Ainda que, no Brasil, já não tenha a mesma popularidade de outrora, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, fruto de vitórias e conquistas de ídolos como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Rubens Barichello, Felipe Massa e, obviamente, Airton Senna, a Fórmula 1 ainda é, sem sombra de dúvidas, o esporte a motor mais conhecido e mais respeitado por aqui e mesmo sem um piloto brasileiro no circuito há alguns anos, a categoria segue muito bem quista na TV aberta e nas principais plataformas de notícias esportivas do país. E se a referência tem uma legião de fiéis apaixonados, a versão digital para videogames segue na mesma esteira, e F1 22 chega aos videogames cercado de expectativas.
Esta é a décima quarta entrada da categoria, nos moldes atuais, mas os veteranos desse universo vão se lembrar de clássicos na era 8/16 bits, dentre eles o eterno Super Monaco GP. Portanto, a F1 não é exatamente uma novidade no mundo dos jogos eletrônicos. Mas se por um lado, espera-se de jogos anuais esportivos uma mera atualização das versões anteriores, há uma série de elementos que aumentam o hype para esta edição em específico. A primeira delas é que pela primeira vez, os desenvolvedores estão focados na nova geração, sendo a versão de antiga geração uma derivação, ao contrário do que foi feito no ano passado. Naturalmente, portanto, é de se esperar o verdadeiro salto técnico entre esta e as edições anteriores.
O segundo grande fator diferencial é que, agora que já está bem incorporada à hierarquia EA, a Codemasters tem a chance de apresentar um jogo totalmente desenvolvido por eles desde os estágios iniciais sob a nova tutela e com todo o aparato técnico e financeiro da gigante gringa, se aproveitando da experiência adquirida na edição 2021, que acabou sendo desenvolvida no meio dessa transição, e no mais recente GRID Legends, última entrada de uma das séries com as quais a dev se destacou no universo dos games de corrida. Teríamos por exemplo uma adaptação do modelo de monetização do FUT, principal fonte de receitas permanentes do FIFA, para o mundo da Fórmula 1? Desde já, afirmo que não e quem não gosta do formato não tem com o que se preocupar.
Felizmente, as melhores previsões se mostraram muito bem respondidas em F1 22. Logo de cara, a apresentação do jogo se apodera de todo o espetáculo televisivo e comercial que se construiu em torno de pilotos, equipes e de uma certa aura que tem se tornado cada vez mais espetaculosa desde que um conglomerado norte-americano assumiu os negócios da categoria. A licença oficial faz muito bem ao mecanismo anímico do jogo para os fãs, o que significa que a apresentação do game segue o alto padrão já conhecido das versões mais recentes. Aliás, toda a interface do jogo está bem refinada, muito organizada e mesmo com uma série de opções e ajustes, é limpa e clara mesmo para os novatos na franquia.
Dentre os modos disponíveis, nada parece muito revolucionário para o que se espera de jogos do gênero. Além de um modo carreira bastante parrudo que permite a administração da equipe ou só a participação como piloto, ambos incluindo a vivência em todos os seguimentos de cada final de semana de grande prêmio, há a opção de se realizar corridas amistosas isoladas por todas as pistas disponíveis na temporada (incluindo a novata Miami) e se utilizando de qualquer piloto real do grid atual. Ajustes pontuais, como o nível de dificuldade, as possíveis assistências e até o reequilíbrio de equipes permitem que o game se adapte à experiência e à expectativa de cada jogador, do mais casual ao especialista.
Mais especificamente, a Minha Equipe, opção mais completa dentre os modos solo, é provavelmente a principal forma de se aproveitar todo o potencial do jogo seja na gestão de um time de F1 enquanto dono da coisa toda, seja assumindo o volante e disputando o campeonato de pilotos e de construtores ao lado do seu companheiro. Escolher cores e identidade é só o começo, e o controle sobre contratos de patrocínio, áreas de investimento e prioridades de melhoria constante são tão interessantes quanto assumir o monoposto no final de semana de corrida. E ainda temos a chance de contratar algumas lendas para correr ao nosso lado, como Alain Prost, Michael Schumacher, Jacques Villeneuve e o próprio Airton Senna, minha escolha óbvia e pessoal para montar uma equipe PSX Brasil totalmente tupiniquim.
O espaço F1 Life, porém, ainda parece muito tímido naquilo que se propõe, sobretudo quando tenta ampliar o aspecto social da comunidade do jogo. Lá, é possível personalizar as vestimentas do seu avatar (que não necessariamente precisa se parecer com o personagem que se cria nos outros modos), adquirir modelos de veículos lendários para expor no saguão e customizar o espaço de forma bastante singular, incluindo a exibição de troféus conquistados ao longo da carreira, mas tudo isso não parece ser o suficiente para conquistar muita atenção do jogador e dos visitantes ao longo do tempo. Talvez a opção mais interessante deste espaço seja a possibilidade de assistir os highlights de corridas anteriores por um outro ponto de vista, muito similar ao modelo de transmissão televisiva. Aqui a produção brilha ao trabalhar com ângulos e tomadas tradicionais que valorizam qualquer manobra mais arrojada, e a seleção automática das passagens mais importantes funciona muito bem.
O fator multiplayer, claro, também é parte essencial do jogo e aqui contamos com o boa, velha e necessária tela dividida para quem quer aproveitar aquela jogatina de sofá com amigos inclusive ao longo de toda uma carreira toda própria para o formato, algo raro em jogos do gênero. Jogar on-line não foi algo fácil nesse período pré-lançamento, mas F1 22 oferece a possibilidade de corridas só por diversão e, como não poderia deixar de ser, partidas ranqueadas para se levar à sério. Eventos semanais completam o pacote e prometem manter um acompanhamento mais próximo de tudo o que acontece no mundo real, além de fomentar a jogatina ao longo de toda a vida útil do título.
Se em algum momento o grau de especialização de uma categoria mais técnica e precisa assustava os menos adeptos do estilo arcade, esse não é mais o caso. Os níveis de ajuste são tão generosos que abraçam até quem pouco experimentou simuladores mais sisudos e cheios de detalhes especializados, sem abandonar aqueles que acompanham tanto o esporte em si quanto a franquia de jogos, que também podem ter anseios atendidos com um nível de sofisticação tanto de pré-corrida quanto nos momentos de pé embaixo, com diferenças nos ajustes do carro, estratégias possíveis ao longo da jornada e mecânicas muito precisas que valorizam quem conhece os traçados e se dedica a tirar aqueles décimos de segundo tão preciosos. A inteligência artificial também parece aprimorada e funcional, sendo possível ajustar até a forma como seus adversários se comportarão em termos de agressividade.
No plano geral da prática, todas as principais novidades em relação à regras são herdadas do novo regulamento e da dinâmica atualizada do esporte, como por exemplo o sistema de classificação realizado por meio de uma corrida sprint, a inclusão de novos circuitos e a atualização de carros e equipes. Há uma qualidade ímpar em emular sistematicamente cada uma das novas inclusões, e mesmo as regras que resultaram em modificações nos veículos podem ser sentidas pelos jogadores mais dedicados. Controle do carro, estabilidade, aceleração e retomada, e principalmente ultrapassagens trazem um ajuste fino que diferencia esta edição da do ano passado, o que pode justificar, para os fãs, migrar de edição o quanto antes, e talvez nem tanto para aqueles que não tem tanto apego a essas tecnicidades.
Se a mais evidente destas atualizações é a presença, pela primeira vez no calendário, do Grande Prêmio de Miami, a dinâmica do final de semana é aquela onde senti uma maior diferença em termos de imersão. Para ser sincero, voltas de tomada de tempo, a forma clássica de conseguir um bom lugar no grid de largada, pareciam um tanto quanto anti-climáticas, um aquecimento que mais valia para conhecer os detalhes da pista do que algo que realmente fazia parte do clima de cada etapa do circuito. Agora, essa corrida de tiro curto, tal como na vida real, dá um brilho a mais para a véspera do principal dia da competição. Aí sim os treinos que antecedem a verdadeira ação se tornam ótimos complementos, valendo cada segundo para atingir bons resultados na preparação e no ajuste do bólido.
As facilitações em si são fundamentais para diminuir a ansiedade dos menos experimentados, mas não demoram a começar a incomodar quando ativados. Os controles de tração e aceleração na largada, por exemplo, tiram toda a graça de buscar o timing perfeito para sair na frente, mas o mais frustrante é o controle de frenagem e de retomada de aceleração em curvas. Na outra ponta, eu continuo gostando da indicação de traçado ao menos em uma primeira run pelo campeonato todo até me acostumar realmente com cada pista. A sugestão, portanto, é que quem quer utilizar esse facilitadores no princípio, mesmo não estando acostumado com os traçados, vá desligando cada um desses atalhos aos poucos, porque mesmo que se atravesse uma ou outra chicane por um segundo de bobeira, ainda vale muito a pena ter o real domínio do ponto de frenagem para ultrapassagens, por exemplo.
No resumo da ópera, a Codemasters uma vez mais consegue manter um nível altíssimo de qualidade na jogabilidade e na responsividade do título, independente da experiência do jogador, nos colocando no centro das atenções e das decisões em tempo real. A sensação de velocidade é impressionante, e mesmo em traçados mais complexos, como as estreitas ruas de Mônaco, o nível de intensidade se mantém alto. O muro cada vez mais perto se torna uma obsessão a cada volta, e há uma segurança cada vez mais crescente em buscar os limites exatamente porque a sensação é que realmente temos o carro nas mãos. Confesso que o que mais me incomoda em games de corrida é aquela percepção de que você está sempre se aproximando da punição pela ousadia. Claro que se arriscar significa andar no fio da navalha, mas há experiências que passam a impressão de que estão prontas para te premiar pelo trabalho bem executado e não esperando para te punir agressivamente por qualquer deslize.
O aspecto audiovisual é outro grande primor de F1 22. A EA tem se notabilizado, no seguimento esportivo, em cada vez mais promover uma proximidade entre seus produtos e suas referências, e visualmente tudo parece muito bem trabalhado. A representação de cada veículo é espetacular, com detalhes insanos em cada centímetro das máquinas. Essa fidelidade acompanha a modelagem de todos os pilotos do campeonato atual, mesmo que ainda estejamos tateando o vale da estranheza tanto quanto em jogos de futebol ou de outras modalidades. Como, ao contrário desses esportes outros, não vemos o piloto dentro do cockpit nas corridas, esse é um detalhe ainda menos importante, já que todo o resto surpreende e fascina.
As variações climáticas brilham de corrida para corrida, e o mesmo circuito parece totalmente diferente quando corremos em um dia chuvoso. Para os mais dedicados, o ajuste do carro pode precisar de mudanças significativas entre o sprint de classificação e a corrida em si, caso esteja chovendo em um dos dias e com tempo aberto no outro. Mais do que uma perfumaria – o que não significa que seja um efeito gráfico belíssimo ter a viseira molhada – esse fator altera a profundamente na jogabilidade, na visibilidade de pista e de adversários, e até na tomada de curvas porque exige abordagens distintas para cada setor da pista. Para o meu estilo, por exemplo, um dia chuvoso pode ser desastroso, principalmente em circuitos de rua, e logo fica evidente que não me sinto tão confortável como o próprio Senna correndo no asfalto molhado do famoso principado. Ainda bem que ele está na minha equipe.
Não a toa, os mais atentos vão perceber mudanças importantes no traçado de alguns circuitos, como também adaptações em áreas de escape, inclinação e até tomada de curvas. Em alguns casos, aqueles que haviam decorado o traçado vão precisar reaprender se não quiserem perder a traseira em curvas modificadas. Até a agressividade em atacar zebras tem os seus ajustes, e nesse aspecto em específico, a sensibilidade háptica do DualSense é bastante importante. A sensação tátil está mais refinada do que nunca, permitindo que saibamos só pelo tipo de vibração se estamos seguindo uma estratégia de atacar os limites da pista ou se passamos do ponto pisando na grama e na sujeira. Mais do que um uso estético, há um elemento de percepção de mundo nessas novas funcionalidades do controle que poucos jogos souberam explorar até então.
A possibilidade de troca de câmeras, como já é de praxe nesse tipo de jogo, permite que tenhamos alguns bons ângulos para corrermos da forma como nos sentimos mais confortáveis. Pessoalmente, eu sempre preferi a visão mais distante para ter uma melhor dimensão daquilo que ocorria à minha volta e para posicionar o veículo na pista da forma mais correta. Nos últimos jogos da linha F1, contudo, a câmera do cockpit é aquela com a qual me dou melhor sobretudo nas tomadas de curva e na recuperação da aceleração, então pude usar ambos os pontos-de-vista de forma confortável. Só evitei ao máximo a câmera em primeira pessoa, já que depois da adoção do halo (essencial para garantir a segurança dos pilotos de carne e osso) a visibilidade é um problema sério com o qual não quero lidar.
Seguindo um modelo já consagrado em outros games, a trilha sonora ganhou reforços interessantes e agora conta com um setlist de muito respeito como nunca antes na franquia. Há uma série de ótimas composições de vários gêneros que embalam o jogador nos momentos de preparação e configuração das corridas, que se somam a efeitos sonoros bastante competentes ao emular o ronco dos potentes motores V6 que embalam as competições. Os diálogos com a equipe – todos muito bem localizados para o português brasileiro tanto em termos de vozes quanto de legendas – também são bem contextualizados e prestar atenção nas informações dos bastidores é muito interessante, ainda que isso exija um nível de atenção seguro para não desviar o foco da próxima curva.
Parece um tanto quanto óbvio dizer que mesmo não revolucionando a série, a edição F1 22 é um nítido avanço para a franquia e se a equipe de desenvolvimento já havia se superado no ano passado, é fato que estamos diante do melhor jogo de Fórmula 1 já feito, equilibrando excelência tanto em fatores técnicos quanto nos de jogabilidade. É muito significativo sentir ter o controle real do carro mesmo quando a dificuldade é elevada ou quando tudo parece estar dando errado, e provavelmente este seja o fator que mais me agrada em simuladores de corrida como este. Se alguns aspectos extra-pista são um pouco mais tímidos e os modos não tragam qualquer desvio do que vemos na categoria, aquilo que está posto funciona muito bem, envolve e torna o game uma recomendação forte para os amantes de esportes sobre as quatro rodas.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Electronic Arts.
Veredito
F1 22 é, sem sombra de dúvidas, o melhor jogo da franquia lançado até aqui. Belíssimo visualmente, é sólido e polido em suas mecânicas dentro e fora das pistas, oferecendo uma jogabilidade precisa e adaptável a qualquer tipo de jogador, proporcionando uma experiência completa, desafiadora e bem equilibrada deste esporte.
F1 22 is, without a doubt, the best game of the franchise released so far. Visually beautiful, it is solid and polished in its mechanics on and off the track, offering precise gameplay adaptable to any type of player, providing a complete, challenging, and well-balanced experience of this sport.
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