De repente, você acorda em um lugar totalmente estranho, sem fazer a mínima ideia de como ou porquê foi parar lá, e de repente se vê envolto em uma trama cheia de mistérios, cristais elementais, inimigos e aliados dos mais fantásticos e, claro, muita magia. Uma introdução que poderia descrever uma infinidade de games, dos mais recentes aos de algumas décadas atrás. O que faz de Giraffe and Annika, game de exploração e aventura que chega aos consoles de mesa dois anos após seu lançamento para PCs, uma experiência especial, certamente, não é seu plot narrativo ou mesmo seu estilo artístico, mas sim um conjunto muito delicado, leve e quase pueril da obra.
No jogo, controlamos Annika, que como dito acaba indo parar em um lugar desconhecido para ela, a Ilha de Spica, e não demora muito para que nossa heroína encontre Giraffe, um rapaz bem gentil que lhe dá a grande tarefa, que somente ela pode cumprir, de recuperar os cristais elementais perdidos em masmorras escondidas pelo local. Mais alguns passos para que encontremos habitantes um tanto quanto peculiares naquele lugar, com quem vamos desenvolvendo amizades ao realizar missões paralelas, ou mesmo algumas como parte da jornada principal. Tudo de uma forma bastante inocente, quase que em tom de contos de fada, sentimento reforçado pelo belíssimo estilo artístico do game.
Não, Giraffe e Annika não é dos games mais pomposos da geração, longe disso. Ele nem tem qualquer pretensão de parecer maior do que é. Temos aqui um ambiente lúdico, que lembra muitas produções artísticas japonesas em anime, como os dos Estúdios Ghibli (ainda que não seja tão rico visualmente quanto) com traços bastante marcados nos personagens, que se juntam a um ambiente bucólico, de muita paz e tranquilidade. Esbanjando cores vibrantes, o jogo traz belas paisagens do campo e se aproveita bem do ciclo de dia e noite que acompanham o jogador por toda a campanha. Além de resultar em algumas paisagens de por-do-sol inspiradores e belas noites ao luar, o sistema ainda tem algumas, ainda que não muitas, influências na experiência, já que certas atividades ou NPCs só estão disponíveis em algum período do dia.
A trilha musical não foge da regra e entrega uma ambientação singela, ainda que não particularmente marcante, pelo menos não nos momentos de exploração livre do cenário principal. Ela ganha seus ares de protagonismo em certos encontros, os momentos de batalhas contra chefes, se assim podemos chamar, onde o embate se torna muito mais um game rítmico do que qualquer outra coisa, e as músicas são realmente boas dentro do contexto da temática do jogo. Exceto por momentos bem pontuais, não enfrentamos os inimigos comuns de frente, e fantasmas e outras criaturas devem ser evitados. Já os chefes precisam de uma lição, e nada como conseguir vencê-los no desafio que lembra, de forma muito embrionária e bem menos sofisticada, os clássicos Guitar Hero e semelhantes.
Claro, compreender o ritmo da batida das músicas temáticas de cada dungeon (ou masmorra) não é obrigatório e o suporte visual deve ser suficiente para compreender como vencer e avançar no enredo, mas como em qualquer jogo do gênero, sentir essa batida torna tudo mais proveitoso e natural. Jogar prestando atenção no som é divertido e acaba se mostrando a melhor forma de superar os desafios, principalmente na dificuldade mais elevada. Não que ela seja realmente uma forma punitiva e agressiva, já que a proposta do jogo é exatamente o oposto disso, mas porque não há muita tolerância com os erros e a barra de vida se vai muito rapidamente com alguns erros em sequência.
Uma grande vantagem, nesse aspecto, é que o jogador pode escolher a dificuldade em cada embate. Ou seja, não há um nível para o jogo todo, uma escolha que abrange a aventura inteira, já que fora das masmorras, não há inimigos ou perigos mais sérios. Assim que você chega ao ponto de confrontação, deverá escolher se quer jogar no modo fácil (que realmente oferece risco quase nulo de derrota), o modo normal (que não apresenta muito desafio quando se entende as mecânicas básicas) e o já citado modo difícil (que só aumenta um pouco a quantidade de movimentos e a precisão). Se perder, pode-se fazer a escolha de novo. Desse modo, o jogador só fica preso em um embate do tipo pelo tempo que quiser.
Quando fora dessas masmorras, exploramos a Ilha de Spica para conhecer mais sobre o local. Basicamente aqui atuamos como em um adventure mais clássico, caminhando, procurando, interagindo com itens, coletando comida, conversando com os habitantes locais. Outras funções, como nadar por mais tempo sem se afogar ou tirar fotos, eventualmente são incorporados ao gameplay, mas nada que modifique a essência de um jogo muito mais de descoberta do que de ação. Há lugares fechados, portas trancadas que precisam de chaves ou habilidades especiais que virão com o cumprimento de algumas tarefas que nos dão o acesso que antes não tínhamos. Abrindo novas áreas, vamos sabendo um pouco mais sobre esse lugar encantador.
Os controles, por sua vez, não apresentam qualquer função mais complexa e não há muito o que fazer de diferente. Ainda assim, há certas inconstâncias na precisão, sobretudo nos raros momentos que exigem um pouco mais de saltos e atividades de plataforma. Também há alguns probleminhas de colisão mais pontuais, e é possível ficar enroscado em folhagens leves. Em um ou outro ponto, há ainda paredes invisíveis mais bobas. Nada que seja lá muito significativo, mas que poderia ser evitado com um acerto ou outro na composição dos cenários.
As cenas de corte, por sua vez, são muito bem compostas por construções que lembram mangás juvenis e que seguem o mesmo estilo artístico do mundo em três dimensões. Com diálogos fofos e bem didáticos, fica fácil se envolver com os personagens, se importar com eles. Nem sempre, contudo, a missão ou a tarefa fican explícitas, e muitas vezes é preciso um pouco mais de cautela para achar o que a gente nem sabia que estava procurando. Em certos momentos, é importante conversar com alguém que não se sabe bem para onde foi, e continuar andando pela ilha é uma atividade necessária. Ou seja, seguir adiante não é uma tarefa especialmente difícil, mas pode ser trabalhosa.
Ajuda também o fato de não haver um mapa guiando o jogador ou indicando pontos de interesse. Talvez fosse um exagero, já que a ilha ou os ambientes ao entorno dela não são tão grandes assim. Mas para os mais objetivos, não ter um indicador de onde ir pode trazer alguma frustração. Piora quando um personagem só aparece em certo momento do ciclo de dia-e-noite já comentado e, sem saber disso, ficamos completamente perdidos. A atenção aos diálogos, nesse aspecto, é fundamental. Felizmente, há certos locais para descanso para acelerar o tempo. Outros pontos de interação são um tanto quanto curiosos, como as “casinhas” fora de casa, muito comuns em ambientes rurais.
Giraffe e Annika não é uma aventura particularmente longa – o troféu para terminar o jogo em menos de 4 horas e meia é perfeitamente compreensível quando se termina pela primeira vez sabendo para onde ir. Na primeira vez, demorei algo em torno de 6 a 7 horas muito mais por ficar zanzando do que pela densidade das atividades. As tarefas secundárias, algumas bem simples como procurar estrelas-do-mar ou os filhos de uma coelha, por exemplo, bem como a coleta de colecionáveis pelas masmorras, prolongam um pouco a aventura, mas mesmo assim o jogo não chega a ser tão grande a ponto de se tornar enjoativo.
O maior problema dessa exploração está mesmo no design simplório dos mapas e genérico em termos de construção estética. As vezes, em mapas mais amplos, parece que todos os cantos são iguais ou pelo menos não são tão diferentes a ponto de ter uma identidade. Faltou um pouco mais de vida nas construções, interna ou externamente, a exceção da casa central do jogo. Em alguns ambientes há a clara sensação de que alguns objetos são extremamente descolados do contexto, colocados lá quase a esmo (como um tambor no lance intermediário de uma escadaria na beira da praia).
Em conjunto, o game oferece uma experiência tranquila, com algumas mecânicas interessantes e uma exploração muito mais para a aventura infantil do que da construção de um mundo aberto denso e coeso. A vizinhança não faz lá tanto sentido, nem a localização de certos portões ou edificações, mas a ideia sempre foi criar uma experiência despretensiosa e, nesse sentido, bem diferente da grande massa ofertada no mercado nos dias atuais. Recomendo fortemente como um game para crianças menores, de preferência acompanhadas para não se frustrarem se ficarem um pouco perdidas, mas que consegue resolver todos os conflitos sem qualquer ponto de violência ou agressividade.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela NIS America.
Veredito
Giraffe and Annika é um jogo leve, um conto de fadas com uma estética de mangá limpa e cheia de sutilezas. Com ambientes simplificados demais e mecânicas bem simples para um adventure de exploração, traz no embate contra chefes com um sistema rítmico seu ponto mais original, ainda que se aproprie de muitas coisas que já vimos antes. Com tudo isso, é uma experiência agradável e relaxante para todas as idades.
Giraffe and Annika is a light game, a fairy tale with a clean manga aesthetic and full of subtleties. With too simplified environments and very simple mechanics for an exploration adventure, it brings its most original point a rhythmic system in the battle against bosses, although it appropriates many things that we have seen before. With all this, it is a pleasant and relaxing experience for all ages.
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