos clássico, já que cada passado dado no grid faz com que o tempo passe um pouco e a barra de ação dos demais personagens encha um pouco.
Nesse aspecto da barra é importante notar que, embora seus aliados esperem a ação do personagem atual sob o seu comando para agir, os inimigos não. Portanto, se ao longo de posicionar seu personagem a barra de um adversário for preenchida, ele irá imediatamente usar uma de suas habilidades, exigindo que você fique sempre atento ao status de cada adversário.
Esse tabuleiro também traz um outro elemento que é o alcance de cada habilidade. Os personagens possuem diferentes habilidades entre si, cada qual com um alcance para ser executada. É por isso que a movimentação e posicionamento dos seus personagens é tão importante, já que alguns ataques só atingem inimigos próximos, outros causam dano em área e deixam efeitos no chão (como veneno e fogo) e, por fim, outros só atacam na diagonal ou inimigos a uma distância de X casas.
Todos esses elementos acabam se mostrando bastante importantes principalmente pelo fato de que, como em momento algum você se sentirá muito mais forte que os inimigos, salvo se resolver realizar um (desnecessário) grind, você sempre se verá diante da necessidade de explorar as fraquezas dos adversários. Existe uma vasta quantidade delas, todas sempre à mostra na interface do jogo e facilmente identificáveis já que cada tipo de habilidade possui um ícone específico dedicado.
O combate do jogo, como um todo, é bastante divertido e bem interessante. Caso o jogador tenha vontade de explorá-lo ao máximo, o jogo possui uma série de chefes secretos espalhados em alguns capítulos que são extremamente desafiadores e que não só te forçam ao grind, mas te desafiarão mesmo que você esteja bastante poderoso. Por fim, cabe dizer aqui que há uma variedade bem legal de habilidades e papéis desempenhados pelos protagonistas (algo bem útil nos capítulos finais do jogo) e também pelos personagens secundários, mesmo que estes fiquem restritos apenas aos seus capítulos específicos.
Cabe dizer ainda que, em seus aspectos técnicos, LIVE A LIVE não deve nada aos outros jogos dentro desses estilo HD-2D da Square Enix. Embora não seja tão belo quanto Octopath Traveler II e seus vastos ambientes, ainda assim é um jogo que tira proveito do seu escopo menor e direção de arte bastante especial para entregar belos cenários e belos modelos de personagem. Considerando que se trata de um jogo lançado para Nintendo Switch, como era de se esperar, a performance é bem boa no PS5 e não há nenhum problema com engasgos, quedas de framerate ou bugs que eu tenha notado.
Por fim, as versões remasterizadas das excepcionais canções da lendária Yoko Shimomura merecem um destaque por si só. Todas as músicas se encaixam excepcionalmente bem com os cenários vinculados a elas e ajudam a dar vida ao título. É uma daquelas raras trilhas em que, mesmo após terminar o jogo, é fácil se ver ouvindo em momentos de lazer ou para ajudar na concentração durante as atividades por aí.
Dito tudo isso, a sensação que se tem ao jogar o remake de LIVE A LIVE não poderia ser melhor. Apesar de algumas claras limitações oriundas do jogo original no SNES, afinal se trata de um remake bem fidedigno ao original, ele talvez seja um jogo muito mais fácil de se apreciar hoje em dia do que quando foi lançado originalmente.
Suas ideias idiossincráticas e inovações narrativas podem não funcionar totalmente, mas já eram bem-vindas mesmo em um período em que o gênero vivia uma das suas eras mais brilhantes e se mostram ainda mais especiais com o passar do tempo. É um título que, para os “sommeliers” de um bom RPG, tal qual um vinho, o tempo só fez o seu sabor se destacar e ser melhor apreciado.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
LIVE A LIVE é um excelente exemplo de um RPG histórico que precisava de um remake para poder ser melhor apreciado pelo público. Com uma bem executada e intrigante estrutura, ainda que relativamente rasa devido à sua curta duração, o título precisar ser jogado em algum momento da vida por fãs do gênero.
LIVE A LIVE is an excellent example of a historical RPG that needed a remake in order to be better appreciated by the public. With a well-executed and intriguing structure, albeit relatively shallow due to its short duration, the title needs to be played by fans of the genre.
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