Immortals Fenyx Rising – Review
A mitologia grega, com seus contos épicos, criaturas mágicas e divindades cheias de personalidade sempre foi um terreno fértil e quase infindável de material para histórias para as mais diversas mídias ao longo dos últimos séculos. Da Ilíada à God of War, de Fúria de Titãs ao Hércules da Disney, de Mulher-Maravilha à Cavaleiros do Zodíaco, passando literalmente por outras centenas de produções, as histórias de Zeus, Hades, Perseu, Hefestos e companhia limitada fazem parte do imaginário coletivo de muitos de nós e, por vezes, novas produções acabam caindo no clichê raso e na sensação de que já vimos aquilo (muito melhor representado) antes.
Immortals Fenyx Rising (outrora Gods & Monsters), uma das poucas franquias novas de grande orçamento lançadas pela Ubisoft nos últimos anos – ainda que o universo no qual se baseia não seja uma novidade para a desenvolvedora depois do recente Assassin’s Creed Odissey – é mais uma marca a explorar essa temática no universo dos games. Agora chegou o momento de descobrir se é apenas um “mais do mesmo” genérico ou se tem identidade para se destacar e conquistar seu lugar no Olimpo.
Em resumo, este é um game de ação e aventura de exploração em mundo aberto, com doses muito generosas de sistemas de RPG, onde acompanhamentos Fenyx, que começa a jornada de uma forma bastante modesta e, desavisadamente, se vê em um caminho cheio de desafios épicos e batalhas inimagináveis contra as criaturas mais poderosas do mundo, dentre elas nada menos que heróis e divindades gregas. Para tanto, com a ajuda e o aconselhamento de Hermes e outros personagens marcantes, deverá buscar recursos e poderes improváveis para superar o maior de todos os perigos, que ameaça não só o mundo dos humanos como o próprio Olimpo.
A história é narrada por Prometeu, ainda aprisionado por ter tido a audácia de roubar o fogo para os humanos, e conta com comentários do próprio Zeus, aquele que o aprisionou. O formato é uma das mais gratas surpresas do game, garantindo muita leveza e bom humor na relação azeda entre nossos anfitriões. Ambos se provocam e se desafiam em um tom que transita entre a narrativa épica tão conveniente para esse universo, e a comédia de costumes, outro gênero teatral com origens na própria Grécia antiga, mas cheia de modernidades. Mais do que acompanhar o plot da aventura e saber mais sobre a origem de alguns mitos clássicos, a narração em off é divertida e garante um tempero a mais ao game.
Destaque ainda para o trabalho de localização para o português brasileiro, que traz algumas das vozes mais reconhecíveis do país e que consegue adaptar bem as piadas e o clima de descontração para o nosso contexto. Este é um ótimo exemplo de que não basta a tradução protocolar para fazer um produto, de fato, estar adequado a um idioma. A indústria dos jogos, como um todo, tem compreendido isso nos últimos anos, e aqui há um dos melhores trabalhos do seguimento. O grande potencial de imersão e engajamento de Immortals Fenyx Rising passa, também, por esse aspecto.
Enfim, somos apresentados a tal Fenyx, nome pouco ortodoxo mas que soa estranhamente bem para Zeus, que se tornará “a” ou “o” grande herói da jornada. Logo no começo, podemos customizá-la(o), e eu decidi pela heroína que estrela as telas que ilustram essa análise. Não são tantas opções assim, e o sistema de personalização é muito mais simplificado do que os de outros games de mundo aberto, com o formato de rosto, tipos de cabelo e adornos e tom de pele limitados a alguns padrões coerentes com o período histórico – guardadas as devidas liberdades criativas – retratado na produção. Mas dá pra ter uma personagem muito particularizada, nos oferecendo ainda mais empatia pela construção de sua jornada de heroína.
Essa personalização se estende por toda a campanha do jogo na forma dos equipamentos e das skins para eles. Similar ao que já vimos em Assassin’s Creed, você pode conquistar armaduras diferentes – aqui, só o elmo e o conjunto do corpo são diferentes, e não há partes menores, como punhos e pernas – que além do visual, mudam alguns atributos da protagonista. Além disso, você pode conquistar itens cosméticos, que mudam só a aparência desses equipamentos. Assim, você pode equipar aquilo que deseja, com a forma que achar mais estilosa. Nada de escolher entre características e estilo, portanto. O mesmo lave para espadas leves, machado pesado, asas e arco.
Uma grande vantagem da estrutura do game é que não há nível para cada item, e sim do conjunto. Portanto, se você evolui suas espadas, todas as que já tem e as que pegar depois já incorporam o nível. Nada de jogar coisa fora porque ficou defasado ou porque tem um nível de raridade baixo, portanto. Tudo o que voê tem pode servir do começo ao fim, se a sua particularidade se encaixar melhor no seu estilo de jogo ou naquilo que o seu desafio exige. Você pode alternar, por exemplo, entre uma armadura que dá uma barra a mais de vida por uma que aumenta sua estamina, por exemplo, e assim aproveitar o que de melhor cada uma tem.
Em alguns minutos, já conhecemos um pouco mais de Fenyx, suas origens e motivações, e este é outro trunfo do jogo: ainda que tenha uma campanha tão longa quanto se poderia esperar de uma produção dessa natureza, não há muita enrolação para se revelar algumas das sub-tramas ao jogador. Antes mesmo do título aparecer resplandecente na tela, já sabemos quem é o vilão, o que devemos fazer para alcança-lo e vencê-lo e quais são os aspectos pessoais que motivam e conferem a Fenyx seu inesperado protagonismo. Nosso vídeo de gameplay, que acompanha esta análise, com pouco menos de duas horas de duração, já evidencia tudo o que o jogador precisa saber sobre a trama e que o nos espera.
Claro, há nova revelações a cada missão vencida, e talvez o ritmo da trama seja um pouco arrastado no começo até que tenhamos aprendido as principais mecânicas do game, mas dentro do esperado para o gênero, Immortals Fenyx Rising é bastante focado, e mesmo as missões secundárias são bastante vinculadas à trama principal. Não espere, por exemplo, encontrar dezenas de desconhecidos pelo caminho te pedindo coisas aleatórias como buscar algo ou matar alguém. Ainda teremos que sair por aí para cumprir tarefinhas menores, mas em um volume muito menor quando comparado à outras tantas franquias da mesma Ubisoft.
Isso não significa, porém, que o jogo seja menos denso do que seus primos mais velhos. O mundo de Immortals é enorme e com muita coisa a se explorar, a se evoluir. Além de encontros aleatórios com soldados e criaturas como górgonas, ciclopes e minotauros – nada que fãs de longa data de Kratos já não tenham lidado antes – há baús com itens especiais para evoluções e equipamentos espalhados pelo mundo e, por vezes, muito bem protegidos; há ambrosia, item divino que ajuda a potencializar a vida da nossa personagem; e há plantas e ervas que podem ser sintetizados para poções de cura, de melhoria de força, de defesa, ou de estamina. Há ainda moedas de Caronte conquistadas em alguns puzzles e outras pedras preciosas que ajudam a melhorar equipamentos.
Esses itens todos podem ser utilizados em uma espécie da base principal, o próprio salão dos deuses, e de forma fácil e intuitiva, é o que vai ajudar a melhorar nossa heroína. Também é possível mudar o visual da personagem a qualquer momento e assumir algumas tarefas contextuais, uma espécie de contratos com Hermes. Coisas simples como caçar um número determinado de animais, ou explorar uma quantidade estipulada de dungeons, e por aí vai. Cada uma dessas pequenas atividades complementares e cada um dos itens são encontrados ao longo da jornada e, quase sempre, cumprindo com o objetivo central você consegue garantir esses elementos extras. Portanto, não há tanta necessidade de ficar grindando repetidamente, a não ser que o jogador decida fazer o máximo dessas coisas antes de avançar de verdade na trama.
Portanto, como (quase) não há pré-requisitos para se avançar na trama e no território, o jogador tem a liberdade para decidir o quanto quer ficar explorando ou se quer ir direto ao ponto. E esse “quase” é por um único motivo: algumas passagens, ou alguns puzzles específicos dependem de certas habilidades que são desenvolvidas conforme se cumpre as missões principais. Por exemplo, há trechos só alcançáveis depois que se aprende a planar com as asas, e há algumas incursões em dungeons que dependem de certas graças concedidas por deuses, por assim dizer, sem entregar muitos spoilers do miolo da trama, então há coisas que precisam acontecer antes de outras, mas abrir e explorar o mapa não é uma delas.
Aliás, essas dungeons que tenho citado aqui são passagens especiais no game, onde adentramos as entranhas do sub-mundo em missões que são divididas em três níveis, e no terceiro, normalmente se enfrenta um sub-chefe dos mais complicados. Mas como um todo, são ambientes com uma profusão de puzzles que não só ajudam a entender mais de mecânicas recém aprendidas como as expandem para usos criativos. É lá onde entendemos o potencial de uma flecha guiada ou do controle de objetos, só pra citar duas das coisas que serão muito úteis quando os combates começarem a ficar mais desafiadores. Em outras palavras, essas investidas no sub-mundo são muito proveitosas para que aprendamos a explorar todas as habilidades que adquirimos. Uma forma contextualizada do jogo nos ensinar a jogar.
Essa aprendizagem é necessária para ampliar a gama de possibilidades dentro de um sistema de combate redondinho e bastante reconhecível para quem já tem experiência com games do gênero. O esquema com ataque rápido (e combos simplificados), ataque forte, esquiva e movimentos especiais com uso de estamina está lá e bastam alguns segundos para entender o mapeamento de botões para já sair arrebentando com grupos de inimigos poderosos. Ataques especiais e a distância não demoram para estarem disponíveis e a árvore de habilidades permite adicionar comandos complementares que incrementam e dão mais substância o sistema. Mas não espere algo muito diferente do que tem sido feito pela própria Ubi na franquia Assassin’s Creed, por exemplo. Até a ave fiel e companheira que nos dá um respiro na hora que a coisa aperta está lá.
Aliás, o projeto todo parece realmente ser uma derivação com liberdade de tudo o que os desenvolvedores aprenderam com Odissey. É como se eles tivessem tido algumas ótimas ideias para pirar nos elementos fantásticos do período ali explorado, mas que não havia espaço dado o escopo da produção, mesmo que o tal realismo tão característico já tenha sido alargado nos últimos episódios daquela franquia. O resultado é que Immortals se mostra uma mistura de Odissey com – você já deve ter feito essa relação se viu qualquer material de divulgação da franquia – The Legend of Zelda: Breath of the Wild.
Essa inspiração em um dos games mais condecorados dos últimos tempos transpira por todos os cantos de Fenyx Rising. Como dito, o combate bebe bastante dessa referência, incluindo a mecânica de esquiva precisa com bônus de contra-ataque, a barra se estamina não só para o combate, mas também para corrida, natação e escalada, num mundo aberto com menos sensação de urgência (ainda que mantenha muitos dos vícios da Ubisoft em termos de construção e revelação do mapa, pontos de interesse, etc.) e com um sentimento muito mais onírico do que sisudo.
Outro aspecto muito explícito quando comparado ao conhecido game da Nintendo é o artístico. As texturas de Immortals Fenyx Rising transpiram Zelda, e isso está longe de ser um demérito. O jogo abusa de uma paleta de cores viva e intensa, trabalha bem com um design flat sem perder artifícios de profundidade e foge do fotorrealismo tanto de cenários quanto de personagens. Fenyx e as divindades mostradas no jogo parecem ter saído diretamente de um longa animado da Disney ou da Dreamworks e, olhando com cuidado, certamente a Te Fiti (do filme Moana) e a Afrodite de Immortals poderiam muito bem fazer parte do mesmo universo quando colocadas lado a lado.
As animações em cut-scenes ainda carecem de um certo polimento, e algumas expressões faciais sobretudo da protagonista parecem afetadas e descaracterizadas demais, talvez até pela necessidade de se encaixar nos elementos customizáveis. Por vezes, algumas poses durante os diálogos parecem presets e loopings padrão que pouco tem a ver com o que está sendo dito. Por outro lado, as animações durante a gameplay são bem resolvidas e fluidas, e destaco até as poses de vitória e os diversificados movimentos para se abrir baús. Há um ou outro ajuste bem fino de movimentação nas escaladas, quinas e transições, mas é algo menor que não chega a afetar a percepção, salvo de você ficar pendurado sem querer durante um combate perto de um precipício. No mais, a versão que jogamos antes mesmo da data oficial de lançamento não apresenta bugs significativos e está bastante polido.
O game ainda abusa da profundidade de campo, sobretudo no Playstation 5, e o mundo parece ainda mais vasto quando estamos em um ponto de observação elevado. Como dito anteriormente, as vozes em português estão especialmente adequadas ao tom do jogo, mas as originais também não fazem feio e junto com um desenho de som competente, garantem toda a ambientação épica e lúdica que o jogo merece. Os efeitos e ruídos sonoros, bem como os de iluminação e partículas, pelas minúcias, conseguem a sua maneira dar um toque de grandiosidade ao conjunto da obra.
O mesmo, contudo, não pode ser dito do aproveitamento do Dual Sense. Verdade que Astro’s Playroom elevou o patamar comparativo a um lugar que poucos jogos conseguiriam chegar perto, mas fica a sensação de que os gatilhos tremerem em alguns momentos é muito menos do que poderia ser. Atirar com flechas em um jogo e outro é algo completamente diferente, e era um aspecto que eu estava particularmente muito interessado em saber como seria aproveitado por uma desenvolvedora não first party da Sony. Certamente, já com o parâmetro mais conhecido, novas produções poderão fazer melhor, mas por enquanto, fica a sensação de que poderia ser mais, poderia ser melhor.
Dito isso, a experiência do game é muito positiva. Enquanto eu estava buscando uma maça gigante, encontrei um ciclope desavisado protegendo um buraco para o submundo. Ao derrotá-lo, fui surpreendido por alguns ursos furiosos e harpias pouco amigáveis, coletei algumas romãs para me fortalecer e encarei a briga com uma marreta gigante. Quando pulei no buraco de lava, pude queimar umas sementes gigantes com minha flecha especial e coletar um fragmento do raio de Zeus. Depois, consegui voltar, mudar o penteado, trocar ideia com uma árvore falante e então invadir um templo, coletar uma espuma suspeita no mar e derrotar uma górgona desavisada em stealth. Ah, e peguei a tal maça no final, causando a ira de algumas deusas e a alegria de outra…
A experiência de Immortals Fenyx Rising se define pela pura diversão pueril, não necessariamente infantil e inocente, e por uma aventura fascinante típica de Sessão da Tarde, sem o peso e a gravidade de narrativas tão comprometidas com a densidade dramática e uma sensação de urgência. Sim, ainda estamos lutando contra criaturas poderosas, divindades infernais e o fim do mundo, mas nem por isso, a coisa toda precisa ser carrancuda e mal humorada. Se é verdade que o projeto parece uma derivação de tudo o que os desenvolvedores aprenderam com as grandes franquias da Ubisoft, bem com o que gostaram de ver em Breath of the Wild, também há aquilo que o diferencia do resto. Curiosamente, ao explorar a temática mais manjada da cultura pop, o game traz para a indústria uma sensação de frescor, de que há sim outras formas de se aproveitar o estilo da empresa de se fazer mundos abertos. Que bom.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Ubisoft.
Veredito
Immortals Fenyx Rising pode não ser o jogo mais original do universo, mas consegue se apropriar de muitas das melhores características de games que lhe serviram de inspiração para criar algo novo, divertido e cativante. Ao oferecer um ótimo equilíbrio entre combate, puzzles e exploração, bem como um estilo artístico bem resolvido, se mostra uma das melhores surpresas do ano.
Immortals Fenyx Rising may not be the most original game in the universe, but it manages to appropriate many of the best game features that have inspired it to create something new, fun and captivating. By offering a great balance between combat, puzzles and exploration, as well as a well-resolved artistic style, it proves to be one of the best surprises of the year.
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