Desde que as coletâneas HD começaram a ganhar popularidade, uma em particular foi pedida incessantemente: Kingdom Hearts. Uma coletânea com os RPGs que misturam lore da Disney e Square Enix em sua própria infame história que cativaram milhões. O que, finalmente, a Square Enix realizou não foi bem o idealizado – a coletânea contém o Kingdom Hearts original (versão Final Mix, antes exclusiva do Japão), Kingdom Hearts re:Chain of Memories (remake para PlayStation 2 do jogo de GameBoy Advance) e as cutscenes e textos de 358/2 Days, título do DS.
Kingdom Hearts (I) por si só já é um jogo extenso, como costumeiro dos RPG japoneses. A coletânea então, como é de se imaginar, é massiva. Cada jogo pode levar até 50h na dificuldade padrão e ainda há bastante conteúdo opcional incluso.
Kingdom Hearts é um dos jogos de PlayStation 2 que melhor se comporta em sua versão remasterizada para alta definição. Existem sequelas gráficas (principalmente em Chain of Memories e 358/2 Days), mas o visual do jogo – um estilo de arte constante em todos esses anos da franquia – envelheceu muito bem. Algumas escolhas de design da época, entretanto, não tiveram tanta sorte. A câmera é horrenda e a opção de usar um segundo analógico da versão Final MIX sofre pra tentar remediar o que a original (ainda inclusa no pacote) fazia.
Ainda sobre o segundo analógico, a existência deste pareceu ser ignorada no desenvolvimento do primeiro jogo na época do PlayStation 2. Transportar-se entre os mundos da Disney envolve uma nave espacial chamada Gummi Ship. Os transportes são obrigatórios e cada um deles comporta-se como um rail shooter. Isso mesmo, um rail shooter sem um segundo analógico. Você não pode mover a retícula de mira do transporte independentemente, apenas movê-lo (e assim, mover a retícula). Além de ser completamente contra-produtivo, a mecânica complica nas fases mais longas e complexas pelo final do jogo, e falhar nestas seções requer a repetição desde o início do percurso.
Boa parte da fama de Kingdom Hearts hoje se devem a dois fatores – a história julgada enrolada e a recusa da Square Enix de entregar Kingdom Hearts III (agora anunciado) em prol de sequências e prequelas em portáteis de diferentes companhias. O segundo motivo leva ao primeiro – sim, o enredo de Kingdom Hearts é gigantesco e muitas vezes confuso, mas, como todo início deve ser, Kingdom Hearts 1.5 HD ReMIX não complica as coisas. A história dos jogos da coletânea ainda não é complexa e, em verdade, a do primeiro jogo é tão ingênua e boba que não dá idéia da magnitude que a franquia um dia tomaria. re: Chain of Memories e 358/2 Days colocam bem mais no prato, mas este só vai ficar realmente cheio com a próxima coletânea, já anunciada para 2014.
Isso tudo porque a história original da franquia, embora dada em doses durante toda a jornada pelos mundos da Disney, só toma forma de verdade no final do jogo. Todo o "corpo" do primeiro Kingdom Hearts são histórias de mundos específicos, como a Terra do Nunca, Atlantica, País das Maravilhas, Agrabah e muitos outros. Já re:Chain of Memories intercala mais conteúdo original entre os mundos – estes agora totalmente em segundo plano, não contendo nem mesmo dublagem e utilizando histórias (e mundos) reciclados do primeiro jogo. E, no espectro totalmente oposto da balança, 358/2 Days se concentra bem mais no lore da própria franquia do que o da Disney.
A história começa lenta demais, aliás, com Sora, Riku e Kairi, moradores de uma ilha isolada, desejando conhecer o que há além do mar, outros mundos, e novas pessoas. E, pra isso, constroem uma jangada. Mas nada disso é rápido ou contado de forma cinemática – você deve andar na ilha inteira obtendo as partes da jangada e itens pra viagem. É uma quest chata e demorada, e um balde de água fria para quem entra no jogo logo querendo aliar-se a Goofy e Donald partindo para os mais diversos mundos da Disney.
Quanto à jogabilidade, Kingdom Hearts e re:Chain of Memories são duas entidades diferentes. O primeiro inicia fraco, com tão poucas opções de comando que poderia se passar facilmente por um beat' em up, mas evolui com um leque de opções gigantesco que tornam o jogo variado e permitem criatividade do jogador durante os combates, com habilidades diferentes, magias, invocações, itens, diferentes armas com propriedades e status alternativos, entre outros.
Já re:Chain of Memories é ambicioso. O combate do jogo é diferente de tudo o que existe, com um sistema de deck de cartas numeradas que servem como um super-trunfo de plano de fundo, atingindo níveis de complexidade e reações rápidas do jogador e, quando funciona, é fantástico. As cartas representam keyblades, itens, magias, invocações, entre outras, e contém numerações de 0 a 9. Seus inimigos também utilizam cartas para atacar, e se a sua carta for mais fraca que a do oponente, ele cancela a sua, e vice-versa. Cartas 0 cancelam qualquer coisa mas também podem ser canceladas por qualquer outra, dada a ordem de uso. Também existem combinações de até 3 cartas que, além de aumentarem o valor, permitem a execução de sleights, que são como as habilidades do primeiro jogo. Se tudo isso pareceu complexo para se pensar em tempo real, é porque é. Em batalhas comuns, muito disso é deixado de lado, mas em batalhas contra chefes, pensar rápido e mover com agilidade para cancelar um ataque especial potencialmente devastador são atividades comuns. Muitos dos melhores momentos do jogo estão nessas batalhas. Infelizmente, o sistema nem sempre funciona, e existem chefes devastadores e injustos, exigindo técnicas apelativas, e chefes ridículos, que apenas pressionar repetidamente o botão de ataque garante a vitória.
Cada mundo possui trilha sonora instrumental dos filmes em que foram retirados, e, mesmo com essa barra estando alta, as músicas originais de Kingdom Hearts não desapontam – várias são incríveis, rivalizam e até vencem algumas das já conhecidas da infância de muitos. Ainda sobre imersão nesses mundos, boa parte deles conta com os talentos dos dubladores originais dos filmes, ou dos desenhos inspirados nesses filmes que passam nos canais da Disney na América do Norte. Mesmo os que não atuaram nas obras originais fazem um excelente trabalho, que infelizmente por vezes sofre de modelos incondizentes dos personagens – enquanto alguns dão performances excelentes, seus modelos in-game demonstram falta de expressão, ou algo totalmente desconexo com o que o dublador tenta propiciar.
Kingdom Hearts é a estrela do pacote, mas re:Chain of Memories tem seu brilho. O jogo pode ser comparado a Majora's Mask em relação a Ocarina of Time, mesmo que se diste longe do brilhantismo dos jogos supracitados. Isso porque re:Chain of Memories reaproveita assets (e momentos de história, nos mundos Disney) do primeiro Kingdom Hearts, mas assim como Majora's Mask, tem ambição e toma um rumo completamente diferente, mesmo que nem sempre funcione. Já 358/2 Days, mesmo com cutscenes remasterizadas e áudio re-dublado, acaba sendo nada mais que uma longa sessão de cinema, e fãs da franquia o aproveitariam melhor na plataforma de origem. Kingdom Hearts 1.5 HD reMIX é extenso. A qualidade não é sempre constante (existem mundos que parecem apenas preencher cota – isso além de considerar gosto individual pelas franquias Disney), mas há algo para todos, fãs de RPG ou da Disney, que querem apenas entrar nos universos dos famosos filmes de uma maneira diferenciada.
Veredito
Kingdom Hearts costuma afastar jogadores por conta da quantidade de títulos já lançados – 1.5 HD reMIX é o ponto perfeito de entrada. E não só isso, é uma das coletâneas HD com jogos que mais bem envelheceram, devido ao constante estilo de arte da série. Amantes de RPGs e da Disney encontrarão aqui muitas horas de conteúdo que justificam o investimento.