O início da era tridimensional nos jogos trazia um cenário a ser desbravado que provavelmente nem os desenvolvedores da época tinham ideia do que viria a se tornar. Foi um período onde muitos enxergavam que os jogos, incluindo os de plataforma, tinham se libertado das amarras da progressão lateral em uma suporta evolução natural e irreversível. Outros viam como um modismo passageiro, e há quem percebeu que a verdade poderia estar no meio termo. Nesse período de experimentação e de sedimentação de possíveis novos modelos, surgiram clássicos consagrados que perduram até hoje e outros games que acabaram escondidos pelo tempo.
A duologia Klonoa certamente não está dentre as produções obscuras e totalmente desconhecidas da época, tampouco se tornou um grande hit reconhecível por qualquer jogador principalmente aqui no ocidente, e muito provavelmente não está no topo de nenhuma lista de games que deveriam voltar ou ganhar uma continuação. Felizmente, A Bandai Namco, que passa por um ótimo momento, fez a escolha de trazer novamente a franquia aos holofotes remasterizando, por ocasião do aniversário do personagem, os dois principais jogos lançados para consoles domésticos (houve uma série deles para portáteis que não foram muito bem recebidos por público e crítica e ficaram restritos ao Japão) para apresentá-los a uma nova geração de jogadores e, quem sabe, descobrir o quão potente é a marca para novas incursões.
Klonoa Phantasy Reverie Series é, portanto, um compilado que celebra os 25 anos da franquia com as duas grandes aventuras do personagem que dá nome aos jogos, sendo elas Klonoa: Door to Phantomile, lançado originalmente em 1997 para o primeiro Playstation, e Klonoa 2: Lunatea’s Veil, de 2001 já para Playstation 2, ambas com uma grande repaginada gráfica rodando a 60 frames por segundo e alcançando os famigerados 4K de definição no caso do Playstation 5, versão esta na qual estamos baseando esta análise. Importante salientar, contudo, que a remasterização do primeiro game presente nesse conjunto foi desenvolvida a partir de outro relançamento do jogo, o remake para Nintendo Wii de 2008 e, portanto, ainda que PS2 e Wii não pertençam exatamente à mesma geração, os dois jogos partem de uma base bastante similar em termos audiovisuais.
Narrativamente, para aqueles que não tiveram a oportunidade de jogar as versões originais, a série Klonoa traz um simpático personagem antropomórfico meio-gato meio-coelho que ao encontrar um artefato poderoso se vê envolvido em uma trama onde deverá enfrentar uma infinidade de perigos e inimigos para ajudar um inesperado amigo a salvar o dia. A sequência, por sua vez, apresenta novos amigos (e inimigos) mas basicamente – e de forma bastante superficial para não entregar spoilers – pode ser reduzida ao mesmo plot, o da jornada do herói improvável para vencer criaturas nefastas e finalmente trazer um pouco de paz ao mundo. Ainda que haja algumas reviravoltas bem intensas e momentos de grande emoção que pouco eram explorados na época, sobretudo em jogos com mascotes, são tramas bastante simples, quase que conceitos que servem de desculpa para clássicas aventuras de plataforma.
Enquanto inovação, ambos se apropriam de um conceito que mais tarde chamaríamos de um 2.5D, onde basicamente o jogo se estrutura como um plataformer de progressão lateral que abusa da verticalidade, com alguns aspectos que exploram a profundidade de campo. Além dos cenários oferecerem formatos circulares e, alguns deles quase espirais, o que permite que vejamos ao fundo trechos pelos quais vamos passar mais adiante, também é possível interagir com elementos que estão em planos diferentes. Você pode, por exemplo, arremessar um item para acionar um interruptor ao fundo, ou alcançar um item colecionável que está mais próximo da câmera, algo que hoje pode parecer simplório e corriqueiro, mas que naquele momento representava a quebra de alguns paradigmas.
Klonoa também inovou a relação entre protagonista e inimigos ao não oferecer um sistema de combate direto, como por exemplo pular sobre eles ou atirar qualquer objeto para derrotá-los. Para vencer qualquer adversário, o herói tem em sua posse o chamado Wind Ring (ou em tradução livre, o Anel de Vento), que como o nome evidencia, é um grande anel que produz uma rajada de ar que envolve a criatura adversária em uma bolha, a qual Klonoa pode arremessar para longe seja para eliminá-lo, seja para atingir um ponto de interesse. Além disso, também é possível atirar quem foi capturado para baixo para dar um impulso complementar em um salto, funcionando, na prática, como um artifício de pulo duplo. No conjunto da obra, é um modelo que pode estranhar a princípio, mesmo quando isso não é uma novidade, mas bastam alguns minutos para que nos acostumemos.
Isso porque ambos os jogos foram retrabalhados para que estivessem alinhados como uma grande produção em duas partes. Isso significa que toda a jogabilidade foi ajustada para funcionar muito bem para os controles atuais, e a transição entre ambos seja o mais suave possível. É uma base bastante confortável, precisa e responsiva que responde bem para o nível de precisão exigido tanto para as passagens de plataforma quanto para aquelas que exigem diferentes ações no enfrentamento de múltiplos inimigos. Também é notável que os dois jogos escalam a dificuldade de forma íngrime, o que pode assustar novatos, mas isso é algo bastante comum na época de seus lançamentos originais e, nesse aspecto, nada foi profundamente mexido. Também foi incorporada a possibilidade de se jogar com outra pessoa assumindo o segundo controle como um ajudante, mais ou menos como em Mario Odissey. Presente originalmente só no segundo jogo, a função é um tanto quanto desajeitada, inútil e, por vezes irritante.
Isso significa que, mesmo que na prática estejamos diante remakes e não de remasterizações (considerando as definições mais diretas dos termos) houve um grande respeito por parte da equipe responsável por essas novas versões com o material base. Há um ou outro ajuste necessário no desenho de níveis que corrige algumas limitações da época, mas no geral, é uma experiência muito fiel, no que tange a jogabilidade, ao que veio antes, até porque os dois jogos sempre foram conhecidos por serem excelentes nesse quesito. O uso criativo de ambientes labirínticos, da aprendizagem de novas habilidades para resolução de pequenos puzzles e até para batalhas intensas contra chefes está, felizmente, preservado.
Visualmente, porém, a coletânea pode ser um tanto quanto divisiva para os mais puristas. Afim de favorecer um alinhamento coeso entre ambas as produções, sacrificou-se aquilo que era específico dos dois. Não é possível, por exemplo, visualizar o primeiro jogo em sua versão mais poligonal própria da geração 32 bits, nem dá para escolher uma opção que se aproxime da estética cel-shading do segundo. Com uma modelagem lisa e sem muitos ruídos, o conjunto é muito bonito, clean, e deve pouco à produções semelhantes, como as recentes remasterizações de Crash Bandicoot ou Spyro The Dragon. No olhar mais atencioso, ainda deve, na comparação com essas produções mais famosas, em termos de detalhes, partículas e cenografia. Mas provavelmente superar graficamente os famosos não era o objetivo, e sim atualizar a marca e reposicioná-la para um possível futuro.
O ponto mais incômodo está, contudo, nos momentos onde ambos os jogos propõem a movimentação para o terceiro eixo. O posicionamento da câmera, principalmente do primeiro game, prejudica bastante a noção de tridimensionalidade e a localização do protagonista em relação a outros objetos no espaço. Trechos contra chefes (como o exemplificado na imagem acima) ou aqueles onde estamos sobre plataformas móveis e trilhos são problemáticos em estabelecer distância e profundidade, nos fazendo perder, de bobeira, cristais colecionáveis, ou ainda esbarrar em inimigos facilmente evitáveis se pudéssemos ter pelo menos uma ideia da real distância. São poucas passagens, mas a dificuldade é notável.
Não é só visualmente, porém, que houve novidades. Felizmente, há também a adição de novas dificuldades, uma mais fácil para jogadores menos experientes ou mesmo crianças, e uma mais difícil liberada após zerar o jogo pela primeira vez para os mais ousados. Essas dificuldades, porém, estão relacionadas muito mais a permissividade do jogo do que mudanças substanciais dentro das partidas. Na mais fácil, a barra de vida (medida em corações) é maior e o dano causado pelos inimigos é menor. Já na mais alta, a margem de erro é mínima e chegar ao fim nela é algo reservado só aos mais experientes e resilientes. Afinal, quando as vidas acabam sobretudo lá no chefe, considerando que são fases bem longas, só os mais dignos conseguem manter a calma e a paciência.
Também há modos complementares a serem liberados, como jogar cada fase contra o tempo. Somando-se à possibilidade de retornar a cada nível já superado para encontrar cidadãos perdidos ou coletar todos os cristais disponíveis para, assim, garantir 100% de conclusão e de troféus, há muito o que se aproveitar em cada uma dessas duas partes mesmo quando a aventura termina. Considerando que o primeiro jogo dura em torno de 7 a 8 horas e o segundo de 9 a 10, há bastante o que curtir com essa coleção e, quem sabe, sinalizar para a Bandai Namco que um novo título inédito será muito bem-vindo. Ainda acredito que os spin-offs portáteis seriam um ótimo complemento para uma coleção definitiva de Klonoa, mas é compreensível que todos eles poderiam ser bem custosos para novas incursões em consoles de mesa, sobretudo os de nova geração.
De modo geral, Klonoa Phantasy Reverie Series faz um ótimo trabalho de resgate ao atualizar para os dias atuais dois jogos que teriam ficado perdidos no tempo e em plataformas antigas, equilibrando o que teria que ser refeito para evitar que os jogos chegassem datados como simples ports e o que deveria ser mantido para não descaracterizar as duas obras. Certos elementos parecem ainda datados, como as longas e exaustivas cenas de corte que pouco acrescentam na história e podem irritar seja pelos ciclos de animação característicos de um tempo passado, seja por vozes excessivamente fofas em um idioma meio estranho. Considerando que não há versões do texto de legendas para o português, algumas passagens podem ser maçantes. Outras, porém, são importantes seja porque contextualizam as ameaças, seja porque conseguem ser reveladoras e tocantes.
Em um momento importante onde o resgate de experiências passadas se alinha à revitalização dos outrora indispensáveis mascote, Klonoa se posiciona de forma muito promissora e consegue fugir dos perigos de apostar em uma nostalgia vazia que pode manchar o legado de um personagem querido e realmente trazer algo que se diferencia do que o mercado atual oferece. Contudo, é um pacote que pode ter dificuldade ao encontrar seu espaço, já que mesmo com um público fiel e um nicho claro a ser atacado, não tem tanto apelo popular para ganhar muito espaço na mídia, e os picos de dificuldade elevada podem afastar jogadores mais jovens e/ou mais casuais, mesmo oferecendo escolhas que antes não estavam lá. Além disso, a estrutura narrativa parece deslocada para os dias atuais, mais dinâmicos e objetivos. Mesmo assim, é uma forte recomendação para os adeptos dos jogos bidimensionais de plataforma, já que continua sendo das melhores opções do gênero no mercado.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Bandai Namco.
Veredito
Klonoa Phantasy Reverie Series reúne os dois principais jogos da franquia atualizando elementos estéticos e adaptando detalhes para o momento atual sem descaracterizar aquilo que destacou a série em um passado nem tão distante assim. Mesmo com um ou outro detalhe datado, o conjunto é ótimo para apresentar a marca para uma nova geração.
Klonoa Phantasy Reverie Series brings together the two main games of the franchise, updating aesthetic elements and adapting details to the present time without mischaracterizing what made the series stand out in the not-so-distant past. Even with some occasional dated details, the collection is great for introducing the brand to a new generation.
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