Kingdom Come: Deliverance II – Review

A definição de um RPG tem sido algo complexo de alcançar hoje em dia. As diversas ramificações, subgêneros, variações e mais deixaram os jogos que seguem a essência clássica quase inexistente e, a maioria, acaba se classificando apenas como RPG de ação. Da até então desconhecida Warhorse Studios, Kingdom Come: Deliverance surgia em 2018 levantando novamente essa bandeira e com fortes raízes na realidade da idade média e contexto histórico, se afastando das diversas propostas fantasiosas existentes em excesso.

Anos após um lançamento de sucesso mas que foi conturbado pelos diversos problemas técnicos, uma sequência é lançada e com ambição além do que era esperado pelos jogadores, com o estúdio apostando alto em melhorias distintas em todos os aspectos, mas sem largar mão daquilo que apresentou de qualidade no primeiro jogo. Kingdom Come: Deliverance II chega, e já afirmo de antemão, como um dos melhores jogos do gênero e com o pé na porta para um dos melhores títulos lançados em 2025.

Kingdom Code Deliverance II

Seguindo o jovem Henry e seu envolvimento com a guerra civil da região da Boêmia, KCDII começa com o mesmo, escoltando seu lorde, Hans Capon, para uma entrega de uma importante mensagem na tratativa de um acordo com um importante senhor feudal. Ainda sob influência dos eventos do primeiros jogos, personagens importantes e mais, a jornada de Henry conta apenas com um início trivial, mas devido aos diversos acontecimentos inesperados e o desenrolar de toda a história, nem mesmo o jovem cavalariço se imaginaria em tamanhos eventos únicos.

KCDII é muito mais do que apenas uma evolução do primeiro jogo em todos os aspectos. É a entrega de uma jornada de um personagem pelos olhos e ações do jogador, onde mesmo que haja uma linha narrativa principal, a aventura em si sempre será diferente pelas escolhas do jogador. O lema dito por Hans Capon e Henry nunca fica mais evidente aqui, onde o “Audentes Fortuna Iuvat” (A sorte favorece os audazes) casa perfeitamente com cada escolha, cada ação ou falta dela, cada evento e muito mais.

Kingdom Code Deliverance II

Melhor do que qualquer descrição aqui, fica a narração de alguns eventos do jogo para mim que com certeza me mostraram a grandiosidade do jogo e a qualidade na sua entrega. Na tentativa de conseguir acessar um local, comecei a fazer trabalhos para um ferreiro em troca de favores. Um desses era ajudar na busca de uma carroça perdida repleta de materiais importantes e que, com a ajuda do chefe da guarda de um pequeno castelo, poderia encontrar se fosse procurar ao amanhecer do próximo dia. Entretanto, ao me distrair numa sidequest com alguns húngaros, entrei numa noite de bebedeira e farra, andando bêbado por penhascos e conversando com um cão falante, acordei fora da hora no próximo dia e perdi a hora com o chefe da guarda.

Na minha cabeça, haveria uma certa “folga” para ativar a missão, mas claramente não é o que aconteceu. O cavaleiro voltou sozinho sem encontrar a carroça e me mandou sumir, sem ter mais como seguir a missão por ele. Tendo que partir para outro lado, me deparei com uma opção que levava ao submundo de aquisições de formas não legais. Com isso, acabei tomando gosto por destravar fechaduras e surrupiar itens alheios – o que era algo extremamente complicado no primeiro jogo e nunca me chamou atenção em qualquer jogo com essa oferta – e não consegui mais deixar passar um baú sem ver o que tem dentro. Além disso, os benefícios do álcool no jogo me fez sempre carregar itens assim para tirar vantagem das situações possíveis.

Kingdom Code Deliverance II

Por fim, depois de tornar Henry um cleptomaníaco beberrão e mentiroso, consegui avançar no objetivo que não era mais possível com o ferreiro usando outro caminho, entrando numa importante festa de casamento para conversar com um personagem principal da história. Com todos esses vícios aflorados era óbvio que não poderia terminar bem essa história, já que me pegaram abrindo uma tranca, chamaram os guardas e um dos convidados, pagando de herói, entrou na briga e me nocauteou. Acordei preso e tendo perdido boa parte da história para qual fui atrás, tendo que me virar para entender algumas coisas, mas avançando no progresso principal apesar de tudo.

Acredite, essa pequena história não é nada perto das inúmeras opções possíveis no jogo pelas ações do jogador. Diálogos, escolhas, uso de itens ou vestimentas, estar limpo ou sujo de sangue quando for falar com alguém, partir para um confronto direto, tentar resolver na conversa, tentar usar de conhecimento ou só carisma, ou mesmo ainda passando sorrateiramente e conseguindo o que pretende são só algumas opções. A ramificação de opções é imensa e maior do que no primeiro jogo, sendo que às vezes é possível resolver uma situação apenas manipulando outros personagens e sem tomar ação direta.

Kingdom Code Deliverance II

Adicionando a isso ainda temos os arcos narrativos de cada personagem e a interação de Henry com os mesmos, o evoluir de cada um na grande história e o impacto das decisões de cada jogador nisso. Personagens esses que até podem se tornar mais ou menos cativantes e interessantes mediante a forma como jogar. Capon, para mim, tem muito do aristocrata mimado que precisa usar da posição de lorde para mascarar muitos de seus defeitos e preocupações. Entretanto, uma interação diferente por parte do jogador pode mostrar algo diferente e o personagem mostrar outros traços, mais cedo ou mais tarde, mudando essa visão ao jogador.

Meu único porém quanto a isso é que há tanta conexão com o primeiro jogo que é difícil não o recomendar antes. É possível ir direto para a sequência e aproveitar normalmente, mas as ligações com diversos personagens importantes de antes, principais, secundários e até vilões acabam culminando aqui e existe uma certa importância em conhecer mais do que aconteceu antes. Até mesmo o destino de alguns integrantes da trama são resolvidos aqui e, sem ter muito contexto, fica algo vazio para novos jogadores ou talvez não recebam o impacto necessário.

Kingdom Code Deliverance II

Da forma mais clássica de um RPG, tudo o que for escolhido e executado por Henry terá um impacto no jogo, história, personagens, mundo e mais. Cada diálogo selecionado, ter ou não um conhecimento maior em alguma habilidade para usar em momento oportuno, agir em combate em alguma situação ou mesmo resolver de outra forma vão gerar novas histórias e narrativas. A execução de cada passo na sua jornada pode ditar fatores nem mesmo esperados e que só observará os reflexos disso no futuro.

A Warhorse entrega em KCDII um jogo impecável nesse aspecto, expandindo muito a fórmula anterior e indo além de jogos que apresentaram isso, como títulos da Obsidian e da Bethesda. Além disso, vai além do que foi visto em outros jogos quando cada evento diferente gera uma nova gama de opções para seguir, fazendo com que mesmo uma segunda jogada sua possa ser diferente e sem o seu controle, com uma mísera ação diferente possa ser vista pelos olhos de um NPC como uma variável possível de mudar todo um caminho. Tudo isso gera para mim uma obra prima em narrativa funcional sem seguir uma linha básica, com diversas opções válidas e incríveis que o jogador só vai tomar uma noção maior quando o escopo geral disso for apresentado a ele.

Kingdom Code Deliverance II

Mesmo o primeiro mapa do jogo, que consiste em umas boas 30 horas de desenvolvimento, vai apresentar ao jogador uma história totalmente maluca como se fosse um quebra-cabeças de eventos absurdos, mas que no fim, quando todas as peças estão juntas, faz seu queixo cair quando percebe as amarras que seguram essa narrativa e as reviravoltas da trama. De uma simples viagem para entregar uma mensagem, Henry participa de eventos que o colocam no centro de toda a guerra civil entre Sigismundo e Venceslau pelo trono do imperial, tendo contato com diversas figuras importantes e de peso nessa trama histórica do que hoje é a região da República Tcheca.

No fim, a companha entrega uma história muito interessante, extremamente amarrada com os contextos históricos e personagens, repleta de reviravoltas e momentos marcantes e que entrega diversas discussões. A ascensão da pólvora como arma principal para o futuro, questões religiosas, culturais, políticas e mais. Mostra bastante o contraste da viva bucólica tradicional até então e todas as questões da guerra que fortalecem o crescimento de uma tendência mais urbana.

Já sobre progresso, evolução e desenvolvimento da jogabilidade, é indiscutível como a desenvolvedora usa de inspiração trabalhos de estúdios consolidados, como os já citados antes. A evolução de Henry em KCD e na sequência funciona no modelo de esponja, em que qualquer ação faz o protagonista melhorar naquilo. Carregar peso vai melhorar sua força e resistência, que vai ajudar, por exemplo, a conseguir carregar mais itens ou ter um vigor maior durante combate e ao usar armaduras mais pesadas. Outro exemplo é como ler aumenta seu conhecimento em determinado assunto e isso abre precedentes para usar essas informações em um diálogo ou como moeda de troca para conseguir algo.

Kingdom Code Deliverance II

Esse modelo é visto em jogos como TES: Skyrim, por exemplo, onde executar repetidamente certa ação te faz melhor nisso. Em KCDII é algo bem mais expandido, como você melhorar a força nas pernas quando colhe flores e materiais de alquimia no chão, ao ativar tal habilidade que permite isso, ou ficar constantemente mais ágil ao jogar dados. E como o jogo vai sempre te colocar em situações de várias possibilidades, qualquer uma delas pode te levar a tentar algo novo e evoluir naquilo. Tentei e falhei miseravelmente em ser um arqueiro desde o princípio do jogo quanto ao combate, mas insisti nisso para que sirva de algo em outro momento, o que acabou sendo útil mais pra frente. De toda forma, a evolução geral é muito harmônica e combina com as opções que o jogo fornece, com nenhuma função ou habilidade sendo completamente inútil.

Algo que preciso destacar positivamente é a construção do mundo, o que parece ter partido da fórmula de outros lançamentos de sucesso e que se sobressaíram muito nisso, como The Witcher 3: Wild Hunt e Red Dead Redemption 2. Além de todo o fator histórico presente e como isso é amarrado numa boa história e jogabilidade sem precisar abandonar o contexto histórico e de realidade, fica um destaque para a construção das atividades aqui. Bebendo da água de jogos e estúdios que aprenderam a criar mundos abertos sem indicações ou marcadores em excesso para mostrar ao jogador o que fazer, KCDII apresenta um mundo orgânico e repleto de surpresas. A forma de entregar conteúdo secundário naturalmente é da maior excelência aqui, com encontros ao acaso que levam a quests maiores ou simples ações que desenrolam com personagens que podem ir e voltar no caminho de Henry.

Kingdom Code Deliverance II

Dois bons exemplos disso aconteceram comigo após mais de 50 horas de jogo. Um ao encontrar um sujeito nada confiável em uma estrada que me pedia ajuda para carregar sacos. O cômico da situação era que o cidadão tinha um pedaço de flecha cravado na cabeça e dizia que era mágica, garantindo sua quase imortalidade. O desenrolar disso é cômico e gera um quest secundária única. Outra situação é como uma conversa com um mercador de vinhos e um produto de qualidade duvidosa me levou a caminhos nada normais para o que dava a entender a princípio. Muitas outras existem e é possível sequer saber da existência de várias dessas missões e histórias, já que depende de gatilhos quase mínimos e que forçam a curiosidade do jogador, mas também de período do dia, evolução mediante a campanha e outras variáveis. De toda forma, como cada missão e objetivo entram na aventura de Henry é de uma qualidade incrível e que surpreende, onde até uma simples competição de forjar espadas pode sair do controle e ser algo maior.

Essa liberdade também é vista no mundo com diversas opções possíveis de atividades e mesmo as consequências delas. Quer focar em ser um arqueiro/caçador e conseguir recursos e dinheiro vendendo peles e carcaças? É possível e há caminhos focados no jogo apenas para isso. Seja um ferreiro e trabalhe peças de alta qualidade para venda ou uso próprio, mas também para ter capacidade e conhecimento suficiente para resolver outras questões fora da forja. Além disso, o impacto de algumas ações interage diretamente no sistema de reputação das vilas e cidades, como executar trabalhos e vendas de materiais, ou até de forma negativa quando seus crimes são deixados à mostra.

Kingdom Code Deliverance II

Essa parte é incrível, já que mostra muito do envolvimento da parte furtiva nas atividades rotineiras dos NPCs. Pessoas no jogo carregam suas chaves e guardam seus pertences, mas estarão sempre atentas caso algo diferente aconteça. Elas mudam as coisas de local, trocam fechaduras caso percebam que as perderam ou tiveram suas chaves roubadas, melhoram as trancas do local e mais. E se você for pego bisbilhotando em hora errada ou derem falta de algo e você estava perto, cidadãos vou pensar que pode ser culpa sua e chamar os guardas. Há um sistema inteiro relacionado às rotinas dos personagens no jogo e a interação disso com a jogabilidade como um todo que é muito bem executado.

Assim como no primeiro jogo, o combate talvez seja o maior ponto de questionamento para uma visão inicial e carrega muito do estigma de “8 ou 80”. O sistema de direcionamento de golpes e combos com habilidades em primeira pessoa não é algo tão assimilável à primeira vista e ainda possui uma curva de aprendizado longa até mesmo para um conhecimento básico. Entretanto, a variedade para o mesmo é imensa e conta com vários tipos de armas, curta e longa distância, novos combos agora, combinações de equipamentos e status, expansão do sistema de itens, armaduras com até mesmo a montagem de perfis diferentes para situações distintas e mais que entregam uma gama interessante de opções.

Kingdom Code Deliverance II

O interessante é que a jogabilidade de forma geral, combate incluso, é ligeiramente mais rápida e dinâmica do que no primeiro jogo, com os embates de espada sendo mais frenéticos e até mesmo a furtividade sendo mais interessante de usar. A forma mais engessada e rústica de antes é revigorada com melhor animações e, principalmente, menos bugs que atrapalhavam imensamente a execução principal do jogo anteriormente. E ainda que seja parte importa, o combate não é grande foco no RPG aqui, além de ser o aspecto que demanda várias horas de adaptação e até um leve sofrimento em algumas situações, como trocar de armas de forma rápida ou tentar engajar em um combate com uma arma diferente equipada e não sendo a ideal na situação.

Algo que também foi aprimorado para a sequência é todo o aspecto visual e técnico. A Warhorse continua utilizando a CryEngine, mas agora melhor trabalhada e com um resultado final muito acima do que visto no PS4. Saem os bugs visuais de personagens flutuando, prédios sumindo, terreno e objetos pipocando a cada canto para dar lugar a uma entrega visual excelente. Seja em modelos de personagens e objetos, paisagens campestres, florestas, vilas ou cidades, KCDII chega bem polido visualmente para o PS5 e com performance incrível.

Tendo sido testado tanto no PS5 Pro quanto no PS5 normal, a opção de desempenho com maior taxa de quadros foi a escolhida no segundo console e entrega isso quase perfeito, não tendo percebido nenhuma queda ocasional. Além disso, o visual em si não desaponta e indico esse modo como o recomendado, mesmo que talvez ocasione pop-up de objetos à distância nos piores casos.

Kingdom Code Deliverance II

Quanto aos possíveis bugs, a versão para análise já tinha um documento informado problemas conhecidos e que seriam resolvidos com o patch de lançamento. Mesmo assim, alguns foram notados fora dessa lista, principalmente nas cenas e diálogos. Personagens em T pose, alguns desaparecem em conversas ou mesmo a tela preta em alguns momentos foram alguns bugs encontrados. Ainda vi flashs, luzes e efeito de chuva dentro de ambientes fechados, problemas em geral com a interação da iluminação com objetos e personagens, algumas animações gerais que não pareciam finalizadas e mesmo problemas em legendas, com textos misturando português e inglês em alguns momentos. Muitos podem e devem ser corrigidos logo no lançamento do jogo, mas talvez surjam em algumas jornadas por aí e vão ser notados facilmente, ainda que nem de perto vão interferir na sua diversão como acontecia antes.

Kingdom Come: Deliverance II é uma sequência que eleva o título anterior em todas áreas possíveis, tendo impacto imediato no gênero e sendo um dos melhores disponíveis hoje em dia sem deixar de lado suas qualidades e aspectos únicos. É uma evolução natural e uma experiência de impacto tendo você jogado ou não o primeiro jogo, ainda que seja fortemente recomendável se aventurar na primeira narrativa antes, e que mesmo pequenos bugs e uma curva de aprendizado mais dolorosa para alguns aspectos de jogabilidade não conseguem minar a tamanha qualidade do jogo. O título da Warhorse é primoroso e uma das minhas melhores experiências em jogos dos últimos anos.

Jogo analisado no PS5 e PS5 Pro com código fornecido pela PLAION.

Veredito

Kingdom Come: Deliverance II é uma sequência impecável, que exala qualidade e de um impacto gigante para o gênero de RPG.

95

Kingdom Come: Deliverance II

Fabricante: Warhorse Studios

Plataforma: PS5

Gênero: RPG

Distribuidora: Deep Silver

Lançamento: 02/04/2025

Dublado:

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

Comprar na

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Kingdom Come: Deliverance II is an impeccable sequel that exudes quality and has a huge impact on the RPG genre.

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