Em 2019, no final da vida do PlayStation Vita, uma nova visual novel de uma desenvolvedora então desconhecida conseguiu uma nota perfeita da IGN Japan: 10/10. Apesar de ser um jogo nicho, de uma plataforma nicho, recebendo nota perfeita de uma publicação local, GNOSIA entrou no radar de vários entusiastas da plataforma ou do gênero – sendo entusiasta dos dois, o jogo chamou bastante minha atenção, mas por ser nicho de um nicho, achei que nunca receberia uma localização para o Ocidente.
Em 2021, o jogo recebeu um port para o Nintendo Switch e com este port, uma localização em inglês. Foi a primeira oportunidade que tive com o jogo, o devorando em poucos dias, descobrindo muitos truques apenas com traduções de wiki japonesas e ao mesmo tempo que outros jogadores estavam jogando pela primeira vez. Mesmo com um port para PC algum tempo depois, achei que essa seria minha última experiência, até que a Playism decidiu lançar GNOSIA para outras plataformas, incluindo PlayStation 4 e PlayStation 5.
No final de 2023 então, a visual novel GNOSIA, desenvolvida pela Petit Depotto e publicada pela Playism, chega ao PlayStation 4 e PlayStation 5, com todas as mordomias das plataformas, como suporte a troféus (incluindo Platina), alta resolução e lançamento físico no Japão com suporte a várias línguas, incluindo inglês.
GNOSIA começa com o protagonista acordando numa espaçonave numa galáxia distante, com uma ameaça mortal a bordo – GNOSIA. Setsu, a deuteragonista, logo introduz o ocorrido ao jogador: dos cinco tripulantes a bordo, um deles representa uma ameaça mortal não apenas a todos, como também à toda humanidade. Eles devem escolher corretamente e colocar em congelamento o GNOSIA, antes que este elimine todos a bordo e desembarque em outros planetas, contaminando ainda mais pessoas.
É com este jogo de acusações e argumentos que GNOSIA se desenrola, em discussões entre os tripulantes para descobrir quem está agindo de forma suspeita, quem está se escondendo atrás de acusações alheias, ou mesmo quem está tentando atrapalhar a trupe a identificar o real GNOSIA dentre todos. Habilidades são usadas, tanto pelo protagonista como pelos demais personagens, a fim de confundir, acusar ou defender, mudando o rumo das suspeitas e da conversa.
A premissa pode parecer conhecida para alguns, mas é o famoso “werewolf game”, ou “jogo do lobisomem”: um jogo de dedução social, também conhecido como “máfia”, em que uma minoria infectada ou culpada (e sem estarem identificadas como tal) tem de sobreviver eliminando a maioria inocente, semeando discórdia e tirando um por um do jogo. Existem dois períodos: o “dia”, em que as discussões ocorrem e todos escolhem um para o sacrifício, e a “noite”, em que a minoria culpada elimina um dos inocentes.
Outro jogo que explorou tal premissa recentemente foi Raging Loop, em que inocentes e lobisomens deviam se identificar, para que os inocentes sobrevivessem ou os lobisomens conseguissem devorar todos da vila. Em GNOSIA, o jogo ocorre dentro de uma espaçonave restrita e todos devem argumentar pelas suas vidas, já que a nave não permitirá que ninguém escape até que a ameaça seja eliminada.
Outros papeis são introduzidos com o passar da história, a fim de aumentar a complexidade das discussões: o “engenheiro”, que pode selecionar um dos tripulantes durante o período da noite e descobrir se é humano ou GNOSIA; o “doutor”, que é informado se o tripulante sacrificado no período do dia era humano ou não; até mesmo ao “bug”, que ganha sobrevivendo até o final e tem seu próprio lado – ele não é nem humano, nem GNOSIA.
O jogo acontece em “loops”, que resetam quando se chega ao fim, seja com a vitória dos humanos ou dos GNOSIA. Ao final, o jogador volta a uma tela de seleção, em que pode ajustar parâmetros, como a quantidade de tripulantes, de GNOSIA, assim como a presença ou não de papeis específicos, como os mencionados acima, dentre outros mais.
Apesar dos loops resetarem tudo, fazendo com que qualquer outro personagem possa voltar como GNOSIA no novo ciclo, a história do jogo vai se desenrolando pouco a pouco. O jogador descobre que o loop acontece por conta de uma chave com quem se fundiu, permitindo que sempre possa voltar no tempo, e que se alimenta de informação – informação essa sobre todos os demais tripulantes abordo da nave.
Então através dos loops, com personagens voltando a história em papeis variados, que conhecemos mais sobre cada um e também sobre o que está ocorrendo, seja com o protagonista, com a presença de GNOSIA na nave e até mesmo com o universo. Ciclo atrás de ciclo, certos requisitos são cumpridos, novas informações sobre os tripulantes surgem, preenchendo o quebra-cabeça e assim, deixando o jogador cada vez mais perto do final da história.
Os personagens que dão vida às intrigas e narrativa são extremamente interessantes, ainda que alguns sirvam estereótipos bastante específicos a fim de confundir o jogador ou cumprir um papel na história. Entre alguns, temos a SQ, uma garota mentirosa e egoísta, que pode ser facilmente confundida com uma GNOSIA; Remnan, um misterioso rapaz que se mantém em silêncio boa parte das discussões; Comet, uma garota perspicaz que consegue identificar uma mentira quando dita, e assim vai.
Não apenas as personalidades dentre os 15 personagens são extremamente diferentes, como seus designs também são. Com GNOSIA se passando no espaço sideral milhares de anos no futuro, temos golfinhos cientes, pessoas que querem se tornar animais, outros que transplantaram sua pele a fim de realmente parecer um ET, um caubói perdido no tempo, enfim, cada um com a sua arte.
O design dos personagens, além de variados, são muito bem desenhados, graças a artista Kotori. Os traços são muito originais e distintos de qualquer outro em jogos atualmente, o que ajuda a tornar GNOSIA um jogo a parte, dando a si mais originalidade.
A trilha sonora do jogo também é bastante envolvente e diversificada, contando com mais de vinte faixas para cada ocasião, seja uma de descontração entre os personagens, de vitória dos tripulantes frente aos GNOSIA, ou mesmo de mistério, quando a história começa a se revelar. Uma coisa que não fez falta foi a ausência de dublagem, já que após alguns loops, a jogabilidade nos loops ocorrem muito mais rapidamente.
Falar mais da história de GNOSIA, que é contada aos poucos durante cada loop, seria um desserviço, principalmente levando em consideração que muito pouco é revelado ao jogador no início, e o mistério só é inteiramente revelado e solucionado no último loop do final verdadeiro, seja ele alcançado pelo jogador depois de 100 loops, ou mesmo depois de 150+ ciclos, mas não passando das vinte horas de jogo.
O final, respondendo praticamente todas as dúvidas do jogador e mistérios do universo, tem a tendência de deixar o jogador bastante intrigado e satisfeito ao mesmo tempo. São poucos os jogos que acertam em cheio em absolutamente tudo que se propõem: história inédita, elenco cativante, jogabilidade original, arte distinta, enfim, trazendo uma qualidade e engenhosidade que o diferencia de todos os demais. GNOSIA, vindo de uma desenvolvedora minúscula e desconhecida, mesmo sem grandes valores de produção, é impecável e intocável.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Playism.
Veredito
Com uma história inédita, jogabilidade pouco ortodoxa e originalidade de sobra, GNOSIA é uma obra-prima do gênero que merece todo o reconhecimento.
With an unprecedented story, unorthodox gameplay and originality to spare, GNOSIA is a masterpiece of the genre that deserves all recognition.
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