Let’s Build a Zoo – Review

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Jogos de construção e gerenciamento são, confesso, uma grande mistura entre paixão e perdição. Tal como em outras oportunidades, quando falei sobre a administração de um negócio naval em Port Royal 4; ou sobre a construção de uma cidade voadora em Airbourne Kingdom; ou ainda quando o assunto era recriar uma civilização do zero em The Colonists; ou mesmo cuidar de uma vila medieval em Townsmen – A Kingdom Rebuilt; esse é um gênero que demanda não só interesse, cuidado, paciência para fazer com que nossas responsabilidades prosperem, como também bom senso para não atravessar madrugadas inteiras no bom e velho “só mais cinco minutos e aí eu vou dormir”. E se falar é mais fácil do que fazer, esta foi uma luta constante que travei também em Let’s Build a Zoo, o que para o jogo é um ótimo sinal, mas para a minha saúde, nem tanto.

O grande trunfo de games do gênero está exatamente na capacidade de nos seduzirem para sempre buscarmos dar um passo adiante. Seja para expandirmos o negócio; seja para construir uma nova edificação; seja para cuidarmos de um declínio financeiro, o importante é nos manter sempre ocupados em fazer as coisas darem certo. Se lições valiosas foram aprendidas lá dos tempos do bom e velho SimCity, elas continuam sendo uma grande máxima nas melhores experiências do tipo, e felizmente este surpreendente gerenciador de zoológicos sabe bem como fazer a roda girar. Não há um dia que não tenhamos um problema para lidar, que não tenhamos uma reclamação ou uma nova demanda, um pepino para resolver. Só por isso, o jogo já se colocaria dentre os bons exemplos da atualidade. Porém, o jogo faz mais do que isso, e talvez seja este extra que o faz tão cativante.

Em resumo, começamos a nossa campanha de uma forma bastante convencional: recebemos a missão de começar algo a partir praticamente do zero e, por meio de alguns rápidos tutoriais, aprendemos os conceitos básicos, como a possibilidade de criar áreas com diferentes tipos de terreno que melhor emulem os habitats tradicionais dos animais que iremos receber. A primeira tarefa é construir um bom refúgio de grama para um simpático casal de coelhos, nossa primeira atração. Feito isso, a economia básica do game fica mais clara, e nossa principal fonte de recursos financeiros, sobretudo nesse início, é a cobrança de ingressos dos visitantes. A lógica é tão simples como deveria ser: quanto mais atrações interessantes, mais público; quanto mais público, mais dinheiro; e quanto mais dinheiro, mais atrações interessantes podemos acrescentar.

Claro que toda essa dinâmica ganha contornos mais complexos conforme evoluímos nossa propriedade, e a venda de lanches e outras bugigangas entra na conta, bem como possibilidades menos convencionais que podem mexer até com o nosso senso ético. Isso porque há um interessante sistema de moralidade bastante funcional do jogo que, por vezes, nos coloca diante um dilema, que pode ser uma escolha direta em uma proposta objetiva, como por exemplo permitir a experiência nos bichos do nosso zoológico em troca de grana; ou em outros tipos de ação controversas, como receber a visita de um traficante de animais e aceitar comprar dele um espécime raro, ou então decidir denunciá-lo para as autoridades. Escolhas, claro, trazem consequências, e o dinheiro que se deixa de ganhar com ações questionáveis pode fazer falta para manter as contas no positivo, ou decidir ter uma nova atração pode trazer novos visitantes e assim, melhorar as condições de todos os demais.

Cada decisão acaba influenciando em uma barra que, mais tarde, servirá como medida para algumas pesquisas que podemos conduzir. Certas possibilidades, quando desbloqueadas, só podem ser adicionadas de acordo com a moralidade conquistada até ali. Opções como energia sustentável e outras politicamente corretas, por exemplo, só podem ser utilizadas quando se age de forma moralmente coerente com essas ideias, e vice-versa. Interessante que o jogo não premia necessariamente quem é bom ou quem é mal, sequer se preocupa em rotular o jogador em uma coisa ou outra, mas sim direciona o negócio para a forma como se escolhe ser, algo semelhante a modelos de carma presentes em jogos de ação e RPGs, mas pouco explorado em games como este.

A pesquisa, aliás, é um artifício bastante comum em jogos de gerenciamento como uma forma de limitar o acesso a recursos sofisticados logo de início, e aqui não é diferente. Em uma árvore enorme de possibilidades, conforme alcançamos algumas metas, ganhamos pontos de pesquisa para investirmos em coisas diversas, como novas possibilidades para o transporte de visitantes, novos terrenos e biomas, ou novos itens cosméticos para melhorar aspectos de atratividade do zoológico. O grande problema é que nem sempre estamos ao alcance de algo que nos interessa, e para chegar lá é sempre necessário desbloquear tudo o que estiver no caminho. Isso significa ter que investir em coisas que as vezes não queremos ou até que nossa moral impede de usar, e, pior, como o que está longe fica oculto, por vezes nem sabemos para que lado seguir para alcançar uma pesquisa que interesse ou que esteja dentre os objetivos solicitados pelo jogo.

Explico melhor: a progressão, como é de costume em jogos do tipo, está atrelada não só às nossas metas pessoais ou ao óbvio crescimento e escalonamento da propriedade, mas também a algumas tarefas que servem como guia para o avanço e, além disso, para nos fazer atentar para funcionalidades que poderiam passar despercebidas e que fariam falta no futuro. Por exemplo, quando o jogo pede para que cheguemos a números mais expressivos de visitantes diários, ou quando nos alerta para a doação de animais que estão em excesso, nos faz considerar esses fatores mais adiante. Alguns destes objetivos estão atrelados a novas edificações (como instalar uma enfermaria ou um laboratório de genética, por exemplo), mas que para tal é necessário antes libera-los pelo sistema de pesquisa. Só que nem sempre se sabe onde está o bendito elemento a ser liberado, caindo no inevitável método da tentativa e erro.

Nada disso faria qualquer sentido, claro, se as estrelas do show não estiverem lá, e conseguir espécimes para povoar nosso empreendimento é das tarefas diárias que mais empolgam. A primeira forma de se fazer isso é buscar por animais a serem resgatados, e a cada novo ciclo há alguns desses. Normalmente, são os mais comuns e aqueles que já descobrimos antes, então esse é o mais simples e barato meio, mas também aquele que oferece menos diversidade, salva a questão da multiplicidade genética, já que ao resgatarmos alguma variante do que já temos, aumentamos o nosso catálogo daquela espécie e, melhor do que isso, criamos a possibilidade de, pela reprodução em cativeiro, termos novas ramificações. Um coelho branco, ao cruzar com outro marrom, pode resultar em um belo filhote malhado. Este terá uma ninhada mais adiante resultando em mais diferenças. É basicamente a versão digital de Darwin e suas ervilhas.

A coisa se complica ainda mais quando a evolução disso chega até a mecânica mais divertida do jogo, certamente, que é a de experimentação na hibridização de animais, no melhor estilo Jurassic World. A uma certa altura do jogo, quando já temos nosso laboratório devidamente instalado, podemos tanto clonar animais – para que possamos aumentar nossas populações sem depender do resgate – como também podemos criar novas espécies misturando duas outras completamente diferentes. Quer saber o que nasce do cruzamento de um ganso com um urso? Ou de uma capivara com uma cobra? Ou quem sabe de uma hiena com um avestruz? Tudo é possível e nada é proibido. E o melhor: estas são as criaturas mais atraentes do jogo, o que significa que quanto mais deles você tiver, mais público vai alcançar.

Além do resgate e da criação genética, a terceira forma convencional de se conseguir novos animais, principalmente alguns que não se tem ainda, é a troca com outros zoológicos pelo mundo. Para isso, tudo é muito simples: normalmente para se receber um casal novo, o requisito é mandar um bicho que temos e que via de regra adquirimos por meio do cruzamento e da manipulação genética. Ou seja, ninguém quer um coelho padrão, mas sim aquele malhado que resulta de uma série de outras misturas. É uma forma simples e sem quaisquer burocracias desnecessárias, e não é raro conseguirmos o pré-requisito sem querer, já que basta colocarmos alguns animais no mesmo habitat para que eles, bem… façam aquilo que a natureza os preparou para fazer. E se faltar envolvimento amoroso, é possível ainda incentivar isso em um programa de procriação dentro do zoológico. Com sorte, em alguns dias temos nosso filhote para escambo.

Seja como for o meio, conseguir novos moradores para nosso empreendimento é a forma mais preciosa de curtir o crescimento e o desenvolvimento do negócio. Diferente de outros jogos do tipo, estamos lidando com criaturas vivas que dependem não só de espaço e de infraestrutura, mas de todo o cuidado para que possam prosperarem e, sim, serem felizes. Não à toa, temos todo um arcabouço de recursos complementares para potencializar o bem-estar de cada um deles. Para diversão, há objetos como bolas e outras traquitanas para manterem o dia ocupado; para alimentação, há indicadores importantes tanto para satisfação quanto para nutrição. Como nem sempre estar empanturrado significa estar comendo bem, é função do jogador equilibrar a dieta dos animais para que estejam sempre saudáveis.

Ter a comida no depósito não é suficiente, porém. É necessário contratar bons profissionais para atuarem no dia a dia, e um dos primeiros a estarem disponíveis são os tratadores. É importante contratar gente boa para o serviço para não ter dor de cabeça mais tarde, e logo descobrimos que entre deixar com que os seus funcionários se dividam automaticamente e determinar o espaço de atuação de cada um, melhor a segunda opção. Descobri isso da pior forma, quando percebi que enquanto algumas partes estavam bem servidas, em outras os animais estavam literalmente morrendo de fome, tudo porque o cálculo da quantidade de atenção no sistema padrão não era bem o que o meu zoológico precisava.

Esse preciosismo pode parecer um exagero em certos jogos, mas não em Let’s Build a Zoo, já que, com o perdão do trocadilho, é realmente o olho do dono que engorda o porco. Automatizar algumas rotinas não é de todo mal, e faz bem inclusive para a sanidade do jogador, mas é necessário estar de olho em cada detalhe para que a coisa não descambe. Questões como os meios de transporte a serem utilizados pelo seu público ou o preço do cachorro-quente; o salário dos funcionários ou os protestos dos grupos a favor do direito dos animais, tudo faz parte de um dia comum de trabalho que, portanto, vai muito além do olhar distanciado de um administrador comum. É a pessoalidade quase passional que faz deste jogo algo bastante especial.

O estilo artístico que abusa da estética pixel art noventista acerta em cheio nas questões de nostalgia principalmente quando nos dedicamos a desenhar o ambiente com uma série de construções distintas, calçadas e lixeiras que, a partir de uma grade cartesiana, permitem alguns belos designs que fariam inveja aos maiores clássicos da geração 16 bits. Animais e humanos transbordam carisma, algo que o texto sabe valorizar muito bem. Completa o pacote uma ótima composição sonora que sabe conciliar bem a bagunça de um lugar lotado de gente e uma sensação de tranquilidade que só um domingo de passeio pode transmitir.

Let’s Build a Zoo também acerta em uma interface bastante fácil de se utilizar, mesmo  utilizando um controle, algo sempre muito bem-vindo em jogos do gênero para consoles. A única questão que pode incomodar é a tipografia diminuta na tela, exigindo por vezes um esforço maior para jogadores que costumam curtir seus games espalhados no sofá ou que utilizem telas menores. Ainda assim, com menus bem ilustrados e um belo trabalho iconográfico, o game é bem convidativo e acessível, ainda que traga as dificuldades e as exigências comuns de gerenciadores do tipo. Não se empolgue com cinco mil dinheiros logo que se abre o game. Eventualmente, em uma gestão deficitária, o prejuízo e a falência vão cobrar seu preço.

Para os entusiastas, o complemento Dinossaur Island (que pode ser adquirido em bundle com o o jogo principal ou comprado separadamente) é um extra espetacular, que abusa das mecânicas da manipulação genética por motivos óbvios e que leva o nível da fantasia para um outro patamar. É estranho, é divertido e ainda mais provocativo que o jogo base. É como se Let’s Build a Zoo encontrasse o ótimo Jurassic World Evolution e lhe desse um banho de simpatia e ludicidade. A facilidade de alternar entre um parque e outro – tal como vemos na franquia Two Point, você pode gerenciar não só um, mas uma cadeia de estabelecimentos – também favorece irmos e voltarmos de um para outro a qualquer momento, garantindo uma dose de frescor a cada novo retorno.

Para os fãs de jogos do tipo, este é, sem dúvidas, um dos mais surpreendentes e divertidos projetos dos últimos anos. Ao mesclar um tema interessante com mecânicas consagradas muito bem resolvidas, a base já se sustenta por si. É um jogo cheio de energia, que transborda vida e mesmo atuando como uma entidade tradicionalmente distante da ação, o jogador se sente parte pungente daquele mundo. Por outro lado, aqueles que pouco tem contato com o formato podem dar uma chance para este que pode ser uma bela porta de entrada para um gênero que, depois de uma certa crise pós-maxis tem recebido ótimas e variadas produções.

O diferencial, porém, está não nas pessoas, aqueles que podem ser considerados seus clientes, mas sim no produto, que acaba assumindo uma certa prioridade em nossa rotina por demandarem atenção e uma boa dose de carinho. O sistema de mixagem genérica é deliciosamente divertido, com um aprofundamento equilibrado e que consegue se esquivar das burocracias enfadonhas e das armadilhas de se levar a sério demais. Leve, viciante e cheio de boas surpresas, é um jogo altamente recomendado para todo tipo de jogador que estiver disposto a dedicar algumas boas dezenas de horas para fazer a todos, crianças e bichinhos, sorrirem contentes e, sobretudo, juntos.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela No More Robots.

Veredito

Let’s Build a Zoo se destaca ao equilibrar as mecânicas já bastante tradicionais de jogos de gerenciamento com doses gigantescas de carisma e diversão. Contudo, é no sistema de manipulação genética e no desafio de cuidar de seus ilustres hóspedes onde mais se mostra brilhante, não por trazer ideais megalomaníacas, mas por fazer daquilo que é simples algo encantador.

90

Let's Build a Zoo

Fabricante: No More Robots

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: Simulação / Estratégia

Distribuidora: Springloaded

Lançamento: 28/09/2022

Dublado: Não

Legendado: Não

Troféus: Sim (inclusive Platina)

Comprar na

[lightweight-accordion title="Veredict"]

Let’s Build a Zoo excels at balancing the already traditional mechanics of management games with huge doses of charisma and fun. However, it is in the genetic manipulation system and in the challenge of caring for its illustrious guests where it proves most brilliant, not by bringing megalomaniacal ideals, but by making what is simple into something enchanting.

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Let’s Build a Zoo excels at balancing the already traditional mechanics of management games with huge doses of charisma and fun. However, it is in the genetic manipulation system and in the challenge of caring for its illustrious guests where it proves most brilliant, not by bringing megalomaniacal ideals, but by making what is simple into something enchanting.

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