Uma desenvolvedora de jogos que marcou bastante o estilo de RPG e estratégia entre o final dos anos 80 e começo dos anos 2000 com certeza foi a New World Computing, famosa por sua franquia Might and Magic. Até hoje eu digo que Heroes of Might and Magic III é um dos meus jogos de estratégia favoritos da história e me pego jogando sua HD Edition ocasionalmente no PC. Apesar da série original ser mais em estilo RPG clássico, estes spin-offs tinham a grande diferença de conterem elementos táticos. Estes elementos foram inspirados de outro título, original de 1990, King’s Bounty. 2003 foi o último ano da NWC e hoje os direitos de Might and Magic estão com a Ubisoft, enquanto King’s Bounty está com a 1C Entertainment.
Caso nunca tenha ouvido falar de nada disso e pense que King’s Bounty II é o segundo jogo e continuação de algo de mais de 30 anos atrás, irei contextualizar um pouco melhor os status da franquia nos últimos anos. Em 2008 tivemos a ressurreição da série nos PCs, já pela 1C, com o King’s Bounty: The Legend. Não chamaria exatamente este título de um remake, mas talvez como um novo ponto de partida, uma sequência espiritual. O título foi um grande sucesso (outro que também ocasionalmente me pego jogando) e rendeu algumas expansões e spin-offs, todas utilizando a TheEngine. Foi então que em 2019 tivemos o anuncio de King’s Bounty II, continuando diretamente a história de The Legend, mas dessa vez com uma grande diferença: o jogo também viria para consoles e utilizaria Unreal Engine 4.
É importante ressaltar esta diferença das engines e também da chegada do primeiro título da franquia para consoles pois isto acaba sendo algo bem divisor de águas para fãs antigos. O estilo do título se tornou mundo aberto, ainda com batalhas táticas, porém com um conceito de exploração bem diferente de como era. Esse vídeo rápido que a empresa divulgou é muito bom para sentirmos a diferença destes três principais títulos e a transformação que tivemos para King’s Bounty II. Onde antes tínhamos todas as histórias em caixas de texto, incluindo detalhes dos acontecimentos, como se fosse um livro ou uma narrativa de RPG de mesa (diria também que em um estilo bem parecido com Pathfinder: Kingmaker), agora temos cutscenes, narrações e vozes para todos os personagens. Apesar de muitas diferenças e evoluções, já adianto dizendo que a essência da franquia ainda está presente.
Ao comparar com todos os título anteriores de King’s Bounty II é inegável o quão evoluído este jogo está. Infelizmente não o bastante para acompanhar outros lançamentos dos últimos anos. E nem digo apenas pensando com o que é exclusivo de PlayStation 5/next gen, mas com muita coisa de PS4 também. Em muitos momentos a sensação que tenho é de que faltou algum tipo de acabamento final nas texturas e renderização de diversos lugares no jogo, principalmente em personagens. É como se fosse um jogo de PS3. Alguns NPCs possuem cabelos péssimos! Enquanto isso, nas batalhas, achei todas as criaturas OK. Em alguns lugares do mapa também me pareceu que existiu todo um trabalho em detalhar a ambientação e tendo elementos melhores, destoando bastante de outras partes do reino. Estava ansioso pelo título mas sinto que se tivéssemos aguardado mais alguns meses talvez teríamos um produto final mais polido.
Não é preciso jogar nenhum título anterior para se adentrar na história de King’s Bounty II. Apesar de ser chamado de continuação e existirem algumas referências, todo o roteiro deste novo título não se prende a nenhum conhecimento obrigatório do passado. Neste você começa com a opção de utilizar um entre três personagens principais: Aivar (guerreiro), Katharine (maga) e Elisa (Paladina). Cada um possui um background diferente, pequenas variações em suas falas por conta disso e alguns benefícios diferentes em seus atributos. Aivar, por exemplo, possui bônus para ataques físicos e quase nada de dano mágico, enquanto Katharine o contrário. Ainda assim é possível formar uma build da forma que quiser ao combinar equipamentos e talentos.
King’s Bounty II possui um conceito que é uma espécie de índole, os ideais (ideals), que afeta diretamente algumas escolhas no jogo e também seus talentos. São 4 características: Ordem (order), Anarquia (Anarchy), Poder (power) e sutileza (Finesse). Order e Anarchy são contrários, enquanto Power e Finesse também se antagonizam. Em alguns momentos em missões você terá mais de uma opção de caminho para finalizá-la, cada uma delas tendendo para um ideal oposto. Você vai ganhando pontos no caminho escolhido, liberando novos talentos deste grupo, benefícios ao utilizar criaturas com o mesmo ideal e até definir o rumo de algumas quests futuras. É muito importante desde o começo definir por qual caminho deseja seguir para criar a build ideal de seu personagem. Algumas missões possuem troféus de finalizá-las em mais de um caminho, ou seja, se quer platinar o jogo prepare-se para muitas horas pela frente.
O título gira em torno de você resolvendo problemas para o príncipe do reino em troca de alguma coisa (background do personagem escolhido). Por conta disso, você fará diversas outras missões (secundárias ou não) a pedido de pessoas que encontrar por sua jornada, seja matar um grupo de monstro, recuperar um item roubado ou resolver um enigma. Algo bem interessante é que o enredo se conecta muito bem e realizar as quests opcionais vai te dando um maior background de pessoas e do reino. Mesmo sem essa obrigação de fazê-las, em alguns momentos você não verá outra saída a não ser realizá-las para que possa ganhar experiência e dinheiro e assim conseguir avançar com a quest principal.
Pensando em um título de mundo aberto amplo, diversas vezes será necessário ir para lugares bem distantes uns dos outros. Para não ser algo tão desgastante existem alguns pontos de teleporte que irão facilitar sua jornada. Você também possui um cavalo, que aumenta consideravelmente sua velocidade quando está fora de uma cidade, porém, a experiência de usá-lo é tão ruim que eu preferia muitas vezes ir andando. Não existe a opção de correr sem estar montado, apenas andar mais devagar. Quando você monta o cavalo, apesar de ir rápido, você não pode fazer mais NADA. Não consegue acionar o teleporte, precisa descer. Não consegue pegar um item, precisa descer. Não consegue falar com uma pessoa, precisa descer. Fora que a sua movimentação não é das melhores, sendo um pouco travada. O modo de chamar e usar o cavalo é como se fosse uma versão bem piorada do que vimos na exploração do mundo aberto em The Witcher III. Eu espero MUITO que a 1C reveja esta mecânica e atualize em algum patch. É algo simples que vai deixar King’s Bounty II bem mais prazeroso.
As batalhas do jogo estão interessantes que nem em seus antecessores. Confesso que fiquei com muito medo de com tanta novidade em King’s Bounty II que fossem diminuir os elementos táticos e deixar com algo mais de ação, uma tendência que percebi em algumas outras franquias. Fico feliz de ter errado, pois a estratégia do que fazer em batalha ainda se mostra mais importante do que um exército extremamente poderoso. A essência daquele joguinho lá de 1990 ainda está presente, mas com visuais melhores. Os comandos de batalha foram até bem adaptados, tirando o zoom da câmera que não gostei. A única coisa que senti falta foi a opção de deixar o combate mais rápido nas configurações, algo sempre presente neste gênero.
Explicando de maneira rápida, você pode ter 5 grupos de unidades em sua “party“, podendo a quantidade máxima de cada tropa variar por conta de diversos fatores. Unidades de rank 1 costumam ser mais baratas de se recrutar, gastando também menos pontos para se colocar no grupo, porém, nem sempre ter mais unidades disponíveis quer dizer vantagem. Com 2000 pontos, por exemplo, você pode conseguir fechar um grupo com 10 lobos de rank 1, enquanto com a mesma quantidade só é possível usar dois cavaleiros de rank 3. Qual opção é melhor? Depende de sua estratégia e do contexto da batalha do momento. Há diversos tipos de tropas (cavalaria, curto alcance, longo alcance, mágico, etc.) e é importante equilibrar bem o seu time.
Talvez o parágrafo acima possa soar confuso para quem nunca jogou nada deste universo e, apesar do título possuir bons tutoriais durante sua introdução, senti que ele não explicou alguns pontos que julgo importante para compreender todas as mecânicas existentes. Não é um problema só dele, The Legend também funcionava da mesma forma. Diversas coisas aprendi errando e testando no título passado, o que acabou me ajudando em minha jornada em King’s Bounty II, já que os conceitos se repetem. Entendo que a dificuldade da curva de aprendizado faça parte do estilo, o que não me incomoda, mas acredito que isso seja um problema para alguns usuários. Situação que pode piorar se aliar com a falta de legendas em português.
Gostaria de aproveitar para parabenizar toda a parte sonora do jogo. Além de possuir um bom efeito 3D, que ficou muito bom de escutar utilizando caixas de som 5.1, a sonoplastia usada para ambientes e batalhas ajudam bastante na imersão. A trilha sonora também foi muito bem escolhida e colocada de uma maneira bem característica da série.
O loading de King’s Bounty II é bem demorado no PS4, sendo um pouco melhor caso jogue no PS5 (por retrocompatibilidade). Evito ao máximo precisar recarregar o que salvei pois perco bons minutos esperando. Além disso, quando o jogo carrega, é possível perceber que algumas texturas demoram ainda mais para renderizar. O próprio menu você não consegue abrir no primeiro instante, precisa esperar um pouco para que o jogo responda a seu comando. Porém, fora isso, não tive qualquer problema de desempenho ou grandes quedas de frame, sendo todos os pequenos bugs relacionados a textura ou ao cavalo ficando travado por aparecer em lugares ruins quando chamado.
Para os fãs da série de longa data, King’s Bounty II é um prato cheio com dezenas de horas de diversão que pode ser bem aproveitado desde já, mesmo sem gráficos muito polidos, já que este nunca foi o ponto forte da franquia. Enquanto isso, caso você seja novo neste universo sem ter qualquer tipo de apelo nostálgico e apenas quer experimentar e conhecer o título, talvez seja melhor aguardar possíveis updates e a redução de preço, e até mesmo ver alguns gameplays para confirmar se este estilo de jogo foi feito para você.
Jogo analisado no PS4 Pro com código fornecido pela Deep Silver.
Veredito
Mesmo sem gráficos muito polidos e parecendo ser da geração passada, King’s Bounty II ainda é uma grande evolução para uma franquia de mais de trinta anos que ainda segue com sua essência estratégica intacta.
Even without polished graphics and seeming to be from the last generation, King’s Bounty II is still a great evolution for a franchise with more than thirty years that still carries on with its strategic essence intact.
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