Há alguns anos, mais especificamente em 2019, chegava ao mercado dos PCs o game de estreia do desconhecido estúdio IceSitruuna, intitulado Tower Hunter: Erza’s Trial, e mesmo sem fazer tanto barulho na mídia, o jogo acabou chamando a atenção do público pela sua ação rápida, pelo estilo artístico refinado e por mecânicas metroidvania sólidas. Sem surpresas, uma continuação logo entrou em produção, entrando em early access também nos computadores em 2022 e que agora, dois anos depois e cheio de refinamentos desde sua primeira versão, chega também ao Playstation 5, estreando a franquia nos consoles de mesa. Eis que temos em mãos Frontier Hunter: Erza’s Wheel of Fortune.
Ainda que se configure claramente como uma continuação direta do primeiro jogo, esta nova aventura sabe bem que muito provavelmente será a porta de entrada para grande parte de seu publico potencial e, por isso, não se furta em reapresentar o universo onde está situado, assim como suas protagonistas. Todo o primeiro arco narrativo, ainda dentro da nave de exploração Tempest, é focado na personagem que dá nome ao game e principal heroína da jornada Erza, líder de uma expedição bancada pelo Império para expansão de seu alcance para continentes desconhecidos. As coisas, obviamente, não saem como o esperado e é aí que a aventura começa de verdade.
A atenção dada ao aspecto narrativo da trama, porém, não é exatamente em um roteiro que leva a história adiante ou no estabelecimento de uma grande ameaça a ser combatida, mas sim no modelo leve e descontraído de relacionamento entre personagens, com direito a flertes, fofocas e um certo clima de romance cômico. Não demora para que sejamos apresentados à Ciara, especialista em armas de fogo, e Nia, com um combate corpo-a-corpo mais pesado, as duas outras figuras que, mais tarde, estarão à disposição para as controlarmos em um sistema pouco burocrático de alternância, cada qual com suas especificidades tanto no que se refere a personalidade quanto no modelo de gameplay. Além disso, ainda conheceremos outros NPCs que serão importantes muito mais pelo contexto do que pelo andamento em si, como o grampo de cabelo de Erza, apropriadamente chamado de Diabo.
Ao lado de seus companheiros, assim, a já veterana caçadora deverá, depois de encerrar sua live e se livrar de um ataque inesperado, fazer uma pausa em suas atividades extra curriculares, e encarar o desconhecido enquanto sua equipe cuida da logística da exploração. Ambientado em um intrincado sistema de mapas interligados, Frontier Hunter: Erza’s Wheel of Fortune se estabelece como um típico metroidvania, com o cenário dividido em quadrantes cuidadosamente articulados por passagens e caminhos diversificados, alguns pontos de salvamento manual e um ou outro espaço de viagem rápida. A conexão dos diversos biomas usa de um design bastante tradicional, nos colocando em áreas a serem abertas até o encontro com chefões desafiadores. Entretanto, via de regra, o acesso a lugares fechados inicialmente não funciona só com a aquisição de novas habilidades, mas sim da forma mais convencional, com descoberta de chaves e acionamento de mecanismos e interruptores.
Pode ser uma diferença sutil, mas as consequências são imediatas, tornando o jogo uma aventura bastante linear, com pouquíssimo espaço para exploração extra ou desvios significativos do traçado principal. As áreas complementares, por assim dizer, guardam alguns itens interessantes, principalmente livros onde se pode aprender movimentos de ataque e golpes especiais que melhoram e amplificam a diversidade do combate, até porque inicialmente o sistema de combos é bastante simples e pouco provocativo. Portanto, o princípio de condução é um tanto quanto rígido, e talvez por isso mesmo mais confortável, evitando levar o jogador para onde ele ainda não está preparado para estar, mas ao mesmo tempo, permitindo menos liberdade quando comparado aos jogos mais recentes desse mesmo estilo.
Aliás, o modelo de batalha é aquele que mais se incrementa ao longo do tempo não só pela variedade oferecida pelas diferentes guerreiras, mas principalmente porque a customização de equipamentos é um dos mais completos que já vi em jogos do gênero. Cada personagem tem acesso a duas armas principais, cada qual equipada nos botões de rosto quadrado e triângulo, e é possível tanto coletar equipamentos novos quanto construir seus próprios com a ajuda do ferreiro da tripulação. Com estatísticas bastante complexas, é fundamental ao jogador compor o conjunto compreendendo o próprio jeito de jogar e o quanto ele se adapta às armas disponíveis. Há traquitanas adicionais a serem acopladas à cada arma em um modelo de slots e que incrementa suas características, então não faltará motivos para que se dedique um bom tempo na composição do pacote total.
Do outro lado, a variedade de inimigos é relativamente ampla, com padrões de ataque e características próprias que desafiarão várias possibilidades agressivas de abordagem, bem como nos movimentos de defesa. Além da providencial esquiva para frente ou para trás, nossa personagem ainda pode saltar, se pendurando em beiradas, escorregar e executar outros movimentos importantes. Há ainda a necessidade de se equipar habilidades especiais, quase sempre elementais, que são úteis no controle de multidões, para se atordoar inimigos mais complicados e, por vezes, abrir passagens bloqueadas, esta última aliás, uma função pouco explícita e que demanda uma certa experimentação.
A movimentação em combate, porém, tem seus altos e baixos, já que a pancadaria em solo é bastante fluido em um belo estilo hack ‘n’ slash de rolagem lateral 2.5D que funciona em um misto de velocidade e planejamento, principalmente depois do domínio das habilidades mais potentes, incluindo o especial de cada arma e a sua utilidade. Já no ar, há um certo engasgo no movimento, e o timing é um pouco mais preciosista, tal como a área de alcance. Em outras palavras, conseguir acertar ataques aéreos é algo bem mais complicado que estar com os pés cravados no chão. Com uma movimentação recheada de trechos verticais tanto na escalada como no combate, é fundamental que se aprenda bem o comportamento de cada equipamento, bem como a distância correta para contato. Isso significa uma certa adaptabilidade a um sistema estranhamente arredio especificamente durante o saltos e quedas.
Pelo lado estético, há também alguns detalhes menos brilhantes, como a direção das cenas de corte e o velho problema da expressividade em jogos tridimensionais com inspirações em animes, com direito a modelagem cheia de pequenos problemas de colisão. Nada que seja realmente significativo para o todo, no entanto, porque no geral, durante os momentos que interessam, que são os de gameplay, há muitos méritos em personagens bem animadas, considerando inclusive que há skins a serem equipadas, e uma modelagem bem competente. O design das criaturas espalhadas pelo mundo também é bastante competente e cheio de detalhes, mas o que brilha mesmo é a intensidade dos cenários, sempre brilhantes e vivos, se apropriando da saturação e, de forma bastante comedida, de um certo exagero cartunesco que amplifica a sensação de movimento.
Importante destacar que os visuais do jogo transbordam carisma sem parecerem cansar demais, mesmo que alguns ambientes comecem a se tornar repetitivos principalmente quando precisamos voltar por eles, algo que piora com o respawn imediato de inimigos sempre que passamos de um quadrante para outro. Ainda assim, tudo parece organicamente bem amarrado, exceto pelas telas de carregamento entre as diferentes regiões, tornando a travessia algo agradável e animado, o que é bom principalmente porque os pontos de viagem rápida são escassos e por vezes mal distribuídos. O mesmo vale para uma trilha sonora muito bem orquestrada com tons de aventura épica cheia de leveza permeando toda a jornada, mixando muito bem com efeitos especiais, ruídos e diálogos, que seguem uma tradição bastante afetada, algo típico de animes que misturam ação e comédia.
Este frescor artístico parece um pouco de lado, entretanto, nas interfaces se suporte, sobretudo no menu principal, quando é necessário organizar equipamentos e outros itens de suporte. Aqui tudo parece um pouco mais frio e poluído, com uma iconografia bem tímida e mais estatísticas do que estamos dispostos a compreender em detalhes. A comparação entre armas é visualmente humilde, a coleta de dezenas de ingredientes para manufatura parece exagerada e todos os artefatos precisam de mais atenção do que deixam transparecer durante a ação. A própria construção de armas e, principalmente, a culinária, parecem deslocados, mesmo situados em momentos de respiro como pontos de salvamento e retorno à base de operações, e no contexto geral, sobram.
Ainda assim, confesso que ficar remexendo nos mínimos detalhes é um vício que sei que nem todos os que adentram games do gênero tem, e que parece muito mais uma herança de RPGs e jogos mais robustos no que se refere a customização. Ficar comparando se uma espada tem um ou dois pontos de ataque maiores que um florete, ou que a bazuca tem mais poder de devastação mesmo a metralhadora tendo uma cadência mais imediata é algo que pode consumir muito mais tempo do que estamos dispostos a assumir o que, em resumo, pode ser mais atrativo para um perfil de jogador mais minucioso, e ao mesmo tempo parecer um entrave para quem só quer descer a porrada em monstrinho.
Como um todo, Frontier Hunter: Erza’s Wheel of Fortune consegue superar alguns enroscos e se provar uma grata surpresa dentro de um gênero já bastante surrado nos últimos tempos tanto pela produção independente quanto por iniciativas mais robustas das grandes publishers. É um jogo rápido, com triplo protagonismo que valoriza a alternância entre suas heroínas mesmo que tenha um notável desequilíbrio de potência entre elas, e que consegue organizar muito bem seus níveis em uma estrutura um tanto quanto convencional para metroidvanias, mas que continua funcionando a contento. Com uma duração respeitável acima da dezena de horas, é uma recomendação fácil para quem espera exatamente aquilo que o jogo oferece, sem surpresas deslumbrantes ou problemas decepcionantes, o que já é um grande mérito por si.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Chongqing Binghaixin Technology.
Veredito
Alguns pequenos deslizes de level design, instabilidade entre movimentos aéreos e terrestres, e a interface dura de Frontier Hunter: Erza’s Wheel of Fortune não eclipsam este belíssimo metroidvania sidescroller 2,5D. O título se preocupa pouco com uma história quase esquecível, mas seu gameplay mostra uma soma entre velocidade e habilidade extremamente satisfatória e divertida.
A few minor slips in level design, instability between aerial and ground movements, and the stiff interface of Frontier Hunter: Erza’s Wheel of Fortune do not overshadow this beautiful 2.5D metroidvania sidescroller. The title has an almost forgettable story,but its gameplay shows a combination of speed and skill that is extremely satisfying and fun.
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