A vida amorosa dos poderosos Kaijus – aqueles monstros gigantes típicos de filmes-catástrofe como o icônico Godzilla – por vezes acaba sendo um tema mais recorrente do que a gente imagina no universo da cultura pop. O próprio lagarto gigante teve seu teste de gravidez exposto na famigerada adaptação para os cinemas estadunidenses em 1998 e, mais adiante, o acasalamento entre Mutos insectóides do mais recente reboot da mesma franquia esteve no centro da trama da obra lançada em 2014. Ao que parece, o medo de termos o mundo esmagado por estas imponentes forças da natureza que criamos como metáforas para nossos maiores temores da vida real se mistura com um certo voyeurismo, digamos, científico.
Brincadeiras à parte, fato é que, de certa maneira, o tema de Kaichu: The Kaiju Dating Sim não é tão original assim, mas a abordagem é. Sempre que imaginamos criaturas enormes como estrelas de um game, a primeira coisa que vem em mente, quando puxamos da memória clássicos como Rampage ou produções mais recentes, como GigaBash (o qual analisamos aqui no site há algumas semanas), é o foco na destruição massiva, no caos generalizado e na pancadaria de grande escala. Esses elementos não deixam de estar em Kaichu, mas o objetivo do jogo, como bem adianta o subtítulo, está no conceito de simulação de encontros românticos. Nosso protagonista, o simpático (e radioativo) Gigachu, está, afinal, à procura do amor e, bem, naturalmente com poucas opções à disposição, vai precisar se dedicar bastante para não ficar sozinho no mundo.
Se a ideia original do game é, no mínimo, bastante curiosa, sua execução é das mais simples possíveis. Toda a mecânica dos encontros se dá basicamente por um quiz de perguntas narradas pelos jornalistas que cobrem a matéria com dois tipos de respostas: as de verdadeiro e falso (com uma opção neutra para os indecisos) e as com três alternativas possíveis. Por exemplo, é possível que o interesse amoroso do nosso herói queira saber se ele gosta de dançar (que basicamente tem a possibilidade do sim, do não e do indiferente) ou o que ele espera de um relacionamento, com opções como estabilidade, paixão ardente ou comodidade.
As respostas que damos determinam a compatibilidade entre os dois pombinhos e o quanto eles vão se apaixonando a cada novo date. O feedback visual para uma resposta de match perfeito é que ambos atacam um monumento juntos; para o meio termo, eles dão uns tapinhas na construção; e para incompatibilidade, eles só se rejeitam em meio a um climão. Ou seja, quanto mais similaridades entre as nossas escolhas e a expectativa da (ou do) nossa pretendente, mais destruição ambos irão provocar. Na melhor das hipóteses, ponto turístico se torna ruínas e pode até rolar um beijinho no final do encontro; na pior, ninguém destrói nada, e a paixão esfria. No encerramento de cada fase, a média do encontro é quantificada por um medidor. Se ele encher para o lado do romance, avançamos. Do contrário, cada um segue sua vida.
Aliás, dentre os monumentos vulneráveis ao amor, estão algumas da obras mais conhecidas do mundo, como o Opera House de Sidney, o Monte Rushmore nos Estados Unidos, o Big Ben na Inglaterra, a Torre Eiffel na França e até o Teatro Amazonas, o nosso representante brasileiro que, surpreendentemente, foge do óbvio clichê. São duas dúzias de localidades a serem visitadas de forma livre para cada encontro, e nem todos cabem no mesmo relacionamento, já que a trama se desenvolve por três atos, dois dos quais podem ser acompanhados no vídeo que abre esta análise, e o terceiro, um pouquinho diferente dos anteriores, eu deixo para quem quiser experimentar para não entregar a dinâmica final.
A verbalização dos eventos, a construção narrativa e o encadeamento do namoro se dá pela cobertura jornalística da qual falei anteriormente, e ambos os jornalistas transitam sem cerimônias entre âncoras de um telejornal tradicional e comentaristas de programas vespertinos de fofoca. Tais diálogos de contextualização também são muito úteis ao apresentar pequenas dicas sobre as criaturas que estamos cortejando, adiantando preferências ou características que podem nos ajudar na arte da sedução. Deste modo, tais conversas que abrem cada nível merecem atenção não só pelas piadinhas inocentes e bastante adequadas para o tom mais fofo adotado para a produção, mas também para nos ajudar a avançar.
Para além disso, há um pequeno ponto de virada da metade do namoro para frente só para oferecer um tempero diferente no final, mas nada que fuja muito do script tradicional e, dito isso, Kaichu: The Kaiju Dating Sim não tem muito mais a oferecer, a não ser a possibilidade de fazer novas runs paquerando um Kaijus diferente. É uma fórmula bastante simplificada, que flerta com o modelo de uma visual novel das mais básicas, mas sem uma grande história a ser contada ou qualquer nível de profundidade de personagens, e se prova um passatempo bonitinho cujo desafio se resume em tentar adivinhar a opção que quer ser ouvida pela nossa pretendida, seja aproveitando de dicas, seja seguindo uma lógica primária.
Artisticamente, a lógica é a mesma. Com personagens e cenários que poderiam muito bem ilustrar livros infantis de alta qualidade, o jogo não avança em outros aspectos, como a construção de uma cenografia detalhada ou uma ambientação unificada. Seguindo uma estética que flerta com uma mistura entre histórias em quadrinhos e desenhos animados para crianças na internet, o jogo nunca chega a ser visualmente encantador de verdade. No quesito animação, inclusive, ele é um tanto quanto econômico e usa de um recurso artístico típico de animes estilizados, com uma série de imagens estáticas encadeadas e com pouquíssimo (ou nenhum) movimento.
A elaboração sonora segue a mesma linha de pensamento, com alguns poucos sons para as diferentes reações de cada monstro, certos resmungos que substituem a dublagem dos narradores humanos e um ou outro efeito contextual de ambiente, mas nada além disso. Todo o diálogo se dá por caixa de textos (infelizmente sem localização para o nosso idioma, algo a se lamentar pela importância das perguntas, respostas e dicas, o que acaba restringindo o público para esta produção) e como não há nada para além da conversa entre jornalistas e o quiz entre gigantes enamorados, não tem nem como ir muito além disso. Tudo é simples, tudo é mínimo.
Manter-se em um nível artístico mais limpo não seria um problema em si se o jogo oferecesse sistemas mais envolventes ou ao menos variados de flerte e de interação, ou ainda caminhos mais diversificados para ramificações da história, ou ainda finais inesperados para cada novo pretendido. Entretanto, nada disso ocorre, e depois de uma primeira jornada que dura algo em torno de 40 minutos (no máximo), tudo é sempre o mais do mesmo com um bicho diferente, incluindo o padrão de respostas que logo se torna óbvio para os mais atentos. No vídeo acima, minha primeira tentativa, houve momentos de fracasso. No terceiro romance, eu já estava buscando o troféu mais difícil, o de fechar um namoro só com encontros bem sucedidos. Rapidamente, tudo se torna óbvio e, consequentemente, cai na repetição que esfarela o fator replay do game.
Em resumo, Kaichu: The Kaiju Dating Sim é, do seu jeito, bem divertido, e entrega de forma muito gentil e honesta aquilo que se propõe. O grande problema é que essa proposta é o mínimo possível. Visualmente tem belas ilustrações para um nível infantilizado, mas é limitado tanto em detalhes quanto em animações. A evolução de um encontro é tão minimalista como deveria ser qualquer boa história de amor, mas se esgota muito rapidamente e, nos encontros e desencontros, não traz qualquer nuance narrativa ou comportamentos inesperados para surpreender e motivar o jogador. Por sua vez, as mecânicas e interações são tão simplórias como se espera, mas não mais sofisticadas que um Show do Milhão sem sequer a aleatoriedade das ajudas.
O jogo tem seus méritos, e quase todos estão no nível da concepção. Original em termos de abordagem, certamente será difícil encontrar outro jogo que trate de encontros amorosos interespécies entre criaturas gigantes. O texto tem seus pontos altos, com algumas piadocas de duplo sentido (sem qualquer malícia deslocada, porém) e que acaba se apropriando de alguns clichês de comédias românticas de modo criativo, mas confesso que acaba sendo pouco, seja qual for o prisma que adotemos para avaliá-lo. É bonitinho termos que nos esforçar para que nosso Godzilla genérico encontre sua alma gêmea? Claro que é. Pena que ao conseguir fazer isso em menos de uma hora, nem mesmo derrubar a Estátua da Liberdade (de novo) nos anima, um péssimo sinal para um jogo com monstros colossais.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Top Hat Studios.
Veredito
Kaichu: The Kaiju Dating Sim não deixa de ser inventivo na sua proposta, mas acaba se mostrando uma ideia melhor do que a sua execução. Com mecânicas, história e visuais funcionais, porém rasos, o jogo tem muito pouco a oferecer para além da curiosidade sobre o tema e se esgota muito rapidamente, antes mesmo de nos apegarmos aos seus simpáticos monstrinhos apaixonados.
Kaichu: The Kaiju Dating Sim is inventive in its proposal, but it turns out to be a better in paper. With functional but shallow mechanics, story, and visuals, the game has very little to offer other than curiosity about the topic and runs out of steam very quickly, before we even get attached to its friendly little monsters in love.
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